Eu acredito ter morrido pela primeira vez antes mesmo de completar meu primeiro aniversário. Diz minha mãe, única testemunha dos eventos a serem descritos, que um dia ela seguia a vida normalmente, quando escuta um BUMP ao longe. Sem nenhum som a seguir, ela ignorou o que ouviu e continuou com seus afazeres.... até vislumbrar o resultado do estrondo. De acordo com ela, alguns segundos depois um bebê - como vocês podem deduzir, o pequeno hak the bear - adentra o quarto, engatinhando. Um sorriso no rosto e um filete de sangue descendo da testa. Segundo mamãe, o que ocorreu em seguida é uma sequencia de eventos amorfos, como é típico de situações de trauma e grande impacto emocional.
Pra ela, claro. Pq, segundo ela, eu seguia tranquilo. A calma de um bebê na primeira infância, inabalado pela torrente de sangue que macabramente banhava meu corpinho não tão miúdo (nasci com 5 quilos. Um pacote de arroz, basicamente).
Pausa: quando eu digo que eu "morri", não quero dizer que eu literalmente faleci. Não é uma daquelas circunstâncias em que eu digo algo supostamente chocante pra parecer que eu tive uma vida mais interessante do que ela realmente foi.
O que eu quero dizer é o seguinte: vamos supor que o multiverso exista e que cada decisão que eu tomo gera um novo plano de realidade. Vamos, nesse exercício hipotético, supor que exista uma infinita rede de dimensões para cada decisão tomada e não tomada, não só minha, mas de todos nós.
É razoável, portanto, deduzir que existe uma dimensão em que o pequeno Daniel decidiu virar a direita ao invés da esquerda, ou decidiu ficar no lugar, parado, admirando curiosamente o liquido vermelho que descia da sua testa aberta. Então, deve existir um plano dimensional em que minha mãe achou o corpo do pequeno ursinho depois dele, silenciosa e calmamente, ter sangrado até a morte.
Daí pra diante é um pulo: aos 17 anos, seguindo pela subida de terra batida pela qual eu tinha que passar pra ir pra casa, eu pisei em falso e a seguir, tudo virou uma imagem borrada. Racionalmente, eu sei que eu segui rolando pelo declive próximo e caí em queda livre por uns 3 metros até o corregozinho ao lado da linha de trem que tinha ali. A água e a lama amorteceram minha queda e eu saí com uns machucadinhos mas nada muito sério - o único dano real foi no meu orgulho, já que algumas pessoas testemunharam o acidente. Mas, novamente, existe um plano dimensional em que eu caí uns dois metros pra direita, em cima dos trilhos do trem e provavelmente abri meu crânio. R.I.P Hak The Bear.
Anos mais tarde, durante minha passagem pelo RJ, eu saí da casa onde estava, depois de um comentário infeliz da pessoa que me hospedava e fui, magoado e precisando de distância, caminhar pelas noites de Niterói. Nada aconteceu. Mas neste plano dimensional. Porque em algum outro....
Mais tarde ainda: talvez, na noite em que fiquei preso no banheiro da pensão em que morei em meus primeiros anos em SP e tive que subir na privada que estava solta, pra poder chegar na janela e pedir pra alguém abrir a porta por fora, o vaso mal chumbado tenha cedido aos meus mais de 100 quilos e eu tenha desabado junto com ele. Ou da vez em que eu quase fui atropelado ao atravessar fora da faixa e quase colidir com um carro em alta velocidade, eu tenha dado aquele passo um segundo mais tarde.
Ou pode ter sido ainda mais estupido. Quando tentei trocar a fiação do chuveiro com a eletricidade ligada. Quando não reagi aos dois assaltos que sofri na vida. Quando tive uma infecção na perna em 2013. Eu quase morri vitima de septicemia. Mas, em um plano dimensional adjacente, talvez Hak não tenha QUASE morrido.
É bizarro pensar que eu sou não apenas a versão "mais sortuda" minha que existe (pelo menos, no presente momento), mas que eu também deixei uma pilha de corpos - todos MEUS - atrás de mim. E no entanto, eu sou uma das versões que conseguiu cruzar a fronteira dos 40. E a cada dia, deixa uma versão sua pra trás. Vítima de acidente, doença ou que apenas, em todas as vezes que pensou "pq não simplesmente se matar?" não conseguiu uma resposta convincente pra faze-lo seguir mais um dia.
Descansem em paz, HakS The BearS. Que a fortuna e sorte que vocês não tiveram siga comigo e que eu ainda tenha um bom tempo antes de me juntar a vocês e virar assunto do blog de um outro Eu. Versão minha que, não só sobreviveu a o que quer que tenha finalmente me mandado pra vala, mas ainda tenha tido leveza de espírito para escrever sobre.
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