Yo, dogs.
Hak the bear, seu host semi-preferido em sua coluna de periodicidade indefinida aqui do Groselha on the rocks.
Mais uma semana, mais um texto com algumas recomendações de coisas que li, ouvi, assisti, joguei e curti.
Sério, eu tenho um hd externo de quase 8GB de tamanho, quase cheio só com as paradas maneiras de wrestling e gibis. Então, creiam-me, eu tenho MUITA coisa pra ler. A consequência disso é que algumas coisas tão na frente de outras na lista de prioridades e muitas vezes, certas leituras acabam relegadas, esquecidas, deixas de lado. Tô aproveitando que meu atual trabalho me permite tempo livre pra fazer as coisas que eu gosto e estou aproveitando pra ler alguns dos clássicos que nunca peguei antes. Um destes bastiões que despontavam como falhas na minha carreira de gibizeiro eram exatamente os títulos da Milestone.
A Milestone é, paradoxalmente, insanamente conhecida e completamente anônima pro público brasileiro. Anônima pq salvo um crossover que rolou com os personagens da DC e uma ou outra aparição nos títulos da JLA em alguns dos projetos de revival que rolaram na editora, nada nunca fui devidamente publicado aqui. E insanamente conhecida pq quase todo mundo que lia quadrinhos passou por "when worlds collide", o supra-citado crossover/evento nos anos 90. Quem lia comics de heróis da Abril vai lembrar na hora. O choque entre Icon e Superman, o Superboy de jaqueta de couro dando em cima da Rocket, o vilão afundando uma cidade inteira só pra provar um ponto. O negócio merece ser chamado de clássico.
Além disto, tem também o fato de que uma das pedras fundamentais da cultura nerd brasileira é a animação de um das criações da Milestone: Static Shock ou Super choque em pt-br. Quando tu, moleque ou já nos anos teens, no começo dos 2000, tirava uns minutinhos pra ver as aventuras do Virgill em Dakota, tava vendo um dos personagens mais famosos da Milestone.
Considerando tudo isso, além de alguns textos lidos que recomendavam a leitura de coisa da Milestone, achei que era uma boa hora pra me lançar na empreitada. Imaginava que ia gostar. Mas não sabia o quanto.
A editora, criação de Dwayne McDuffie, Denys Cowan, Michael Davies e Derek T. Dingle, todos homens negros, tinha como proposta lançar uma linha de super-heróis formada majoritariamente por etnias não-brancas, de forma a suprir uma falha de representatividade no mercado de quadrinhos mainstream. Mas não é só a cor da pele dos protagonistas mas o tom das tramas é uma parada muito mais adulta que o das duas majors americanas. Eu li 13 edições da Milestone. Tô seguindo um guia de leitura que encontrei na Internet e tem funcionado muito bem. As revistas lidas: Hardware 1-4, Icon and Rocket 1-3, Blood Syndicate 1-4 e as duas primeiras do Static Shock.
O que eu encontrei é uma realidade muito mais familiar pra gente aqui no Brasil do que qualquer história da Marvel ou DC. Racismo, abuso policial, luta de classes, exploração corporativa, estado ausente.
Em qualquer momento essas histórias soariam especiais, mas no Brasil de 2021? Bateu com a devida força.
Hardware abre com as duas páginas que são, na moral, uma das melhores introduções de personagem de que eu me lembro nesses quase 40 anos lendo gibi.
A primeira edição da série, que é a primeira edição da Milestone, a carta de apresentação da editora, traz a história cujo título é "Angry Black man" e nesse momento, eu percebi que a história não iria segurar os socos. E Hardware, assim como Icon, Static e em BEM MAIOR proporção, Blood Syndicate, não tem medo nenhum de falar sobre temas complicadíssimos. Tipo, o evento que confere poderes aos moradores de Dakota é consequência de abuso policial e de uma corporação de má fé. Hardware é a história de um homem negro, trabalhando em uma destas companhias de big tech e que tem seus projetos reapropriados por um tecnocrata branco.
Novamente, isso é 1993, manja? McDuffie e Cowan assinam essa edição e ela é a melhor carta de apresentação possível. De fato, um manifesto de artistas que tinham muito pra falar e o talento necessário pra isso.
Icon narra as aventuras de Augustus Freeman IV, um milionário recluso de Dakota. Na verdade, ele é um alienígena que, desesperado, em fuga, acabou caindo na Terra e, uma vez aqui, reconstruiu seu corpo tendo como base a primeira pessoa que encontrou que, no caso, foi uma escrava negra chamada Miriam. Um século depois, sua mansão é invadida por Raquel e outros guris, que queriam assaltar o local. Na muvuca, ele usa seus poderes sem muitos pudores, pra dar um susto nos moleques. Raquel, um deles, volta mais tarde e pergunta porque ele não usa suas habilidades para ajudar as pessoas daquela cidade que precisam de toda ajuda possível.
A premissa é a mais simples possível e funciona maravilhosamente. Sujeito superpoderoso. A guria pergunta "pq a gente não vira super herói" e ele "Já é".
Blood Syndicate é onde o que já era político e confrontacional sobe de nível e os criadores cravam o dial no 11. O sindicato do sangue não é um GRUPO de super heróis, mas uma GANGUE. Uma milícia. Neste arco inicial, uma repórter recebe carta branca do time pra ir entrevista-los e conhecer um pouco mais sobre o misterioso grupo.
Dudes.... pouco depois de eu ter começado a leitura, a DC anunciou que vai ter uma animação baseada na Milestone e, mais importante, aproveitando o atual retorno desse universo, uma série do Sindicato.
Well.... Se não segurarem a mão nos temas e manterem o elemento EXTREMAMENTE punk da série original, esse vai ser um daqueles quadrinhos que vão ser comentados pela grande mídia, que os fanboys chiam por ter "muita política" e que tem grandes probabilidades de ofenderem todo mundo, direita, esquerda e centro. E tomara que seja assim, vejam bem.
Sério, eu não to exagerando. Tem uma personagem viciada em crack e um dos protagonistas atende pelo nome de HOLOCAUSTO. A razão de ser do grupo é um constante ponto de conflito, com os membros divididos entre serem um grupo de proteção do bairro ou assumirem o papel de gangue, inclusive controlando a criminalidade local. Sério, eu estou MUITO curioso pra saber pra onde o título vai.
No fim do primeiro arco, descobrimos uma gigantesca conspiração pra acobertar os atos de uma policia corrupta e de um governo mais sujo ainda, ambos, por sua vez, subordinados a corporações desumanas, se me perdoarem o pleonasmo.
Não vou falar sobre a HQ do Static pq ainda to no comecinho, mas os 3 títulos acima me deixaram muito surpreso e igualmente satisfeito. Tramas adultas com uma sensibilidade muito única. Conway (artista de Hardware e Blood Syndicate) e M D. Bright (responsável pelos desenhos de Icon), dividem um estilo de arte muito parecido. Cru, punk, aquela coisa bem fanzineira, com ecos de Frank Miller e David Mazzucchelli. Em uma época em que quase todo mundo emulava Jim Lee e McFarlane, esses gibis tinham uma arte que vazava personalidade. Linda e particularmente marcante na memória. E com relação aos roteiros, o saudoso Dwayne McDuffie, responsável pelos textos das 3 séries acima, faz mágica. Icon, BS e Hardware tem, ao mesmo tempo, elementos narrativos que conectam os 3 "universos' de forma orgânica, ao mesmo tempo que trazem tons distintos. Icon é uma hq mais serena, contrastando com o senso de urgência no talo de Blood Syndicate ou com a frieza melancólica de Hardware.
Sério, se você gosta de super heróis, procure o material clássico da Milestone. E se você não gosta, tenta dar uma chance. História de origem costuma ser um saco, mas estas mantem o tom alto de forma constante. Eu não sabia o que esperar e saí realmente empolgado em continuar lendo o resto dos lançamentos da editora. É um universo fascinante, familiar mas estranho. Fantasioso mas cruelmente realista. Alçando aos céus mas sem nunca tirar os pés do chão. Alienígena e mágico mas que, ao mesmo tempo, cheira que nem as ruas do lado de fora da nossa porta.
A gente nunca vai ser Metrópolis ou Gotham. Mas Dakota? Dakota é um canto do multiverso muito semelhante ao nosso quintalzinho verde e amarelo, com tudo de bom e de ruim que isso significa.
Ainda falando sobre heróis urbanos, eu mergulhei COM FORÇA nos gibis do anjo da guarda de Hells Kitchen, o Demolidor.
Peguei as fases do Waid e a atual, de Chip Zdarsky, pra ler. Da fase do Waid eu falo quando terminar, mas fui até o título mais recente da ainda em desenvolvimento fase de Zdarsky e, rapaz, que HQ legal.
Mais uma vez, a equipe criativa vai jogar Matt Murdock no coração do inferno pra ver o que levanta de volta. E o primeiro arco da série QUASE me enganou. Digo isso pq a trama começa com MAIS UMA VEZ, Murdock no meio de um crime que ele não cometeu e MAIS UM A VEZ, tendo que limpar seu nome enquanto é caçado por todas as forças da lei locais, além de alguns membros da comunidade super heróica.
Mas aí vem o twist no final do primeiro TPB e te pega de surpresa e tudo que você tinha como certeza cai por terra. A história aproveita o que conhecemos do personagem e usa isso pra nos surpreender e quando você vê suas expectativas vindo abaixo, o efeito é maravilhoso. Murdock já foi quebrado, física e psicologicamente antes, mas desta vez, as convicções mais essenciais do demônio da cozinha do inferno vão ser postas a prova, em uma gigantesca discussão sobre bem, mal e a natureza da sua cruzada contra o mal. Altruísmo, sociopatia ou uma forma de revidar contra um mundo que o submeteu a horrores que quebrariam espíritos menos resilientes? Estes elementos, inclusive, conectam a história, tematicamente, com Immortal Hulk, publicado na mesma época pela Marvel, já que a discussão estrutural aqui é: o que nos faz pessoas boas? E existe alguém de fato bom, em um universo frio e que não se importa com quaisquer abstrações que criemos como sociedade para tentar conferir algum sentido para aquilo que, na verdade, nega qualquer conceitualização do tipo?
Acho que não é spoiler, visto a cobertura midiática e polêmica resultante, comentar que em dado momento da história, Murdock tem que abrir mão do uniforme vermelho e Elektra acaba assumindo a posição de guardiã daquele bairro de Nova Iorque. E aí, é a vez dela experienciar o quão insuportavelmente difícil é adotar essa persona e tudo que vem com ela.
Roteiros de Zdarsky e arte ABSOLUTAMENTE MARAVILHOSA de Marco Checchetto. Tal qual rolava na época de Miller, Checchetto faz de Hells Kitchen um lugar vivo, orgânico, o que só torna a experiência ainda mais visceral.
Trinta e cinco edições até agora. Leitura absolutamente obrigatória para qualquer fã do personagem. Ou simplesmente, pra qualquer fã de uma boa história muitíssimo bem contada.
Por hoje é isso, crianças.
Fiquem ligados pq ainda hoje tem Monster Mash.
Eu acho. Hey, motherfuckers, não me culpem, okay? "A vida é o que acontece enquanto fazemos nossos planos", lembram? Mas eu vou tentar. :-)
Hasta
Respect!!!!!
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