sexta-feira, 1 de novembro de 2024

"Batman: The Black Mirror" - Quando o Inferno te olha de volta.


                     "Look in my eyes. What do you see?"

                     Living Colour - Cult of Personality



Uma de minhas interpretações favoritas do lore do morcego, bem fácil de entender, mas que ainda apresenta camadas mesmo em sua aparente superficialidade, é a seguinte: Gotham é o inferno. 


Simples assim. A cidade gótica da terra da DC é o inferno. 

Não tem uma corrente do cristianismo que diz que o mal é tudo que escapa da visão de Deus?

Então. Gotham é uma cidade constantemente fora do olhar do Altíssimo. As almas lá não estão lá por pura teimosia, não mais do que NÓS que vivemos em cidade como SP, que também são o puro caos e mesmo podendo, em tese, ir pra lugares melhores. E não vamos porque....?? Bom, responde você.

Eu credito minhas duas décadas aqui a Síndrome de Estocolmo purinha, mas enfim...

Gotham é o inferno. Os Gothamitas são os torturados. E os demônios, originalmente, eram as famílias mafiosas operando nas sombras. Os Falconis, Os Zuccos, os Maronis.

Em meio às trevas, um dos demônios, compadecido de seus irmãos, decidiu mudar de lado e operar a favor dos anjos. Surge o Batman. E o morcego consegue estabelecer alguma ordem praquele canto do Hades. 

Mas, voltando ao lore cristão, um dos elementos mais fascinantes do inferno é a sua impermanência perpétua. Claro, faz sentido. Nós humanos somos criaturas de hábitos, de tradições e que anseiam por permanência. Estabilidade. "Constância, meu bem, constante", como diriam em "hoje é dia de Maria". 

So, se você quer dar uma boa zoada nos humanos, essa prisão precisa ter esse aspecto mercurial, de eterna mudança e se redesenhando momento a momento. Gotham mudou e se adaptou. E se tornou exatamente o que precisava para virar o inferno perfeito para Bruce Wayne. 

Os mafiosos foram substituídos por tipos de demônios mais grotescos. Criaturas de lama. Aves de rapina. Avatares do medo. Tricksters. Bestas abissais. E claro... um palhaço que desafia qualquer lógica e cuja impermanência reflete não apenas a da própria cidade sobre a qual falo aqui, mas a dos novos tempos em que tal metrópole se insere. 


Pós modernismo, baby.

Evolua ou morra.


Por anos, essa foi a dinâmica entre Gotham City e seu anjo caído guardião. Então, Wayne olhou pro abismo e o abismo olhou de volta.



E fica a pergunta: rei morto, rei posto. Oh, e agora, quem poderá nos proteger?


As pessoas tendem, desde muito cedo, a maldizer a figura do Robin. 

As cores, o sorriso do Robin original, o quanto ele parece fora de lugar num contexto gótico como o do morcego, mas os seus críticos desconsideram dois detalhes.

1) A Gotham sisuda, sombria, expressionista com que eles cresceram não é a ÚNICA interpretação da cidade. Rapaz, nos psicodélicos anos 60, gibis eram lugares maravilhosamente estranhos e o Batman não fugia disso. Essa encarnação do personagem vem do final dos anos 70, com a era do Neil Adams e ganha intensidade de fato depois do lançamento de "O Cavaleiro das Trevas" em 86. É preciso, décadas depois, Grant Morrison bater o martelo e retomar essa fase mais "colorida" do personagem pra ela não só voltar pro lore, mas pra voltar a ser parte canônica e integral do homem-morcego.

2) E esse é o ponto que sustenta todo esse texto então, atenção agora: 

O Robin. O menino-prodígio. O parceiro do Batman.

então


O Robin é uma promessa. 

Novamente: o Robin é uma PROMESSA.

Uma promessa do Batman.

Pra si próprio, pro jovem Grayson e, principalmente, pra Gotham.

Richard Grayson surge na vida do herói quando, no meio da guerra contra o crime, a família de artistas circenses é pega no fogo cruzado. A tragédia de Dick replica, portanto, a do próprio Bruce. 

O herói surge com a promessa de impedir que tragédias como a dele próprio se repitam.

Obviamente isso não deu tão certo e é hora de se adaptar. O futuro ideal para Wayne seria um que não precisaria do Batman. Infelizmente, não vai rolar, então... Robin. 

Mas vai ser um 'batman" diferente. Melhor. O que o Batman tem de melancólico, o Robin sempre avança com um sorriso e uma piada que tiraria um risinho até do sobrinho da Tia May. 

O que o Batman tem de sombrio, o Robin tem de colorido, usando tons mais vibrantes. 

Essa era a promessa do morcego: a próxima geração de combatentes do crime vai ser mais mentalmente saudável. Se tragédias ainda ocorrem, que as pessoas surgidas a partir de tais tragédias sejam melhores e mais mentalmente estáveis que a anterior, e a seguinte, melhor que essa, e por aí vai, até podermos chegar em um estágio onde, finalmente, não haja a necessidade de heróis.


Bom... é aquilo... "o homem planeja e deus ri". 

Essa era a promessa. Mas as coisas não correram da forma fluída e tranquila que o cavaleiro das trevas queria.

Robin cresce, mas surgem divergências entre ele e seu mentor e a tal ponto que eles seguem caminhos separados. Piora: quando o guri decide abandonar a identidade criada por seu "pai", ele adota as cores deste. Tons mais sombrios. O azul, vermelho e verde dão lugar ao azul escuro e o amarelo. Que, posteriormente, notem, daria lugar ao vermelho sangue e ao azul turquesa. Um tom claro, mas menos que o amarelo que Wayne usa no logo do peito. 


O Robin, o pássaro, que por aqui é conhecido como "pisco de peito ruivo" é uma ave de hábitos diurnos. Já Nightwing não é baseado em nenhum pássaro real, mas numa ave kryptoniana que, por sua vez, herdava seu nome de uma divindade do planeta do Superman. Nightwing seria um deus noctívago que vivia sozinho até conhecer uma entidade solar, de nome Flamebird e os dos viveriam juntos, em uma relação de completude. Yin e Yang. 

Os motivos diurnos do Robin cedem lugar às trevas noturnas. Não foi exatamente como Wayne imaginou.

Mas okay, tentemos uma segunda vez.


Jason Todd. Menino de rua que Bruce conheceu quando o guri tentou roubar as rodas do batmóvel pra vender em um desmanche. 

O novo Robin. Um robin mais brutal, considerando a vida difícil que teve, mas que talvez, com a devida orientação, possa representar o futuro de cores fortes que o Cruzado Encapuzado concebeu.


Bom.... esse trem descarrilhou e quando o fez, foi com gosto.

Oh, e cereja no topo do bolo: não só o coitado morreu, mas quando voltou, ele adotou a máscara e as cores DO HOMEM QUE O MATOU. 


Okay, duas tentativas, 100% de perda. Mas tentemos novamente.


Timothy Drake. Não tinha sido tocado pela tragédia. Um guri brilhante, que simplesmente deduz que Bruce Wayne é o guardião mascarado de Gotham e que, por isso, recebe o convite para se tornar o boy-wonder.

Mais sério que Grayson, mais mentalmente estável que Todd, o guri seguiu por anos equilibrando uma vida civíl relativamente tranquila e a persona super-heróica. Pra gente, lendo, parecia finalmente que o plano original tinha dado certo e que finalmente o Batman tinha conseguido criar um Robin que não seria definido pela dor e violência que viveu.

Aí veio a "Crise de Identidade".


Nope.... segue o barco. 

O guri consegue se recuperar, mas termina adotando a identidade do Red Robin. 


Notem os tons mais escuros do uniforme. A escuridão se espalhando como um liquido que te envolve e se adapta ao corpo.

Okay, final shot: Damian Wayne. Aí não tem como errar, certo? I mean, o moleque já vem quebrado de fábrica. 


Filho do morcego com a herdeira do maior grupo de assassinos da Terra, conhecidos como "A" liga de assassinos. Neto, por sua vez, de um déspota megalomaníaco de fazer inveja no Thanos do MCU. Um homem cujo nome pode ser LITERALMENTE traduzido como "a cabeça do demônio".

Ra's Al Ghul. 

No primeiro dia, NO PRIMEIRO DIA, vejam bem, do guri em Gotham, ele DECAPITA um inimigo do pai e quase mata Tim Drake na porrada. Okay, domar esse cavalo vai ser um processo longo e cansativo, mas pelo menos podemos ter certeza de que nenhum horror naquele inferno de cidade vai ser grotesco demais pra impressionar um garoto que já deve ter visto coisas que causariam PTSD em um homem com o triplo de sua idade. Certo?

Okay.... primeiro, veio SUA PRÓPRIA MÃE. 


Mas ele voltou dos mortos.

Então, veio o Coringa, que torturou o guri psicologicamente a ponto de QUASE quebra-lo. Mas, apesar das cicatrizes emocionais, o guri seguiu seu caminho.


Mas aí veio Bane e quebrou o pescoço do homem mais gentil que Damian conheceu em toda sua vida, Alfred. NA FRENTE DELE. APENAS para tortura-lo. 


Okay, essa foi a gota d'água. Tal qual os Robins anteriores, ele abandona as cores alegres e se adorna com tons sombrios. Preto, cinza e o vermelho sanguíneo. 


Tem a Stephanie, mas ela durou 5 minutos no cargo e terminou aparentemente morta, so, não acho que o morcego incluiria ela numa lista de acertos. 

Gotham City mastigou os 4 Robins, extraiu quase toda inocência e positividade deles e os cuspiu de volta e se eles saíram com alguma sanidade e até alguma leveza residual, é mérito deles próprios e não porque a cidade "pegou leve". 

So... Gotham vai sempre precisar de um Batman. Ao invés de aceitar Robins, ela decide tortura-los até o ponto deles quebrarem o suficiente para se tornarem o Homem-Morcego. E Bruce, apesar das cicatrizes, dezenas de fraturas e danos internos, segue no papel. Não porque não tem fé em seus aliados, mas porque o Batman, SER o Batman, carregar o manto do morcego é uma maldição.

Em retrospecto, faz sentido que, depois de Bane ter partido sua coluna, Wayne preferiu passar o manto pra um maluco fanático como Jean Paul antes de passar esse fardo pro Dick. Porque toda a idéia é que seus pupilos viveriam num mundo que não precisaria de um Batman. 


Mas novamente, a vida é o que rola enquanto fazemos nossos planos. 

Veio a Crise Final e Bruce Wayne foi dado como morto. Ele voltou, mas decidiu que era hora de tentar um método diferente de combate ao crime, menos local e mais global. Mas Gotham ainda precisa de um Batman e, a contragosto, Grayson era a escolha óbvia. 


E finalmente, depois de PÁGINAS de introdução, chegamos ao ponto do começo de Black Mirror, arco que perpassou por 10 edições da Detective Comics, números 871 a 881, publicada entre Janeiro e Outubro de 2011, com roteiro de Scott Snyder e arte de Francesco Francavilla e Jock. 

Black mirror não é sutil, desde o título, sobre seus temas.

É a dupla percepção, tanto do Dick, quanto da cidade de Gotham, de que existe um novo Batman. 

Lembram o que eu disse, no começo desse texto, sobre o aspecto adaptativo do inferno, certo?

Quando Bruce Wayne olhava no tal espelho sombrio que é a sua cidade-sede, o que ele via era seus demônios olhando de volta: Bane, o Pinguim, Cara de Barro, a Mulher Gato, Ivy, o Espantalho, Man-Bat, Freeze e claro, aquele maldito palhaço psicótico.

A óbvia pergunta aqui é: quando Richard Grayson se vê diante desse espelho distorcido, o que Gotham vai mandar pra cima dele? Quem é o Coringa, o cara de barro, o Bane de Dick Grayson?

As quase 300 páginas dessa história vão ser a resposta pra essa pergunta. 

Comecemos com a elegância do roteiro. Eu adoro como Gotham não parece muito certa sobre como ela vai "evoluir" pra poder oferecer a pior experiência possível pro novo Homem-Morcego, então, ela vai com calma. Vai ser um processo que vai tomar seu devido tempo. 

Tal qual Evangelion, em que os anjos começam atacando como kaijus e, conforme precisam se adaptar aos humanos, vão ficando mais e mais complexos, tomando formas geométricas e mais abstratas até poderem atingir a forma perfeita que é quase indistinguível da dos terráqueos, os vilões que surgem como oponentes do protagonista parecem idéias que precisam ser aperfeiçoadas, aqui e ali, até chegarem a sua forma perfeita. 

O primeiro grande antagonista de Black Mirror é o "The Handler", um velho que vive colecionando memorabilia de heróis e vilões para revender a preços astronômicos para ricaços entediados. 


Em seguida, temos Sonia Branch, ou, na verdade, Zucco. 

E por fim, tal qual Freeza que passa por duas transformações antes de alcançar sua forma perfeita, Gotham toma uma decisão e entrega o oponente ideal para o novo herói local: James Gordon Jr. 

Vamos por partes: Notem o paralelismo entre o começo das jornadas do Batman original e de seu sucessor.

Em ambos os casos, seus oponentes eram a elite financeira de Gotham. Lembrem-se da clássica cena do discurso do herói diante da elite gothamita na clássica "Batman - ano um". 


Aqui, Dick também vai ter como primeiros oponentes a parcela do 1% local. Mas tudo parece ainda mais sinistro. Sem querer glorificar a máfia, mas a antiga elite criminosa da cidade pelo menos respeitava certas regras. Havia uma ilusão de sociabilidade e certos limites.

Aqui, no entanto, a coisa toma tons de grostequerie. Quando o Handler revela que uma das pessoas no leilão sombrio sendo realizado ali é o Batman, as dezenas de pessoas ali só mandam qualquer fantasia de auto-controle pro espaço. Uma vez "autorizados", eles tentam LITERALMENTE arrancar pedaços do personagem. 


Aquela é uma elite vulgar porque, não nos esqueçamos, TODA elite é vulgar. Porque o CAPITALISMO em sei, é vulgar. O soro que criou o Killer Croc. A tecnologia de controle mental do Chapeleiro Louco. Os guarda-chuvas do Pinguim. Todos itens maiores que a vida, armas capazes de matar pessoas. Transformadas em itens colecionáveis, tipo um funko pop infernal, para divertir bilionários. As vidas e dores e sangue derramado destes heróis, reduzidos ao nível da coisificação, da comodificação. Porque, novamente, é isso que o capitalismo faz e ele é vulgar as fuck. 

Não que os bilionários atuais sejam piores que os de décadas atrás. Elite financeira SEMPRE foi uma parada porca e grotesca. A diferença é que a mentalidade local, motivada pelo neo-liberalismo, culto à personalidade, o poder que tem sobre governos democráticos e, PRINCIPALMENTE, as rachaduras no capitalismo tardio permitem que essa elite não precise se esconder atrás de máscaras e eles podem simplesmente agir como os animais que são, pois sabem que seu privilégio é um escudo que vai protegê-los de tudo. 


Não é pra menos que o clímax desse momento é a revelação do pé-de-cabra que o Coringa usou para matar Jason Todd como um dos artigos leiloados. Gotham está se adaptando para torturar seu novo guardião e pra isso, usou o passado do herói. Leilões sempre giram em torno de venda de itens antigos. O mercado de arte se sustenta assim (e os quadrinhos não fogem disso, pelo menos lá nos EUA, onde existe um mercado de revenda de gibis que pode chegar, dependendo do item, às centenas de milhares de dólares). Também, não por coincidência, o Handler é um homem velho que não consegue andar sem o auxílio de muletas. Ou a menção de que o bairro onde o leilão está acontecendo (e notem como ele é intitulado: missa negra) já foi um local de luxo, mas que foi abandonado depois do terremoto que devastou a cidade (no arco "Cataclisma" que, por sua vez, iria desembocar no mega-arco "Terra de Ninguém"). Tanto em termos práticos, quanto temáticos, Snyder recorre ao passado da mitologia do morcego e o transforma em arma.

Há aqui também, claro, uma crítica ao colecionismo e, por tabela, ao próprio fandom consumindo tais histórias. Notem como, na hora do confronto final com o herói, o Handler usa um dos itens que tinha para leilão, o soro do Man-Bat para se transformar em uma versão do monstro. Ou, dizendo de outra forma, usando um dos itens de sua coleção, ele se sente o próprio morcego humano. Através, e por causa, de sua coleção e de suas posses, fruto de seus privilégios (e aqui me refiro tanto a dinheiro quanto a habilidade de pilhagem típica das elites), ele se sente um gigante maior que a vida. 

Gotham cavando seu próprio passado e o usando como arma. 

Cabe ao Homem-morcego diminuí-lo e eu gosto muito de como além de socos e chutes, ele derrota o vilão ao lembra-lo que as tralhas que ele possui são só isso, coisas. Despidas do sentido que damos a elas, aquelas coisas são só isso. Coisas. 

Em seguida, temos o arco envolvendo Sonia Zucco, correndo paralelo à revelação do retorno de James Gordon Jr. para Gotham. Se no primeiro arco, a arte de Jock tem aquela crueza típica do Mazzuchelli, desenhista da já mencionada "Batman - year one", a arte de Francavilla me remete a posteres de filmes de horror e à arte de quadrinhos de horror da EC Comics. 

O tema dos espelhos sombrios agora também surge para atormentar a família Gordon. Pra quem não leu "ano um", a história, de Mazzuchelli e Frank Miller, mostra os primeiros dias da carreira de Bruce como super-herói. Em paralelo a ela, temos os primeiros dias de um jovem Capitão Gordon, também recém-chegado em Gotham. As duas tramas vão se cruzar quando um grupo de policiais corruptos, temerosos que Gordon vá delata-los para a corregedoria, decidem mata-lo e pra isso, sequestram seu filho, James. No clímax da história, Gordon consegue interceptar os raptores e entra em confronto físico com um deles. No entanto, os dois estão sobre uma ponte e na briga, o oponente acaba derrubando o bebê. Batman, que estava indo salvar Gordon, vê o ocorrido e, sem hesitar, se atira da ponte e usa o próprio corpo pra proteger a criança do impacto. Todo o lance aqui, no entanto é que como James ainda era muito novo, mesmo esse impacto, ainda que amortecido pela intervenção de Bruce, pode ter afetado seu cérebro. Além claro, do trauma de toda a experiência. "Black Mirror" levanta a possibilidade de que esse momento específico tenha alterado o cérebro de James a ponto dele se tornar um psicopata. 

Independente das origens, James sofre de Transtorno afetivo bipolar (o que se chamava antes de psicose maniaco depressiva). Gordon e Barbara notaram muito cedo as tendencias do menino e fizeram o possível para ajuda-lo, sem sucesso. Ele retorna aqui afirmando que, após um tratamento com drogas experimentais, a parte do seu cérebro que havia sido afetada e que não sentia empatia, agora estava sendo medicamente corrigida, o que lhe permitiria uma vida o mais próxima do normal possível. 

Claro que, em sendo uma história do Batman, não é difícil saber pra onde esse bonde vai e a trama brinca com isso lindamente. A arte de Francavilla é uma aula de como construir tensão. Desde as primeiras páginas, quando Gordon se toca do retorno de James através de uma câmera (notem o lance de telas e espelhos). Passando pelo momento em que ele e Barbara conversam em lados opostos da mesa de um restaurante e, finalmente, quando James se revela para o pai e novamente, os dois estão em lados opostos. Tanto o comissário quanto sua filha e James usa óculos corretivos então, quando eles estão se encarando, eles também estão se vendo refletidos em telas. 




Ainda sobre a arte, notem as cores. Azul e roxo dominam na maior parte das cenas, mas conforme Bárbara e Gordon discutem sobre a real natureza de James Jr., as cores são lentamente tomadas pelo vermelho. Mas um vermelho fosco, morto, sem vida. E isso vai em um crescendo até a aparição de James, totalmente envolto na cor rubra, quente e fria ao mesmo tempo. Conforme Gordon vai mostrando dúvidas diante das revelações do filho, o vermelho vai lentamente cedendo para um amarelo menos ameaçador, mas sem que o vermelho despareça, sempre ameaçador.

Coisa de mestre, maluco.

Em caso de dúvida, é o mesmo vermelho que vai surgir na conclusão grotesca do monólogo mental de Bullock, ao final deste mesmo capítulo. O veterano policial diz que não gosta de ir em bares ou confraternizações e que não consome arte contemporânea, preferindo ouvir música velha e coisa do começo do século passado. Essa reflexão conclui, no entanto, com a constatação de que o passado - e nostalgia - não é um lugar seguro (o que dialoga com o arco do Handler e os perigos do colecionismo como celebração do passado lindamente). 



Mas retomo o arco da família Gordon mais pra frente.

Voltemos ao inferno pessoal de Richard Grayson.

O segundo arco se concentra na bizarra aparição do cadáver de uma orca deixada no meio do banco de Gotham. Dentro dela, o cadáver de uma mulher que remete à dona do banco, Sonia Branch. Alguma investigação e Dick descobre que o sobrenome real da moça é Sonia Zucco e que ela é filha de Tony Zucco, o mafioso que matou os seus pais.

Gotham tentou usar o passado do morcego contra ele. Como não funcionou, é hora de usar o passado do homem usando a máscara. Vamos descer uma camada. Ou um círculo do inferno, como preferirem.

Novamente, Snyder não é sutil. Branch = galho. A tal frase, mencionada na própria história, sobre a maçã que não cai longe da árvore. 

O grande tema desse momento da história é Esperança. Ao confrontar a moça, o protagonista sai em dúvida sobre a culpa dela. Ela é uma criminosa como o pai ou alguém sendo vítima de criminosos locais?

Novamente, esperança. Mas notem que, na história original da caixa de Pandora, a esperança está na caixa junto com todo o mal e todos os pecados e horrores que atormentam a existência humana.

Visões tipo "copo mais cheio" tentam interpretar esse aparente paradoxo como o sinal de que você precisava de um conceito positivo para equilibrar todos os negativos dentro da tal caixa. Uma interpretação mais cínica desse conto, no entanto, diria que a esperança é um mal que nem todos os demais dentro da caixa e que esperança pode ser uma arma cruel.

De que vale esperança no inferno? "O que seria do inferno se não fosse pela habilidade de seus habitantes de sonhar com o paraíso?", perguntaria o Sonho dos Perpétuos. Todo mundo, em um avião despencando do céu, tinha esperança de que no ultimo momento, algo iria salva-las, entendem meu ponto?

É perigosíssimo você dar esperança para alguém para apenas tira-la de volta, momentos depois. 

Investigando o caso, o herói chega em dois vilões "menores". O "Papa-léguas" e o Tiger Shark. O Tiger Shark é uma ameaça maior, remetendo a motivos greco-romanos (novamente, a elite financeira e sua típica breguice. Milionário ADORA uma metáfora à César, um termo em latim e encher a casa com coluna grega, né?). O tal Papa-léguas parece só um minion, dono de um desmanche de carros ilegal e que opera de forma coordenada com a policia corrupta de Gotham, mas ele diz duas coisas particularmente notáveis aqui.

A primeira é a menção ao tenente Flass, um dos antagonistas de "Ano Um", como um dos colaboradores do papa-léguas e seu esquema de roubo de carros. O segundo detalhe é a revelação do sujeito de que ele tentou operar em Metrópolis, mas foi detido pelo Superman antes mesmo que pudesse começar suas atividades por lá. Isso acrescenta uma camada interessante ao tema das grandes metrópolis (sem trocadilhos) e sua fome por vidas. Porque não podemos não contrapor essa história, do ultimo filho de Krypton detendo um criminoso nível Z, com a que ouvimos no capítulo anterior, quando policiais comentam que existem registros da missa negra do Handler em cidades como Metrópolis e Star City.


Se Gotham é o inferno da DC, Metrópolis é seu extremo oposto. Metrópolis parece a concretização de todos os sonhos de uma cidade utópica concebidos nas décadas de 50 e 60 por escritores de sci-fi. Não é pra menos que a cidade de Kal-El sempre passa um ar retro-futurista. Star City, por sua vez, é a cidade base de Starman, identidade de vários dos filhos da família Kord. Enquanto Metrópolis é uma cidade solar, remetendo à Nova Iorque e outras grandes capitais, Star City parece uma cidadezinha sci-fi, mas perpetuamente guardada em âmbar, paralisada em uma fantasia de futuro da época do atomic horror. 

Ambas bebe horrores do sci-fi retrô, mas Metrópolis se permitiu avançar, chegando a picos cyberpunk como na época em que ela foi alterada pela tecnologia de Brainiac. Já Star City parece com a cidadezinha de "o gigante de ferro". Uma fantasia retro-futurista surgida dos sonhos de um escritor esperançoso dos anos 40, mas em pleno século XX e XXI. 

Fantasias supostamente utópicas. MAS.... com sombras, como toda cidade. Superman deteve o bandidinho menor, enquanto a elite local estava lá, comprando os itens proibidos do Handler. Da mesma forma, a elite de Star City. Quando mais brilhante a luz, mais escura a sombra. E mesmo o Homem de Aço é incapaz de impedir tais sombras de proliferarem em seu suposto paraíso. Quanto a Star City, essa fantasia de futuro é construída com bases no passado, e uma extrapolação de um passado nostálgico aplicada aos dias vindouros. Mas novamente, nostalgia é uma mentira. Os anos 60 foram maravilhosos e esperançosos? Não se você fosse um homem negro, percebem?

O passado não é um esconderijo seguro, mas uma ilusão.

Por fim, Richard descobre que o crime de fato ocorreu e que Tiger Shark matou a tal moça. Mas a própria Sonia colocou ela no banco e conectou sua morte ao Papa-Léguas para deter um criminoso que estava tentando força-la a cooperar com o crime local.

E aí? Ela é tecnicamente inocente. Mas ela manipulou a justiça e criou uma situação para jogar o Batman contra alguém que poderia se tornar uma pedra no caminho futuramente. Ela é uma criminosa como o pai, manipulando a lei a seu favor ou ela só usou a situação de forma inteligente para navegar em águas perigosas?

Zucco ou Branch? 

A história não responde a pergunta e mesmo o Batman sai insatisfeito, sem saber como interpretar os eventos. Notem como Gotham opera já transformando alguém supostamente inocente em uma versão pior de si mesma. 

Gotham usou o passado contra o morcego e agora altera o presente e a perspectiva de futuro contra o protagonista.

Além disso, o mal evolui. Da cara grotesca do Handler para o belo e sofisticado rosto de Sonia. E um mal que não é tão mal assim, certo? Tons de cinza. Um mal com papel mais passivo que ativo. Um mal que não se trata de fazer mal a alguém de fato, mas de puramente omitir coisas e informações. Nuances. 

Chegamos ao clímax de fato de "Black mirror", com o confronto direto entre James Jr. e Richard Grayson. 

O tema da esperança é retomado também neste núcleo da história. O tempo todo ficamos nessa dança de "será que James é inocente?". Uma "danse macabre", uma valsa demoníaca de dois pra lá, dois pra cá. Até a revelação de fato, que vem da forma mais gráfica possível, de que o grande oponente da trama não usa máscara nem tem um "nome vilanesco". Pelo contrário, ele divide o nome com um dos anjos da guarda da cidade, o raro caso de um policial honesto e constante colaborador do homem-morcego em sua cruzada. 

O reflexo perfeito. 


Richard e James. Os filhos do Batman e do Comissário. Ambos traumatizados por Gotham. Dick é alegre. James é incapaz de entender emoções e empatia. Richard tem suas personas maiores que a vida. James é um serial killer e, como tal, precisa operar nas sombras, sendo o mais discreto e imperceptível o possível. 

E operar nas sombras foi o que ele fez. 

Descobrimos que ele esteve agindo nas sombras e provocando quase todo o desenrolar de "Black mirror", desde a chegada do Handler à Gotham City até a fuga do Coringa de Arkham.

E sim, na nova Gotham de Dick Grayson, mesmo o Coringa não passa de uma peça a ser manipulada pelo filho do Comissário. Porque, afinal, o palhaço perdeu seu reflexo e o que sobra? Nada. O encontro do vilão com o novo Batman não tem a grandiloquência que se poderia imaginar, com o antagonista sendo facilmente derrotado enquanto lamenta de forma infantil a ausência do "seu" morcego. 


Por fim, tomamos ciência dos riscos envolvidos. A tal droga que James supostamente tomava, para estimular a parte do cérebro que gera a empatia, de fato funcionava. O que o rapaz omitiu é que ele adulterou a fórmula original para que o medicamento tivesse o efeito contrário. Como tal medicamento, de acordo com a HQ, só funcionaria em cérebros ainda em formação, ele veio pra Gotham e simulou uma redenção para se aproximar de Leslie Thompson que, entre outros trabalhos de auxílio aos vulneráveis na cidade, distribui leite infantil para famílias pobres que necessitem e... voilá.


Conectando todos os pontos de forma magistral, o plano de James Jr. é criar uma nova geração de psicopatas. Em um paralelismo narrativo particularmente esperto, James reproduz um discurso muito próximo do professado pelo Handler, onde ambos, com algumas diferenças, afirmam acreditar que a crueldade humana é, de fato, um traço evolutivo, uma fagulha divina dentro de todos nós. Se esperança é um defeito, compaixão, de acordo com eles, também e o papel deles é incentivar a superação de tais traços em prol de uma sociedade mais preparada para os desafios que nos esperam.

Que bom que é só ficção, não?

Gotham usou o passado e o presente nas formas respectivamente do Handler e de Sonia Zucco contra o ex-Nightwing e ele saiu relativamente ileso de ambos. É hora da cidade amaldiçoada usar a última arma que sobrou contra o herói e colocar Richard Grayson para enfrentar o futuro. 

Ou melhor, "UM" futuro. 

O passado está escrito em pedra. O presente é uma construção. Mas o futuro é uma promessa.

Que vai depender de nossas ações para se tornar "algo", de fato. Richard é uma pessoa esperançosa, mas não se passa décadas operando ao lado do Morcego original sem aprender a olhar sob os ombros, e um localizador bem posicionado estrategicamente colocado em um encontro prévio com James permite que o herói possa arruinar seus planos.

Notem como, neste capítulo final, Jock e Francavilla, que vem alternando as edições que desenham, com o primeiro desenhando o núcleo focado no Batman enquanto o segundo foca no clã Gordon, passam a dividir a arte no capítulo final. E, numa decisão ainda mais brilhante, percebam quando rola a transição entre a arte de Francavilla e a de Jock, que passa a desenhar a história até a página final. Jock foi o artista no capítulo em que o Batman e o Handler se enfrentaram fisicamente.

Aqui, temos James perseguindo Barbara, com arte de Francavilla. Uma arte de sombras e cores quentes, que me remeteram um pouco aos tons e temperaturas típicas do Giallo, o horror italiano. Então, quando Barbara fere seu irmão, o artista muda e vemos Jock desenhando, num traço também estilizado, mas com tons mais frios. Nesse momento, Dick encontra o assassino e, tal qual fez com o Handler, reduz sua visão grandiloquente ao nível mais básico possível. Não mais um assassino maior que a vida, mas apenas um homem doente. Calor e frio. Ilusão e realidade. Opostos. Reflexos.

Ao final, é Gordon que tem sua redenção, em uma situação que recria o pico de tensão de Ano Um, mas com um final feliz. 


"Black Mirror" termina agridoce. O vilão foi derrotado, mas Gordon e Dick não sabem o quanto ele foi bem sucedido em seu plano de envenenar o leite distribuído para as crianças de Gotham, nem há quanto tempo ele viria executando seu plano.

Então, o futuro é uma incógnita. Ele foi detido antes de poder danificar mentes e almas de, talvez, uma gigantesca parte da próxima geração de Gothamitas ou James foi bem sucedido e o futuro Batman vai ter que lidar com um grupo de psicopatas criados à imagem e semelhança do serial killer?

Copo meio cheio ou meio vazio?

O primeiro quadro de Dick na hq é ele, distante, olhando para a imensa janela do seu quarto, no alto de um prédio e vendo, de volta, Gotham, seu reflexo no vidro e a imagem de 3 abutres pendurados no muro mais próximo.

Auspicioso, não?

Terminamos da mesma forma, Richard e Gordon olhando para a mesma janela, mas dessa vez, a "câmera" desce ao nível da rua e vemos uma mãe passeando com seu bebê e terminamos com o foco no rosto da criança, que nos olha direto de volta. 


O que tem ali naqueles olhos gigantes, aquelas duas "janelas da alma", dois pequenos espelhos? Esperança ou horror?

A resposta, insuficiente, eu sei, talvez seja a mesma que vemos nos olhos de qualquer criança quando nos olham de volta. Vemos o potencial mas também vemos o reflexo de um rosto que, um dia, já foi uma criança, também cheia de promessas de futuro. 

Como alguém que vive em uma cidade há décadas, ainda que SP esteja longe dos horrores Gothamitas (até porque os vilões de gibis tendem a ser mais inteligentes e carismáticos que os de verdade), não posso deixar de concordar que você acaba desenvolvendo uma casca conforme vai se adaptando ao que a vida urbana demanda de ti. 

Beleza e horror na mesma medida, dependendo de pra onde você olhar.

Talvez a resposta definitiva pra pergunta "o que você vai enxergar olhando nos olhos daquele bebê na ultima página de Black Mirror" seja algo mais simbólico, mais pra linha do "não sei. Mas vai dizer mais sobre você mesmo do que sobre ele". 

E isso pode acabar servindo como um excelente resumo dessa maravilhosa história. "Black Mirror" é, de fato, um espelho sombrio. E o que você enxergar te olhando de volta vai dizer mais sobre você do que, talvez, você gostaria. 

Batman - The Black Mirror.

Scott Snyder, Jock e Francesco Francavilla.

Talvez a melhor história do Batman dos últimos 20 anos.

Nota 10. 


É isso crianças. O primeiro grande post desse blog depois de muito tempo. Tava até o pescoço no canal, escrevendo roteiro e estudando pra coisas da vida adulta de homem de 44 anos que precisa pagar contas. 

Por isso, e problemas no notebook, acabei não conseguindo produzir tantos vídeos quanto gostaria. Mas esse é um roteiro que eu tenho na cabeça há anos e achei que o ensejo da data (halloween, dia do saci, dia dos mortos, o que vocês preferirem) fazia deste o momento ideal para falar de um item raro.

Histórias de horror são sempre sobre minar a autonomia do seu protagonista. Mesmo quando ele ainda tem armas, como o protagonista de "Predador" ou mesmo Ashley Williams, sua motosserra e seu "boom stick", a diferença de forças entre ele e o mal que está enfrentando é, notem a escolha de palavras, abissal. 

Mas como você faz para minar a autonomia do personagem mais autônomo, o mais "bem preparado" dos quadrinhos de super herói? Um homem que tem planos para derrotar deuses.

DEUSESSSSS. Plural. 

Black Mirror faz isso brilhantemente. Mas se acham que eu trapaceei, por escolher um Batman que não o filho de Thomas e Martha Wayne, então fiquem no aguardo porque quero falar de pelo menos mais duas histórias de terror com o morcego, e dessa vez, o homem embaixo da máscara é o artigo original. 

Quais histórias são essas, aí eu falo quando chegar a hora certa, okay?

Se gostaram desse texto, considerem me seguir em minhas outras redes pra mais brisas de toda sorte.

Tem minha página no Instagram. Meu já citado canal no Youtube. Tem minha newsletter de periodicidade à moda "quando deus quer". 

E meu perfil no twitter X céu azul.

Tinha meu perfil no Facebook, mas ele foi hackeado, então eu só deletei aquela birosca. Pessoal fala mal do twitter, mas eu ainda acho o Facebook pior. Mas enfim... Me sigam por lá. E fiquem à vontade pra mandar um oi. 

Fiquem bem.

Espero que tenham aproveitado o Halloween e enchido o bucho de doces de toda sorte

E sido travessos. Porque apesar de chocolate e demais guloseimas serem algo sempre bem vindo, halloween também é sobre a capirotagem e o mundo anda precisando de menos "retidão moral falsa", menos gente vomitando pureza e superioridade advinda de certezas morais, e mais devassidão. Se você discorda...bom... talvez isso fale mais negativamente sobre você do que sobre esse texto, não?

Algo a se pensar. 

Bye, crianças.

#TooSweet

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

terça-feira, 23 de abril de 2024

Ceis sabem que eu tenho um canal no youtube, certo?

Se não souberem, compreensível já que eu sou PÉSSIMO pra fazer auto-promoção.


Enfim...





 

Trilogy



Faz tanto tempo desde a última vez que vi esse clássico concerto do grupo de Robert Smith. Mas eu diria que estamos no clima e na "fase" correta pra esse exercício de mais de 3 horas de imersão na mais pura melancolia (principalmente porque anteontem foi aniversário do vocalista do grupo, que completou 65 aninhos) . 
Os 3 discos mais celebrados do Cure, Pornography, Desintegration e Bloodflowers, tocados na íntegra e na sequência, em Berlim. 
Vi pela primeira vez em uma cópia pirata comprada lá na galeria do rock, lá pelos idos de 2005. Quase 20 anos depois, hora de revisitar essa épica apresentação.


terça-feira, 12 de março de 2024

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Punisher meets Archie


Em retrospecto, este não é nem o crossover mais estranho no qual Archie Andrews esteve envolvido.
Me lembrem de, algum dia, comentar sobre quando ele e o grupo de Riverdale High trombou com nomes com o the B-52s ou os Ramones.
Ou, se quiserem ouvir algumas histórias escabrosas, quando o ruivo foi caçado por um Predador. Yep, aquele do filme do Schwarzenegger.

Enfim...

Esse inusitado crossover surgiu a partir de uma piada, mas acabou ganhando vida e boy...
Tem tanto pra ser dito aqui.
Com roteiros de Baton Lash, a arte desse gibi já é algo impressionante, sendo desenhada por Stan Goldberg (veterano dos gibis do Archie) e por John Buscema (dispensa apresentações). As páginas focadas em Frank são de arte de Buscema e as mostrando a gangue do Archie, de Goldberg. Na trama, um traficante conhecido como "a febre vermelha" se vê sendo caçado pelo Justiceiro.  Tentando ficar na miúda enquanto, ao mesmo tempo, planeja expandir seus negócios na área "química", ele termina decidindo ir pra uma cidadezinha pacata no interior chamada, vocês já devem ter adivinhado, Riverdale. Ah, e ele é quase idêntico ao Archie.

A partir daqui, o gibi brilha com o contraste entre o mundo "zacksnyderiano" de Castle, seus tons sombrios, armas do tamanho de um carro popular e estoque infinito de munição e as cores e clima estilo 1950 do Archie.
Imaginem algo tipo "Turma da Mônica vs Justiceiro" e vcs vão ter uma idéia aproximada da bizarrice.
O gibi é divertido, tem sacadas ótimas (sabrina casualmente comentando sobre seu encontro com bestas lovecraftianas e alguém, quando o bicho pega, comentando "por que o pessoal fazendo catering está armado?", Archie tentando soar sinistro e mandando um "it's clobbering time", etc) e os estilos de arte se misturam de um jeito maravilhoso.
Uma idéia bizarra que é um milagre que tenha existido e, mais estranho ainda, funcionado tão bem, mas que acabou resultando em um dos melhores e mais divertidos crossovers que eu já li.

9 estrelas de 10

Batman: The doom that came to Gotham


 

A história é uma elsenworld, ou seja, uma história passada fora da cronologia normal da DC, com textos de Mike Mignola e Richard Pace e arte de Troy Nixey.

Na trama, depois de 20 anos longe de Gotham, Bruce Wayne parte de uma expedição na Antártida onde encontrou "algo" e volta para sua cidade. Não para a Gotham de 2023, mas para a de 1928.
Mignola e Pace brilhantemente mesclam os temas típicos de um conto de lovecraft com os tropes de um gibi de superherói e o resultado é uma mistura bem orgânica.

Queria comentar também a forma em que a obra não ignora os problemas das obras de Lovecraft. Todo mundo sabe hoje em dia que seus contos eram fortemente carregados de racismo e xenofobia. O eterno risco do "diferente", a ameaça do "alienígena", do desconhecido, do "estrangeiro". Mignola e Pace atualizam estes temas (não é pra menos que um dos vilões é Ra's Al Ghul), mas mostrando como o grande risco vem de fato de um bando de homem branco e rico. Esta hq é na real sobre as mentiras que tomamos como verdades, o risco de mitos fundacionais e como nada pode crescer de forma realmente saudável quando as bases dessa casa são construídas sobre uma estrutura podre.

Histórias lovecraftianas geralmente giram em torno de 2 tipos de personagens: homens sedentos de poder dispostos a reinar sobre os escombros do que os Older Gods deixarem (rico adora comer resto e fingir que é banquete, né?) e pessoas inocentes que estão no lugar errado e na hora errada. Final feliz para estes é, geralmente, apenas morrerem (creiam-me: existem destinos piores). É realmente fascinante, portanto, ver uma história em que o protagonista pode finalmente adotar uma postura ativa contra o inimigo desconhecido.

A arte ao mesmo tempo emula a de Mignola enquanto tenta também capturar o clima de gibis de terror clássico e é muito bem sucedida nesse aspecto, me lembrando o traço de artistas como Kelley Jones.

"The Doom that came to gotham" é, ao mesmo tempo, uma homenagem, um crossover e uma atualização de tudo que faz histórias lovecraftianas e gibis de super heróis funcionarem tão bem a ponto de perdurarem por décadas.

terça-feira, 29 de agosto de 2023

A trilogia do Maestro - O último monstro em pé...



A trilogia do Maestro, de autoria de Peter David e com Javier Pina, Pasqual Febry, Wilton Santos, Sebastian Cabrol, Oren Junior e German Peralta na arte, retoma a distópica versão do personagem que o próprio David criou, 30 anos atrás, na clássica Futuro Imperfeito. As 3 séries (Symphony in a Gamma Key, PAX e World War M) funcionam como um prequel, mostrando a jornada que levou o Hulk a se tornar o Maestro. Dizer que minhas expectativas estavam altas a respeito desse gibi seria um eufemismo monstruoso. Peter David revolucionou o incrível Hulk durante os 12 anos que passou no título, reinventando e agregando novos elementos à mitologia do gigante verde (e cinza).
Exatamente por sua experiência prévia com o personagem, vemos que ele resgata personagens e momentos e mesmo temas sobre os quais ele já tinha se debruçado previamente.
Depois de se libertar de uma prisão onde foi mantido por décadas, o Hulk descobre que o mundo foi destruído. E os responsáveis?

Nós.

"A humanidade é uma espécie suicida" como alguém disse certo dia.

A frustração e a raiva decorrente dessa tragédia são dois dos gatilhos que vão levar o dr. Banner pela sombria jornada adentro até adotarem a persona do líder despótico que protagoniza o gibi.
Dois temas percorrem toda a série. Em ambos, temos elementos de tragédia (e uso o termo aqui pensando na interpretação clássica dele, ou seja: "a saga de um homem lutando, quase sempre em vão, contra o próprio destino").
O Hulk sempre se destacou em meio ao panteão de personagens da Marvel por, tal qual ocorre com o Quarteto Fantástico ou os X-Men, ele NÃO ser um super herói. Heróis salvam gatinhos de árvore, resgatam pessoas de tragédias. Heróis salvam o mundo.
O Hulk, não.
Qualquer bem que ele tenha trazido a humanidade enquanto espancava monstros, era fruto do fato dele encontrar criaturas piores que ele próprio. No final, o personagem não queria salvar o mundo de nada, apenas... ficar só. 
Peter David injetaria tons de drama psicológico no personagem, transformando o gigante verde na personificação dos traumas de um garotinho vitimizado pelo pior monstro que ele iria encontrar: seu pai. Brian Banner diversas vezes espancou o jovem Bruce, motivado pela inveja já que o garoto tinha em si a genialidade e mente super intelectual que ele sempre almejou, sem sucesso. 
Chega a ser irônico que desde pequeno, Bruce já era um gigante que forçava os demais a olharem para cima e a serem confrontados com a própria insignificância. O incidente com a bomba gama que lhe daria super poderes apenas tornaria esse elemento em algo literal. 
A tragédia aqui se manifesta quando percebemos que a longa jornada do personagem motivada pelo seu desejo de se distanciar o máximo possível de tudo que lhe fizesse parecido com o seu pai apenas o levou em direção inevitável a tal destino. Rick Jones menciona brilhantemente o quanto Bruce finalmente se tornou Brian. Um monstro, de fato. 
A segunda tragédia se conecta também com o já mencionado fato do Hulk não ser um herói. Quando observamos quem são os antagonistas do Hulk durante essas 3 histórias, todos são homens que acham que, em condições insanamente adversas, eles estão fazendo o melhor que podem para manter o mundo no lugar. Hércules, Von Doom, o Panteão, Namor. 
E claro, o próprio Hulk. 
Todos ali se enxergam como os heróis de suas próprias narrativas. 
"A ultima barreira entre a humanidade e o caos". 
É fascinante como, no arco final da trilogia, o personagem de Emil Blonsky, o Abominável, quebra esse ciclo, ao apontar como a fronteira entre heróis e vilões é subjetiva. O herói pra um grupo é o traidor para outro. O salvador aos olhos de um grupo é o déspota para outro. Quem determina o qual?
Emil matou Betty, a esposa de Bruce, como uma resposta ao fato do Hulk ser o responsável por ele ter se transformado na criatura monstruosa que se tornou. Mas ao mesmo tempo, ele era um espião russo enviado para sabotar o projeto da bomba gama. 
Quem é o vilão da história e da História? 
A trilogia é um retorno interessantíssimo ao universo distópico de Futuro Imperfeito e uma discussão interessante sob os efeitos corruptores do poder. 
Ao final, David e a equipe de arte nos lembram que a tragédia e o horror que são inerentes ao personagem do Hulk vem do fato de que sua jornada, desde a adolescência, passando pela explosão da bomba Gama que lhe tornou uma das criaturas mais poderosas da terra 616 e todas as suas aventuras a partir daí, não eram de fato uma jornada que o distanciou de seus piores medos e do inferno de onde queria fugir, mas um labirinto circular. E pior, uma casa de espelhos como as de um parque de diversões. E existe pior horror que, ao olhar em um espelho, ver o monstro que mais tememos e que é tudo aquilo que mais odiamos no rosto que nos olha de volta?

domingo, 20 de agosto de 2023

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Where Black Stars Rise - Em rumo à Carcosa


"Where Black Stars Rise", de Nadia Shammas e Marie Enger, é ao mesmo tempo cósmico e intimista. Amal é uma terapeuta em começo de carreira, lidando com uma paciente, Yazmin, que sofre de esquizofrenia. Tudo muda quando a jovem desaparece e Amal é a única capaz de encontrá-la, mesmo que isso a leve em rota de colisão com o lendário Rei Amarelo em uma jornada talvez sem volta para o onírico reino de Carcosa. 

Que obra incrível. A arte ultra-expressionista, o elemento metalinguístico (que é, em si, uma referência direta ao conto que inspirou essa HQ) e, claro, a fusão entre o terror cósmico, um horror grandiloquente, que (literalmente) nos cerca e o pessoal, insignificante, que nos atinge um por um, individualmente. O espaço sideral é um lugar tão misterioso e assustador quanto o interior de nossas mentes. Em ambos os casos, há o risco do desconhecido olhando de volta, constantemente nos lembrando de nossa insignificância e do quanto qualquer ilusão de controle que temos é apenas isso: uma ilusão. E, nos dois cenários, ninguém vai te ouvir gritar... 

Mas, pra terminar em uma nota positiva e mais "solar": há também o consolo de que uma prisão só é uma prisão de você não quiser estar lá. Porque, em caso contrário, ela pode ser um sonho realizado. Um final feliz. Ou, na melhor das hipóteses, um lar. 

Minha nota: 8,5

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Hak assiste TV: The Tick (1994) - eps 01 a 03


THE TICK: S01 - Eps 01 a 03

Hey, ímpios

Hak the bear in here.

Seção nova aqui no blog.

Hak the bear assiste TV. Bem auto explicativa, se vcs me perguntarem

Dessa vez, vamos falar de uma animação que sempre esteve na minha lista de coisas para ver, perpetuamente guardadinha em sua completude em algum canto escuro do meu hd externo onde eu guardo Terabytes da mais pura pirataria: THE TICK. 

Eu, como quase todo mundo com mais de 30 anos de idade, lembro da série animada que passava na TV Colosso nos anos 90. Sei que houveram duas tentativas de criar séries live actions baseadas nesse personagem, com níveis relativos de "sucesso". 

E um jogo pra Super Nintendo. 

Oh, e claro, que tudo isso é baseado na encarnação original do personagem, por sua vez, uma revista de histórias em quadrinhos lançada no final dos anos 80 por uma editora independente. E só. 

Não sabendo exatamente por onde começar, decidi voltar pra clássica animação de 94. 

E "por que ir atrás desse universo?", vc me pergunta.

Bom, vocês não acham fascinante a idéia de ir ver um personagem que satirizava heróis de quadrinhos em um universo pré MCU, pré filmes de superheróis (se pegarmos as hqs, pré inclusive o filme do Batman do Tim Burton)?

Pretendo ver as séries live action também, então deve ser fascinante ver quais eram os tropes de super heróis ridicularizados na época e como eles se diferenciam dos atuais, em um mundo já dominado por filmes de franquias superheróicas no cinema e tv e onde qualquer zé conhece termos como "multiverso" e "cubo cósmico". Ya know, o tipo de coisa que causava horas sem fim de zoação pública pros nerds nos anos 90, quando os meninos mais supostamente "cool" descobriam que você curtia quadrinhos.

E isso soou um pouco mais específico do que eu gostaria enquanto cunhava tais linhas. Enfim, the Tick.

Assisti os 3 primeiros episódios da série animada, além de ter lido também os 3 primeiros números do gibi do personagem e achei umas paradas legais sobre as quais gostaria de falar um pouco.

Primeiramente: definitivamente não é um gibi pra crianças.

Não pq haja nudez (até porque não há) ou por ser gore (até porque não é). Mas porque os temas são extremamente adultos e aqui preciso me prolongar um tiquinho: normalmente, a percepção pública de "temas adultos" é uma história cheia de gore, sexo e niilista. De fato, The Tick vem na mesma toada de quadrinhos com a proposta de desconstruir de forma pós-moderna o gênero dos super-heróis, se colocando lado a lado de clássicos como "Watchmen", "O cavaleiro das trevas", "A queda de Murdock" e os X-men do Chris Claremont, entre outros. 

Só que faz isso direito, ao contrário de um monte de wannabe do Alan Moore. Histórias adultas, de fato, não são histórias "rated r", cheias de corpos explodindo e peitos balançando. Na verdade, isso parece mais a visão que um adolescente tem da vida adulta. 

A "adultidade" de The Tick não vem de cenas extremas, dignas de um filme do Zack Snyder, mas por tratar de temas que, de fato, não vão ser familiares para um teen. Sim, o gibi e o desenho são engraçados e com certeza funcionam com grupos diferentes, de idades diferentes. Mas tem uma dor ali, uma mistura de apatia com desespero existencial que é muito o tipo de coisa que você só vai absorver de fato depois algumas, e me perdoem o clichê, "porradas da vida".

Não é uma coincidência que todo mundo ali está na casa dos seus 20 e muitos/30 e tantos anos. Se você me disser que Arthur, o sidekick do Tick, está mais próximo dos 40 do que dos 30, eu vou totalmente acreditar. 

Alguns exemplos: no episódio dois, temos nosso primeiro contato com Der Fleidermaus ("o morcego", em alemão) que aparece em um momento de planejamento entre o Tick, Arthur, e a American Maid (uma heroína tipo mulher maravilha mas que se veste de empregada com as cores da bandeira americana). Nesse momento rola certa tensão entre o Fleidermaus e a Maid que  remete a um passado em comum entre os dois e traumas de um relacionamento romântico que não funcionou. 

Por sua vez, Arthur, o, de fato, protagonista do primeiro episódio, é o típico millenial. Em um trabalho maçante (contador. E isso vindo de mim, que fui um bibliotecário por anos, quer dizer algo), ele é demitido não por incompetência, mas por se destacar, já que insiste em ir ao trabalho usando seus trajes "super heróicos". 

Observem como todos os demais funcionários ali são idênticos quase, com as mesmas roupas e expressões cansadas. Diabos, o desenho não é sutil a esse respeito.



Arthur desiste do trabalho normal porque, afinal, a vida deveria ser mais que isso. 

Novamente, isso é um desenho de 94, baseado em uma hq de 89. Estamos falando de uma América já sem concorrência no resto do mundo, já pós guerra fria e ainda pré 11 de Setembro. Uma América do pós Reagan, pós Bush Senior e do primeiro governo Clinton. Da "Pax Americana", onde ela se vendia como a ÚNICA super potência do planeta. Supostamente, um período de pujança. E no entanto, esse é o período também de obras como essa, ou "Silêncio dos inocentes". Mais tardiamente, de "American beauty".

Um período em que não havia mais "O" inimigo externo, mas onde você podia sentir, coletivamente, que algo estava....fora do lugar. Do nosso quintalzinho de fãs de gibis, é onde vai rolar a bolha especulativa que vai quase demolir o mercado de hqs e levar centenas de comic shops à falência.

Numa escala mais macro, é onde, por exemplo, o Japão vai levar uma das maiores pancadas de sua milenar história, quando outra bolha, a imobiliária, explode por lá (falo mais sobre isso aqui) o que, além de derrubar o país financeiramente, vai começar a botar em foco as falhas no capitalismo naquele país que, por sua vez, também vão acabar virando temas de "N" histórias sobre como é viver em uma sociedade em lenta extinção. 

Claro que, além disso, temos o protagonista do desenho. O Tick é um raio de luz, perpetuamente com um sorriso no rosto, mesmo nos momentos mais tensos. Sempre disposto a se jogar (literalmente, inclusive) em direção ao perigo. 

E claro, o Tick é completamente louco. Literalmente. Eles cortam isso no desenho (pelo menos até onde eu vi) mas os quadrinhos abrem com o personagem de camisa de força em um sanatório. Segundo o próprio, depois de uma fracassada empreitada onde tentou se declarar o "tirânico líder da Islândia", ele teria achado sua vocação de fato ao abraçar o uniforme azul e se renomear como "O Carrapato". 

Se isso parece ridículo, é porque de fato é, o que aliás, é apontado para ele de forma bem direta tanto no gibi quanto no desenho. 



O contraponto aqui, no entanto, é que ele pode ser louco, mas é um louco insanamente poderoso. Ele tem força acima do normal, invulnerabilidade (bom, "quase", como ele mesmo aponta) e além de tudo, um queixo quadrado de fazer inveja ao Capitão América quando desenhado por Ron Garney. E, claro, sua já mencionada atitude sempre altiva. 

O Tick não é particularmente brilhante mas esse é um universo de força bruta e portanto, ele consegue se virar bem o suficiente. 

De certa forma, ele me parece o resultado de alguém se perguntando "e se o Chapolin fosse norte-americano?"

De fato, tal qual ocorre com o Polegar Vermelho, é a profunda crença (injustificada, ocasionalmente) do personagem a respeito do próprio valor que acaba te fazendo se apegar a ele. 

Isso e, claro, o fato de todos sermos, em maior ou menor proporção, como ele. Um bando de pessoas com seus devidos "poderes", tentando fazer a diferença em um universo que nos quer passivos e dóceis em nossa homogeneidade. "Prego que se destaca" e tals...

Nem os vilões escapam disso: quando os antagonistas são derrotados em seu plano de extorquir dinheiro da prefeitura local em troca de não demolir a represa da cidade, o Tick indaga um deles sobre suas motivações, provavelmente esperando um longo discurso com tons megalomaníacos e com ganas de dominação mundial.

E no entanto....





Simples assim. Porque, como nos lembra o intelectual marxista-leninista Thomas Matthew DeLonge Jr. em sua seminal obra "все маленькие вещи": 

Novamente, não quero falar muito da HQ porque ela vai ganhar texto aqui logo logo, mas um dos primeiros arcos do título envolve um mestre ninja absolutamente PUTO depois que seu sucessor popularizou a idéia do ninjútsu no imaginário coletivo do mundo. O problema é que, com isso, qualquer imbecil decidiu inventar de se tornar um ninja o que pasteurizou significamente o poder desses assassinos e o impacto que eles tem nesse mesmo imaginário. 

A cena do ancião, frustrado em meio a ninjas em videogames, lancheiras e caixas de cereais bate fundo. Quando você comidifca algo e despe esse algo de qualquer senso de urgência e perigo que esse conceito inicialmente tinha. Se a gente for listar aqui, do punk ao hip hop, podemos ficar horas falando de movimentos culturais anti-establishment que foram abraçados pelo mercado e viraram bens de consumo reprodutíveis. O logo dos sex pistols que, hoje em dia, tem o mesmo efeito transformador social do da coca-cola. 

E o tom desse texto pode ser sério, mas creiam-me, tudo isso é feito com um senso de humor muito legal. Eu me peguei rindo diversas vezes, seja pela identificação com o quanto a comunidade super heróica do mundo de the tick é formada por um bando de fudi** que nem eu ou vc (sem ofensa), seja pelo quão desconectado de qualquer coisa remotamente próxima da realidade o protagonista da série é.

I mean, o desenho tem um personagem que é o Human Bullet e o "poder" do sujeito é ser disparado por um canhão gigante, do quintal da casa dele, em direção ao "perigo". Detalhe: ele não tem poder de vôo ou qualquer controle sobre onde e como vai atingir esse tal perigo. Ele só.... vai...


Ou o Sewer Urchin, um "homem-ouriço do mar" que opera nos esgotos de Nova York e em virtude disso, acaba sendo ostracizado por demais heróis por causa do seu "perfume" peculiar. 

O plano de Chairface Chippendale, no ep. 02, é uma variação em macro escala de escrever o nome em uma parede pública, tá ligado? Tipo quando tu assina teu nomezinho no cimento molhado? Só que em escala cósmica. 

Ao mesmo tempo em que estão enfrentando masterminds psicóticos, esses heróis tem que preocupar em pagar as contas ou, no caso do ep. 03, em como Arthur vai contar pra irmã que ele abraçou o trampo de "justiceiro urbano" em tempo integral.

Diabos, eu não sei absolutamente NADA sobre Big Shot, um dos heróis locais, mas apenas ver essa versão ainda mais bizarra do Punisher atirando em coisas de forma completamente indiscriminada enquanto sorri E chora ao mesmo tempo já me fez rir e ao mesmo tempo, o tornou meu personagem favorito.

Animado em mergulhar no universo de The Tick em suas diferentes versões e veículos. Falo mais conforme for avançando da série e na HQ. 

Mas de resto, seja você um adulto ferrado, um millenial ferrado ou mesmo um teen que começou a se tocar do vespeiro que se enfiou (ou em que foi enfiado, sejamos justos) conforme vai se aproximando da vida adulta, meu conselho sobre a série: a animação envelheceu até que bem, o roteiro continua afiado, os personagens são cativantes e a dublagem é hilária. Façam como o protagonista do gibi e do desenho, ímpios: só se joguem. :-)