terça-feira, 12 de março de 2024

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Punisher meets Archie


Em retrospecto, este não é nem o crossover mais estranho no qual Archie Andrews esteve envolvido.
Me lembrem de, algum dia, comentar sobre quando ele e o grupo de Riverdale High trombou com nomes com o the B-52s ou os Ramones.
Ou, se quiserem ouvir algumas histórias escabrosas, quando o ruivo foi caçado por um Predador. Yep, aquele do filme do Schwarzenegger.

Enfim...

Esse inusitado crossover surgiu a partir de uma piada, mas acabou ganhando vida e boy...
Tem tanto pra ser dito aqui.
Com roteiros de Baton Lash, a arte desse gibi já é algo impressionante, sendo desenhada por Stan Goldberg (veterano dos gibis do Archie) e por John Buscema (dispensa apresentações). As páginas focadas em Frank são de arte de Buscema e as mostrando a gangue do Archie, de Goldberg. Na trama, um traficante conhecido como "a febre vermelha" se vê sendo caçado pelo Justiceiro.  Tentando ficar na miúda enquanto, ao mesmo tempo, planeja expandir seus negócios na área "química", ele termina decidindo ir pra uma cidadezinha pacata no interior chamada, vocês já devem ter adivinhado, Riverdale. Ah, e ele é quase idêntico ao Archie.

A partir daqui, o gibi brilha com o contraste entre o mundo "zacksnyderiano" de Castle, seus tons sombrios, armas do tamanho de um carro popular e estoque infinito de munição e as cores e clima estilo 1950 do Archie.
Imaginem algo tipo "Turma da Mônica vs Justiceiro" e vcs vão ter uma idéia aproximada da bizarrice.
O gibi é divertido, tem sacadas ótimas (sabrina casualmente comentando sobre seu encontro com bestas lovecraftianas e alguém, quando o bicho pega, comentando "por que o pessoal fazendo catering está armado?", Archie tentando soar sinistro e mandando um "it's clobbering time", etc) e os estilos de arte se misturam de um jeito maravilhoso.
Uma idéia bizarra que é um milagre que tenha existido e, mais estranho ainda, funcionado tão bem, mas que acabou resultando em um dos melhores e mais divertidos crossovers que eu já li.

9 estrelas de 10

Batman: The doom that came to Gotham


 

A história é uma elsenworld, ou seja, uma história passada fora da cronologia normal da DC, com textos de Mike Mignola e Richard Pace e arte de Troy Nixey.

Na trama, depois de 20 anos longe de Gotham, Bruce Wayne parte de uma expedição na Antártida onde encontrou "algo" e volta para sua cidade. Não para a Gotham de 2023, mas para a de 1928.
Mignola e Pace brilhantemente mesclam os temas típicos de um conto de lovecraft com os tropes de um gibi de superherói e o resultado é uma mistura bem orgânica.

Queria comentar também a forma em que a obra não ignora os problemas das obras de Lovecraft. Todo mundo sabe hoje em dia que seus contos eram fortemente carregados de racismo e xenofobia. O eterno risco do "diferente", a ameaça do "alienígena", do desconhecido, do "estrangeiro". Mignola e Pace atualizam estes temas (não é pra menos que um dos vilões é Ra's Al Ghul), mas mostrando como o grande risco vem de fato de um bando de homem branco e rico. Esta hq é na real sobre as mentiras que tomamos como verdades, o risco de mitos fundacionais e como nada pode crescer de forma realmente saudável quando as bases dessa casa são construídas sobre uma estrutura podre.

Histórias lovecraftianas geralmente giram em torno de 2 tipos de personagens: homens sedentos de poder dispostos a reinar sobre os escombros do que os Older Gods deixarem (rico adora comer resto e fingir que é banquete, né?) e pessoas inocentes que estão no lugar errado e na hora errada. Final feliz para estes é, geralmente, apenas morrerem (creiam-me: existem destinos piores). É realmente fascinante, portanto, ver uma história em que o protagonista pode finalmente adotar uma postura ativa contra o inimigo desconhecido.

A arte ao mesmo tempo emula a de Mignola enquanto tenta também capturar o clima de gibis de terror clássico e é muito bem sucedida nesse aspecto, me lembrando o traço de artistas como Kelley Jones.

"The Doom that came to gotham" é, ao mesmo tempo, uma homenagem, um crossover e uma atualização de tudo que faz histórias lovecraftianas e gibis de super heróis funcionarem tão bem a ponto de perdurarem por décadas.

terça-feira, 29 de agosto de 2023

A trilogia do Maestro - O último monstro em pé...



A trilogia do Maestro, de autoria de Peter David e com Javier Pina, Pasqual Febry, Wilton Santos, Sebastian Cabrol, Oren Junior e German Peralta na arte, retoma a distópica versão do personagem que o próprio David criou, 30 anos atrás, na clássica Futuro Imperfeito. As 3 séries (Symphony in a Gamma Key, PAX e World War M) funcionam como um prequel, mostrando a jornada que levou o Hulk a se tornar o Maestro. Dizer que minhas expectativas estavam altas a respeito desse gibi seria um eufemismo monstruoso. Peter David revolucionou o incrível Hulk durante os 12 anos que passou no título, reinventando e agregando novos elementos à mitologia do gigante verde (e cinza).
Exatamente por sua experiência prévia com o personagem, vemos que ele resgata personagens e momentos e mesmo temas sobre os quais ele já tinha se debruçado previamente.
Depois de se libertar de uma prisão onde foi mantido por décadas, o Hulk descobre que o mundo foi destruído. E os responsáveis?

Nós.

"A humanidade é uma espécie suicida" como alguém disse certo dia.

A frustração e a raiva decorrente dessa tragédia são dois dos gatilhos que vão levar o dr. Banner pela sombria jornada adentro até adotarem a persona do líder despótico que protagoniza o gibi.
Dois temas percorrem toda a série. Em ambos, temos elementos de tragédia (e uso o termo aqui pensando na interpretação clássica dele, ou seja: "a saga de um homem lutando, quase sempre em vão, contra o próprio destino").
O Hulk sempre se destacou em meio ao panteão de personagens da Marvel por, tal qual ocorre com o Quarteto Fantástico ou os X-Men, ele NÃO ser um super herói. Heróis salvam gatinhos de árvore, resgatam pessoas de tragédias. Heróis salvam o mundo.
O Hulk, não.
Qualquer bem que ele tenha trazido a humanidade enquanto espancava monstros, era fruto do fato dele encontrar criaturas piores que ele próprio. No final, o personagem não queria salvar o mundo de nada, apenas... ficar só. 
Peter David injetaria tons de drama psicológico no personagem, transformando o gigante verde na personificação dos traumas de um garotinho vitimizado pelo pior monstro que ele iria encontrar: seu pai. Brian Banner diversas vezes espancou o jovem Bruce, motivado pela inveja já que o garoto tinha em si a genialidade e mente super intelectual que ele sempre almejou, sem sucesso. 
Chega a ser irônico que desde pequeno, Bruce já era um gigante que forçava os demais a olharem para cima e a serem confrontados com a própria insignificância. O incidente com a bomba gama que lhe daria super poderes apenas tornaria esse elemento em algo literal. 
A tragédia aqui se manifesta quando percebemos que a longa jornada do personagem motivada pelo seu desejo de se distanciar o máximo possível de tudo que lhe fizesse parecido com o seu pai apenas o levou em direção inevitável a tal destino. Rick Jones menciona brilhantemente o quanto Bruce finalmente se tornou Brian. Um monstro, de fato. 
A segunda tragédia se conecta também com o já mencionado fato do Hulk não ser um herói. Quando observamos quem são os antagonistas do Hulk durante essas 3 histórias, todos são homens que acham que, em condições insanamente adversas, eles estão fazendo o melhor que podem para manter o mundo no lugar. Hércules, Von Doom, o Panteão, Namor. 
E claro, o próprio Hulk. 
Todos ali se enxergam como os heróis de suas próprias narrativas. 
"A ultima barreira entre a humanidade e o caos". 
É fascinante como, no arco final da trilogia, o personagem de Emil Blonsky, o Abominável, quebra esse ciclo, ao apontar como a fronteira entre heróis e vilões é subjetiva. O herói pra um grupo é o traidor para outro. O salvador aos olhos de um grupo é o déspota para outro. Quem determina o qual?
Emil matou Betty, a esposa de Bruce, como uma resposta ao fato do Hulk ser o responsável por ele ter se transformado na criatura monstruosa que se tornou. Mas ao mesmo tempo, ele era um espião russo enviado para sabotar o projeto da bomba gama. 
Quem é o vilão da história e da História? 
A trilogia é um retorno interessantíssimo ao universo distópico de Futuro Imperfeito e uma discussão interessante sob os efeitos corruptores do poder. 
Ao final, David e a equipe de arte nos lembram que a tragédia e o horror que são inerentes ao personagem do Hulk vem do fato de que sua jornada, desde a adolescência, passando pela explosão da bomba Gama que lhe tornou uma das criaturas mais poderosas da terra 616 e todas as suas aventuras a partir daí, não eram de fato uma jornada que o distanciou de seus piores medos e do inferno de onde queria fugir, mas um labirinto circular. E pior, uma casa de espelhos como as de um parque de diversões. E existe pior horror que, ao olhar em um espelho, ver o monstro que mais tememos e que é tudo aquilo que mais odiamos no rosto que nos olha de volta?

domingo, 20 de agosto de 2023

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Where Black Stars Rise - Em rumo à Carcosa


"Where Black Stars Rise", de Nadia Shammas e Marie Enger, é ao mesmo tempo cósmico e intimista. Amal é uma terapeuta em começo de carreira, lidando com uma paciente, Yazmin, que sofre de esquizofrenia. Tudo muda quando a jovem desaparece e Amal é a única capaz de encontrá-la, mesmo que isso a leve em rota de colisão com o lendário Rei Amarelo em uma jornada talvez sem volta para o onírico reino de Carcosa. 

Que obra incrível. A arte ultra-expressionista, o elemento metalinguístico (que é, em si, uma referência direta ao conto que inspirou essa HQ) e, claro, a fusão entre o terror cósmico, um horror grandiloquente, que (literalmente) nos cerca e o pessoal, insignificante, que nos atinge um por um, individualmente. O espaço sideral é um lugar tão misterioso e assustador quanto o interior de nossas mentes. Em ambos os casos, há o risco do desconhecido olhando de volta, constantemente nos lembrando de nossa insignificância e do quanto qualquer ilusão de controle que temos é apenas isso: uma ilusão. E, nos dois cenários, ninguém vai te ouvir gritar... 

Mas, pra terminar em uma nota positiva e mais "solar": há também o consolo de que uma prisão só é uma prisão de você não quiser estar lá. Porque, em caso contrário, ela pode ser um sonho realizado. Um final feliz. Ou, na melhor das hipóteses, um lar. 

Minha nota: 8,5

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Hak assiste TV: The Tick (1994) - eps 01 a 03


THE TICK: S01 - Eps 01 a 03

Hey, ímpios

Hak the bear in here.

Seção nova aqui no blog.

Hak the bear assiste TV. Bem auto explicativa, se vcs me perguntarem

Dessa vez, vamos falar de uma animação que sempre esteve na minha lista de coisas para ver, perpetuamente guardadinha em sua completude em algum canto escuro do meu hd externo onde eu guardo Terabytes da mais pura pirataria: THE TICK. 

Eu, como quase todo mundo com mais de 30 anos de idade, lembro da série animada que passava na TV Colosso nos anos 90. Sei que houveram duas tentativas de criar séries live actions baseadas nesse personagem, com níveis relativos de "sucesso". 

E um jogo pra Super Nintendo. 

Oh, e claro, que tudo isso é baseado na encarnação original do personagem, por sua vez, uma revista de histórias em quadrinhos lançada no final dos anos 80 por uma editora independente. E só. 

Não sabendo exatamente por onde começar, decidi voltar pra clássica animação de 94. 

E "por que ir atrás desse universo?", vc me pergunta.

Bom, vocês não acham fascinante a idéia de ir ver um personagem que satirizava heróis de quadrinhos em um universo pré MCU, pré filmes de superheróis (se pegarmos as hqs, pré inclusive o filme do Batman do Tim Burton)?

Pretendo ver as séries live action também, então deve ser fascinante ver quais eram os tropes de super heróis ridicularizados na época e como eles se diferenciam dos atuais, em um mundo já dominado por filmes de franquias superheróicas no cinema e tv e onde qualquer zé conhece termos como "multiverso" e "cubo cósmico". Ya know, o tipo de coisa que causava horas sem fim de zoação pública pros nerds nos anos 90, quando os meninos mais supostamente "cool" descobriam que você curtia quadrinhos.

E isso soou um pouco mais específico do que eu gostaria enquanto cunhava tais linhas. Enfim, the Tick.

Assisti os 3 primeiros episódios da série animada, além de ter lido também os 3 primeiros números do gibi do personagem e achei umas paradas legais sobre as quais gostaria de falar um pouco.

Primeiramente: definitivamente não é um gibi pra crianças.

Não pq haja nudez (até porque não há) ou por ser gore (até porque não é). Mas porque os temas são extremamente adultos e aqui preciso me prolongar um tiquinho: normalmente, a percepção pública de "temas adultos" é uma história cheia de gore, sexo e niilista. De fato, The Tick vem na mesma toada de quadrinhos com a proposta de desconstruir de forma pós-moderna o gênero dos super-heróis, se colocando lado a lado de clássicos como "Watchmen", "O cavaleiro das trevas", "A queda de Murdock" e os X-men do Chris Claremont, entre outros. 

Só que faz isso direito, ao contrário de um monte de wannabe do Alan Moore. Histórias adultas, de fato, não são histórias "rated r", cheias de corpos explodindo e peitos balançando. Na verdade, isso parece mais a visão que um adolescente tem da vida adulta. 

A "adultidade" de The Tick não vem de cenas extremas, dignas de um filme do Zack Snyder, mas por tratar de temas que, de fato, não vão ser familiares para um teen. Sim, o gibi e o desenho são engraçados e com certeza funcionam com grupos diferentes, de idades diferentes. Mas tem uma dor ali, uma mistura de apatia com desespero existencial que é muito o tipo de coisa que você só vai absorver de fato depois algumas, e me perdoem o clichê, "porradas da vida".

Não é uma coincidência que todo mundo ali está na casa dos seus 20 e muitos/30 e tantos anos. Se você me disser que Arthur, o sidekick do Tick, está mais próximo dos 40 do que dos 30, eu vou totalmente acreditar. 

Alguns exemplos: no episódio dois, temos nosso primeiro contato com Der Fleidermaus ("o morcego", em alemão) que aparece em um momento de planejamento entre o Tick, Arthur, e a American Maid (uma heroína tipo mulher maravilha mas que se veste de empregada com as cores da bandeira americana). Nesse momento rola certa tensão entre o Fleidermaus e a Maid que  remete a um passado em comum entre os dois e traumas de um relacionamento romântico que não funcionou. 

Por sua vez, Arthur, o, de fato, protagonista do primeiro episódio, é o típico millenial. Em um trabalho maçante (contador. E isso vindo de mim, que fui um bibliotecário por anos, quer dizer algo), ele é demitido não por incompetência, mas por se destacar, já que insiste em ir ao trabalho usando seus trajes "super heróicos". 

Observem como todos os demais funcionários ali são idênticos quase, com as mesmas roupas e expressões cansadas. Diabos, o desenho não é sutil a esse respeito.



Arthur desiste do trabalho normal porque, afinal, a vida deveria ser mais que isso. 

Novamente, isso é um desenho de 94, baseado em uma hq de 89. Estamos falando de uma América já sem concorrência no resto do mundo, já pós guerra fria e ainda pré 11 de Setembro. Uma América do pós Reagan, pós Bush Senior e do primeiro governo Clinton. Da "Pax Americana", onde ela se vendia como a ÚNICA super potência do planeta. Supostamente, um período de pujança. E no entanto, esse é o período também de obras como essa, ou "Silêncio dos inocentes". Mais tardiamente, de "American beauty".

Um período em que não havia mais "O" inimigo externo, mas onde você podia sentir, coletivamente, que algo estava....fora do lugar. Do nosso quintalzinho de fãs de gibis, é onde vai rolar a bolha especulativa que vai quase demolir o mercado de hqs e levar centenas de comic shops à falência.

Numa escala mais macro, é onde, por exemplo, o Japão vai levar uma das maiores pancadas de sua milenar história, quando outra bolha, a imobiliária, explode por lá (falo mais sobre isso aqui) o que, além de derrubar o país financeiramente, vai começar a botar em foco as falhas no capitalismo naquele país que, por sua vez, também vão acabar virando temas de "N" histórias sobre como é viver em uma sociedade em lenta extinção. 

Claro que, além disso, temos o protagonista do desenho. O Tick é um raio de luz, perpetuamente com um sorriso no rosto, mesmo nos momentos mais tensos. Sempre disposto a se jogar (literalmente, inclusive) em direção ao perigo. 

E claro, o Tick é completamente louco. Literalmente. Eles cortam isso no desenho (pelo menos até onde eu vi) mas os quadrinhos abrem com o personagem de camisa de força em um sanatório. Segundo o próprio, depois de uma fracassada empreitada onde tentou se declarar o "tirânico líder da Islândia", ele teria achado sua vocação de fato ao abraçar o uniforme azul e se renomear como "O Carrapato". 

Se isso parece ridículo, é porque de fato é, o que aliás, é apontado para ele de forma bem direta tanto no gibi quanto no desenho. 



O contraponto aqui, no entanto, é que ele pode ser louco, mas é um louco insanamente poderoso. Ele tem força acima do normal, invulnerabilidade (bom, "quase", como ele mesmo aponta) e além de tudo, um queixo quadrado de fazer inveja ao Capitão América quando desenhado por Ron Garney. E, claro, sua já mencionada atitude sempre altiva. 

O Tick não é particularmente brilhante mas esse é um universo de força bruta e portanto, ele consegue se virar bem o suficiente. 

De certa forma, ele me parece o resultado de alguém se perguntando "e se o Chapolin fosse norte-americano?"

De fato, tal qual ocorre com o Polegar Vermelho, é a profunda crença (injustificada, ocasionalmente) do personagem a respeito do próprio valor que acaba te fazendo se apegar a ele. 

Isso e, claro, o fato de todos sermos, em maior ou menor proporção, como ele. Um bando de pessoas com seus devidos "poderes", tentando fazer a diferença em um universo que nos quer passivos e dóceis em nossa homogeneidade. "Prego que se destaca" e tals...

Nem os vilões escapam disso: quando os antagonistas são derrotados em seu plano de extorquir dinheiro da prefeitura local em troca de não demolir a represa da cidade, o Tick indaga um deles sobre suas motivações, provavelmente esperando um longo discurso com tons megalomaníacos e com ganas de dominação mundial.

E no entanto....





Simples assim. Porque, como nos lembra o intelectual marxista-leninista Thomas Matthew DeLonge Jr. em sua seminal obra "все маленькие вещи": 

Novamente, não quero falar muito da HQ porque ela vai ganhar texto aqui logo logo, mas um dos primeiros arcos do título envolve um mestre ninja absolutamente PUTO depois que seu sucessor popularizou a idéia do ninjútsu no imaginário coletivo do mundo. O problema é que, com isso, qualquer imbecil decidiu inventar de se tornar um ninja o que pasteurizou significamente o poder desses assassinos e o impacto que eles tem nesse mesmo imaginário. 

A cena do ancião, frustrado em meio a ninjas em videogames, lancheiras e caixas de cereais bate fundo. Quando você comidifca algo e despe esse algo de qualquer senso de urgência e perigo que esse conceito inicialmente tinha. Se a gente for listar aqui, do punk ao hip hop, podemos ficar horas falando de movimentos culturais anti-establishment que foram abraçados pelo mercado e viraram bens de consumo reprodutíveis. O logo dos sex pistols que, hoje em dia, tem o mesmo efeito transformador social do da coca-cola. 

E o tom desse texto pode ser sério, mas creiam-me, tudo isso é feito com um senso de humor muito legal. Eu me peguei rindo diversas vezes, seja pela identificação com o quanto a comunidade super heróica do mundo de the tick é formada por um bando de fudi** que nem eu ou vc (sem ofensa), seja pelo quão desconectado de qualquer coisa remotamente próxima da realidade o protagonista da série é.

I mean, o desenho tem um personagem que é o Human Bullet e o "poder" do sujeito é ser disparado por um canhão gigante, do quintal da casa dele, em direção ao "perigo". Detalhe: ele não tem poder de vôo ou qualquer controle sobre onde e como vai atingir esse tal perigo. Ele só.... vai...


Ou o Sewer Urchin, um "homem-ouriço do mar" que opera nos esgotos de Nova York e em virtude disso, acaba sendo ostracizado por demais heróis por causa do seu "perfume" peculiar. 

O plano de Chairface Chippendale, no ep. 02, é uma variação em macro escala de escrever o nome em uma parede pública, tá ligado? Tipo quando tu assina teu nomezinho no cimento molhado? Só que em escala cósmica. 

Ao mesmo tempo em que estão enfrentando masterminds psicóticos, esses heróis tem que preocupar em pagar as contas ou, no caso do ep. 03, em como Arthur vai contar pra irmã que ele abraçou o trampo de "justiceiro urbano" em tempo integral.

Diabos, eu não sei absolutamente NADA sobre Big Shot, um dos heróis locais, mas apenas ver essa versão ainda mais bizarra do Punisher atirando em coisas de forma completamente indiscriminada enquanto sorri E chora ao mesmo tempo já me fez rir e ao mesmo tempo, o tornou meu personagem favorito.

Animado em mergulhar no universo de The Tick em suas diferentes versões e veículos. Falo mais conforme for avançando da série e na HQ. 

Mas de resto, seja você um adulto ferrado, um millenial ferrado ou mesmo um teen que começou a se tocar do vespeiro que se enfiou (ou em que foi enfiado, sejamos justos) conforme vai se aproximando da vida adulta, meu conselho sobre a série: a animação envelheceu até que bem, o roteiro continua afiado, os personagens são cativantes e a dublagem é hilária. Façam como o protagonista do gibi e do desenho, ímpios: só se joguem. :-)

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Navegando pelo multiverso: "Earth X" - parte 06


Uma edição bem interessante, que responde algumas questões enquanto levanta outras de natureza mais complicada. Primeiramente, descobrimos o papel dos deuses asgardianos no gigantesco tabuleiro cósmico erguido pelos Celestiais. 

Criações humanas ou aliens shape-shifters amorfos que ganham consciência e individualidade a partir do contato com a humanidade? No final, o resultado é o mesmo: criaturas em eterna relação de simbiose com o coletivo humano. Moldados a partir das percepções destes e, por sua vez, em um ciclo de retroalimentação, moldando a humanidade. Criadores e criaturas ao mesmo tempo. Um paradoxo ou, em tons mais esotéricos, um milagre. 


Em tons mais profanos, Rogers, humilhado depois do confronto com o jovem Caveira Vermelha, recebe a inesperada oferta de ajuda do Daredevil dessa realidade, um artista circense aparentemente imortal e indestrutivel. Algumas revelações importantes conferem nova perspectiva geral: a terra não possui mais telepatas ativos. Aparentemente, a humanidade mutante não pode mais procriar. 


E "algo" está vindo, de acordo com Starjammer, em comunicação com seu filho, Scott Summers. 

Mas há alguma esperança, ainda que mesmo essa venha com sua cota de sombras: uma das poucas crianças ainda vidas no planeta, um rejuvnescido Bruce Banner, revela para Clea que ele tem sido tomado por sonhos envolvendo Mar-vell, o Capitão Marvel original. Nestes sonhos, o herói, que morreu anos atrás vítima de um câncer, teria na verdade, transmutado em um novo estágio de consciência. Ele, agora um "universo Marvel", estaria tentando dizer algo para Bruce. Neste sonho, Bruce pode ver nossa galáxia, mas sem o terceiro planeta do sistema solar nela. 


Então, incapaz de decodificar a mensagem, os personagens decidem adentrar o reino dos mortos e questionar Marvel pessoalmente. 

Descobrir que as entidades asgardianas são menos onipotentes do que se imaginaria de deuses, extremamente condicionados à percepção alimentada a respeito deles, é algo bastante inteligente do roteiro. Deidades reduzidas à  condição de tulpas, construtos alimentados coletivamente, manifestados na realdade apesar de tal crença e subserviente a ela. Uma gigantesca "arma de Tchekov" que com certeza vai ter importância ao final da trama. 

Ao final, falando de armas de Tchekov, os Inumanos, ainda no Doom Castle na Latvéria, descobrem a máquina do tempo de Victor. Se ela vai ser um elemento da história, não dá pra saber mas sua presença aqui vai em direção aos temas da série. O desejo do retorno ao passado glorioso, a nostalgia como prisão (feita literal no caso de Tony Stark). E mesmo o homem mais brilhante do planeta, Reed Richards, se vê dividido em sua busca por respostas para o apático fim do mundo que seu planeta vivencia: olhar para o passado em busca de respostas ou voltar sua busca em direção do futuro?

Nos aproximamos do meio da jornada, o relógio bate seis horas e adiante, apenas mais promessa de trevas. 


terça-feira, 25 de julho de 2023


 

Navegando pelo multiverso: "Earth X" - parte 05



Uma edição um pouco menos cheia de eventos, toda centrada em personagens se movendo, personagens conversando e, claro, em um gigantesco confronto. E isso é um elogio, veja bem. Um daqueles momentos de respiro antes da ação voltar. 

O foco, que já passou pela fossa séptica na qual os EUA se tornaram, Europa e espaço sideral agora se volta para a África, ou mais precisamente Wakanda. Reed e os Inumanos tentam comparar informações com o rei T'challa, mas este se mostra refratário aos avisos do Sr. Fantástico. 


Enquanto isso, uma versão bestial do Hulk e um garotinho (Banner?) vão até ao Santo Sanctorum atrás de Cleo, a Doctor Strange desse mundo. 

Frustrado pela recusa do Pantera Negra em ajuda-lo, só resta para Reed auxiliar os Inumanos em sua busca por membros perdidos de sua raça e para isso, ele decide ir até Westchester e utilizar o Cérebro, o computador desenvolvido por Charles Xavier. 


Mas claro, o coração da edição é o confronto entre Steve Rogers e o jovem Caveira Vermelha. Não uma versão do vilão, clone ou nada do tipo. Apenas um garoto com poderes mentais extremamente desenvolvidos, capaz de manter multidões sob seu controle. É exatamente o confronto estilo "Boomer vs Millenials" que vocês poderiam imaginar. Rogers com idéias voltadas em direção ao sonho pelo qual sempre lutou e seu jovem oponente com o pragmatismo e "perpétuo agora" típico - sem juízo de valor aqui - das gerações mais novas. 

Apesar do jovem dar claros sinais da falta de moral típica de sociopatas, o "pecado" dele parece outro: certa falta de conhecimento Histórico. Quando o Capitão o acusa de ser um novo Hitler, o rapaz responde com um "Quem?"

Como o NOSSO mundo em seu igualmente lento apocalipse nos ensinou nos últimos anos, "quem esquece seu passado tende a repeti-lo". 


Por fim, descobrimos qual pode ser o objetivo final dos Celestiais ao iniciar a gigantesca máquina histórica que é o planeta Terra do universo 616: no final, o objetivo final de quase todo organismo vivo. Procriação. A humanidade e a semente celestial que as gigantescas deidades alienígenas inseriram em nossa raça nada mais é do que a chave para a criação de novos celestiais e seu germinar, segundo UATU, era inevitavel.

O que nos traz à pergunta: vai haver um planeta para que a humanidade possa ascender às estrelas ou o apocalipse em processo já está em um estado avançado a ponto de negar este salto final?


segunda-feira, 24 de julho de 2023

Navegando pelo multiverso: "Earth X" - parte 04



Correndo por fora, mas igualmente permeando todas as edições da série até agora, está o tema da humanidade de Aaron e sua posição única por ser, ao mesmo tempo, homem e máquina. 

Enquanto Uatu enxerga seu apego à humanidade como fraqueza, meramente resultante da programação engenhada pelo "inventor" de Aaron, este vê tais características como fontes de força. Fruto do amor que ele recebeu de seu "pai". Se isto é de fato, força ou fraqueza, só saberemos ao final da série. 


Neste capítulo, Earth X começa a nos trazer algumas respostas sobre os horrores acometendo a Terra 616 e as origens de tais sortilégios. 

A edição usa seu formato de forma muito inteligente, nos mostrando as origens do Príncipe Submarino e um pouco de sua história e passado com humanos E super-humanos para, só no apêndice, ao final, mostrar como ele é um player fundamental para a crise planetária. No final, depois de enfrentarem toda a sorte de invasor multiversal, cientista louco, mummudrai e outras aberrações, o que trouxe o mundo para a beira do precipício foram apenas... comida e energia. Na tentativa de oferecer energia gratuita para o planeta, Reed pode ter causado o despertar do gene mutante em toda a humanidade.

Por sua vez, com a escassez de recursos para alimentar todo um planeta, os humanos se voltaram para os heróis como seus líderes, rejeitando a democracia e atribuindo a estes o papel de figuras políticas ao redor do globo. E estes voltaram seus olhos para os mares, procurando por comida. E isso deixou Namor muito..MUITO insatisfeito. 


Ainda é nos revelado que Vibranium pode ser uma das causas da crise planetária, estando conectado ao fim de Titã, lua dos Eternos que deixaram a Terra, milênios atrás. 


E ao final da edição, a ameaça que paira desde o primeiro número revela seu rosto. E surpreendendo ao todos, ele não é o rosto de um homem, mas de um garoto ainda na adolescência. Por que, como Uatu comenta com Aaron ao final, a história traz vários casos de jovens monarcas ordenando a morte de homens feitos. Poder não escolhe idade. 

O futuro da Terra gira agora, em torno da decisão de Steve Rogers de parar ou não, o fascismo emergente, mesmo que isso signifique ter em mãos o sangue de alguém pouco mais velho que uma criança. 

Para não dizer que eu fui apenas elogios à edição, tem uma fala sobre "equalidade ser o nulificador da individualidade" que me incomodou, enquanto anarco-socialista defensor de uma sociedade igualitária. Mas vou acreditar que essa fala exista dessa forma por sair da boca de UATU, que representa a lógica fria, contrastando com a paradoxal humanidade de x-51. 

Vamos ver, conforme a série avança, o que vai vir desse choque. 


"Foi pra isso que você me trouxe aqui, Uatu? Para que eu possa testemunhar... o fim?"

sexta-feira, 14 de julho de 2023

30 dias com Cletus

 Eu não acredito que eu nunca postei isso aqui: 


Eu que fiz. :-)

Há 3 anos, mais ou menos, Stella, Cletus e eu fizemos esse filminho caseiro narrando a descida de meu ursinho (e representante legal) em direção a insanidade (pandemia não foi fácil pra ninguém).

Inclusive, me sigam lá no meu novo canal no youtube.

Vai ter muita coisa lá, logo logo (incluindo os vídeos antigos que eu já tinha postado no canal anterior, além de coisa nova).

Eu tenho um orgulho tão besta desse filmezinho. :-)

sábado, 8 de julho de 2023

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Em Rumo a Krakoa: X-men, body horror e a inveja do super humano...


Eu venho já há algum tempo aqui no blog falando sobre os X-men, seus tropes e grandes temas. Todo o tecido conjuntivo dos seus quadrinhos e aqueles aspectos que precisam de um olhar mais debruçado para que possam vir a tona. Aqueles detalhes que podem passar despercebido e que só se revelam lá pela terceira ou quarta revisita.

Dessa mesma forma, eu queria voltar o nosso olhar não mais para os heróis e protagonistas dessa série, mas para seus oponentes. "Todo herói é tão bom quanto sua galeria de vilões", alguns dizem. Então, nada mais natural que se concentrar neles e tentar entender o que os oponentes dos mutantes tem em comum e o que podemos perceber a partir desse olhar sobre tais antagonistas. 

O curioso, ao fazer isso, é notar que isso, por sua vez, acrescenta também novas camadas nos heróis, não apenas pelo contraste com tais vilões, mas também pelos elementos que eles tem em comum. 

Lembremos que nos quadrinhos, existem dois grandes tipos de vilões. O primeiro, é o que é a completa oposição ao herói. O herói é forte? O vilão então é inteligente. O herói é rápido? Seu inimigo é devagar. O herói é aquático? Provavelmente seu nêmesis é representado pelo elemento do fogo. 

O segundo tipo de vilão é aquele que é uma versão distorcida do herói. Não sua negação, mas uma versão deste que fez escolhas diferentes. Superman é um filho de Krypton que representa a esperança. Doomsday é um filho de Krypton que representa a morte. Batman é a epitome da perfeição física e luta por justiça. Bane é a epítome da perfeição física e luta por poder. O Flash é um herói velocista. O Flash Reverso é um vilão velocista. 

Me valendo desses exemplos, apliquemos ambas as situações aos personagens que são foco deste texto. Comecemos pela segunda: os X-men são mutantes "do bem". A Brotherhood of evil mutants é um grupo de mutantes "do mal". Charles Xavier é um telepata que usa seus poderes com responsabilidade (supostamente). Amahl Farouk é um telepata que usa seus poderes para dominar corpos e mentes alheios. 

No entanto, vamos pensar um pouco no caso do arquétipo do vilão que é a negação do herói. Eu sinto que não dá pra pensar nesse aspecto dos X-Men sem falar um pouco de suas origens, como forma de estabelecer as bases do ponto que eu pretendo defender aqui.


Quando Uncanny X-Men começa, em 1963, nosso primeiríssimo contato com aquele universo de personagens vem através do prof. X, sozinho, prestes a recepcionar sua primeira geração de estudantes. 

Em seus pensamentos, vemos um pouco das origens do próprio conceito de Homo Superior que, naquele primeiro instante, Xavier acredita serem fruto dos testes nucleares. O pai de Charles era um cientista envolvido na fabricação de armas nucleares e, supostamente, a proximidade com tais elementos radiativos teria alterado sua estrutura genética e permitido que o dna do professor viesse com o gene-x. 


Posteriormente, isso seria retconado e o gene-x seria algo arbitrário, sem nenhum ponto de origem histórico (até porque os primeiros mutantes tem milhares de anos de idade se considerarmos que Selene e En Sabah Nur são membros da raça). Ou seja: o que inicialmente aparentava ser um exemplo de atomic horror (o gênero de horror em que a energia nuclear, um conceito ainda novo para o mundo naquele momento histórico, era a fonte de monstruosidades e deformações de toda sorte) na verdade, muito rapidamente, se tornaria um exemplo de body horror.

A definição mais simples de body horror determina que o gênero fala de horror que advêm de alterações, espontâneas ou provocadas, no corpo humano, gerando deformidades e consequências imprevistas. Normalmente, há a húbris de se alterar aspectos do corpo humano visando aperfeiçoamento de algum tipo e, como consequência de se tentar alterar leis fundamentais da natureza, vem a punição na forma de mutações imprevistas e frequentemente, monstruosas. O primeiro exemplar de obra do gênero, segundo especialistas, é o Frankenstein da Mary Shelley. De lá pra cá, tivemos vários livros e filmes evoluindo o gênero. Dos lobisomens e do homem invisível, passando pelos filmes de sci-fi dos anos 50 e 60 aos filmes de David Cronemberg, Eraserhead e obras recentes como Titan, Slither, Centopeia humana, e Tusk, entre outros. 

Você poderia afirmar que fundamentalmente, os X-men sempre foram um body horror, desde a primeira cena em que vemos Scott Summers afirmar a dependência de seus óculos, Warren Worthington tendo que esconder suas asas ou Hank Mccoy constrangido por seus pés simiescos. 

Mas, como muito bem nos lembra Raphael Salimena em uma de suas tiras, alguns mutantes são mais mutantes que outros. 


Nestas primeiras edições, o exemplar mais significativo de body horror surge no lore mutante na primeira aparição de Blob. Eu sei, é complicado pensar isso em termos contemporâneos, mas nos anos 60 eles não tinham muitas preocupações a respeito de gordofobia e frequentemente o personagem é apontado como uma monstruosidade ou uma aberração (não coincidentemente ele é introduzido na trama como parte de uma caravana circense). 


A "força" de Blob vem exatamente da súbita percepção de que aquilo que o definia como um monstro aos olhos alheios na verdade era uma fonte de poder. Por mais que o personagem tenha motivações egoístas, você não consegue não sentir certa justiça no ódio que ele tem por aqueles que lhe apontavam o dedo e o recriminavam como monstro. 


Esse é, inclusive, um elemento estrutural de histórias de super heróis. Aquilo que é visto como algo monstruoso, o elemento que é fonte de alteridade e que, portanto, é destacado como algo vil e condenável, na verdade é algo especial e mágico. Meio que aquilo do patinho feio, que na verdade, é um cisne. 

Os membros originais da Brotherhood of evil mutants também tem sua cota de traumas físicos. Desde Pietro e Wanda, malvistos pelas origens ciganas, passando por Grouxo e o Mestre mental, fisicamente repugnantes. 

Voltando ao body horror como metáfora: em um vídeo recente do canal do prof. Phillipe Leão, ele, por sua vez, reage a um vídeo do canal da Carissa Vieira onde ela fala sobre body horror e os exemplos históricos do uso do corpo da mulher como fonte do horror. Resumindo bastante o que os dois dizem: o corpo feminino é transformado no objeto do próprio horror. O que gera empatia e repulsa. 

Por sofrer as alterações decorrentes da gravidez, o corpo feminino já naturalmente gera certa fascinação e asco. Ao mesmo tempo, é a mulher que controla o sexo, é ela que escolhe o parceiro e que determina o consentimento. Isso gera inveja masculina, a tal "ameaça da castração". No body horror feminino, o elemento aflitivo da coisa vem do fato da personagem não ter autonomia sobre o próprio corpo, onde ele é uma "coisa", usada, fetichizada ocasionalmente e deformada, não raramente como consequência das ações de personagens masculinos.

Em Teeth, há o caso de uma garota que literalmente tem uma vagina com dentes. No já mencionado Titan, uma garota engravida de um carro. E para o olhar masculino desacostumado, as alterações físicas que a personagem sofre durante seu período de gestação não são muito mais estranhas e alienígenas do que as que uma mulher sofre em um processo de gravidez normal. Em Martyrs, o meio de alcançar o sagrado é expondo o corpo de jovens garotas a uma brutal (sério, BRUTAL) tortura.

O corpo feminino é ao mesmo tempo, fonte de repulsa, curiosidade e desejo. 

Agora, voltemos aos X-men. O que os torna "monstruosos" a ponto de coletivamente causarem medo social, feito literal nas páginas da hq por meio de seus poderes e mutações?

Qual o elemento em comum entre todos eles?

Simples: eles são JOVENS. Estamos falando da década de 60, onde temos a primeira geração do pós guerra chegando a idade adulta e pedindo por mudanças sociais. Feministas, grupos lgbt, os panteras negras. Malcolm X e Luther King, para ficar em nomes (incorretamente, é preciso dizer) associados aos mutantes. 

Os mais velhos sempre tiveram medo dos mais jovens, mas agora essa juventude foi transformada em arma e combustível para pedir por mudanças sociais significativas. Se o body horror feminista é sobre a falta de poder das mulheres sobre seus próprios corpos, aqui, o lance é como o potencial real e transformador desses jovens é frequentemente podado para que o status quo atual se mantenha intocado. 

Do mesmíssimo modo que, no mundo real, governos e burgueses frequentemente usam seus poderes e o maquinário estatal que tem sob seu controle para calar vozes e focos de dissenção ainda em seus estágios mais larvais.

Eu já vi gente condenando o uso de mutantes, aliens e tals como metáforas de minorias sociais, e eu entendo a origem de tais críticas. Mas é preciso lembrar um detalhe importante: pra um homem velho, branco, hétero, cristão, rico e conservador, um nome como Fred Hampton ou Malcolm X surgindo como líder social É tão perigoso quando um jovem que pode partir edifícios ao meio com raios surgindo de seus olhos. 


Mudanças sociais significativas, como redistribuição de renda, reforma agrária e outras, são impensáveis sem a possibilidade de se pegar em armas. Ou vocês acham que, se amanhã o país se tornar socialista e formos começar redistribuição de terras ociosas para criação de pequenas fazendas, os grandes pecuaristas e especuladores imobiliários vão simplesmente concordar e ceder tais espaços pra quem precisa? Não, kemosabe. 

Eles vão se armar. Ou seja, reformas sociais, pro tipo de parasita que vive se alimentando e se fortalecendo a partir dos aspectos mais grotescos do capitalismo, podem representar MORTE LITERAL, de fato. Ou pelo menos, uma morte simbólica de sua posição de domínio absoluto. E mesmo isso é perda demais para eles. 

Lembremos que nesse primeiro momento, mesmo os adultos que guiam a trama, não são tão mais velhos assim. O prof. Xavier mal deve ter chegado aos 30. E considerando, ainda que isso tenha sido um retcon introduzido anos depois, que Magneto apresentou seus poderes nos últimos dias da segunda guerra, já durante o período da "solução final", e que adolescentes mutantes demonstram seus poderes lá pelos 11, 12 anos, parece razoável concluir que ele tenha nascido mais ou menos em 33 ou 34. Ou seja, nesse momento em que ele enfrenta os X-Men pela primeira vez, ele deve ter 30 e poucos anos, no máximo. E mesmo ele e Charles são frutos direto de eventos relacionados a segunda guerra, então nada mais natural que seja estes "novos homens" que venham a guiar as mentes da primeira grande geração de gene-x que viriam a surgir nos anos seguintes. 


Jovens querem o poder e mudar o status quo. Com suas vozes e mentes. Com suas mãos e habilidades. 

O que Lee e Kirby fazem não é nada mais do que tornar literal o mal estar social que a elite conservadora tinha diante das novas gerações. 

So, voltando ao tópico deste texto, ou seja, falando dos vilões dos X-men, temos a Irmandade. Posteriormente, os Sentinelas. Criados por um cientista chamado Bolivar Trask.

Trask. Um anagrama para Stark. O homem que criou o Homem de Ferro. 

Os sentinelas nada mais são do que a humanidade externalizando seu preconceito e o medo do futuro através de homens mecânicos cuja principal função é deter tal futuro de se tornar real e impedir que os mutantes herdem a terra. 


Robôs são frequentemente utilizados na ficção como metáforas para o fascismo, para a padronização mental e uniformização de pensamento típicas de regimes fascistas, assim como também do processo de desumanização tipica do capitalismo. O robô é o homem perfeito sob a perspectiva corporativa: sem vontade própria, medos ou ansiedades. Sem necessidade de descansar, perpetuamente focado em sua programação e em produzir resultados. 24 horas por dia. E, ao mesmo tempo, um simbolo vivo da humanidade em suas imperfeições. O robô só precisa existir pra suprir as carências tipicas da corporeidade e das "imperfeições" humanas. 

Eu poderia me focar em mais vilões desse primeiro período, mas acho mais interessante avançarmos até a fase que é de fato o foco dos textos aqui do blog: o período solo do Claremont nos roteiros, depois da sua aclamada fase em que co-escrevia os gibis mutantes com o também desenhista principal da série, John Byrne. 

Nesse período de co-autoria, Byrne e Claremont estabeleceriam dois grupos de vilões que retornariam futuramente, na era solo de Claremont e seriam brilhantemente utilizados: o Hellfire Club e a Ninhada. 

Enquanto o Clube do inferno desempenhava esse papel de serem "os X-men do mal", usando seus poderes para guiar os rumos da humanidade de forma não ética, uma espécia de brand ultra-liberal da Escola Xavier, a Ninhada (ou The Brood), tal qual os sentinelas, eram sobre eliminação da alteridade em prol de um sonho de uniformidade, de pensamento de colméia. 


Enquanto a ninhada e sua proximidade com os xenomorfos do filme de Ridley Scott retomam o elemento do body horror no grotesco processo dessa raça alienígena de reprodução e assimilação dos corpos e identidades humanas, quase uma espécie de estupro ao mesmo tempo físico, mental e "espiritual", também é dessa época que temos Proteus, uma criatura "conceitual", sem um corpo físico carnal e que sobrevive parasitando corpos alheios. 


Já sozinho escrevendo os x-comics, bem no começo desse período, temos Claremont narrando o primeiro contato dos protagonistas com os Morlocks. 

Tais mutantes, inicialmente antagonistas dos X-men, também são "vilões" por contraste. Enquanto os alunos de Charles tem uma fortuna a sua disposição, os Morlocks vivem na miséria. Enquanto os alunos da Xavier's School podem se passar por humanos, seja pela natureza discreta de suas mutações, seja pelos privilégios de ter acesso a fortuna do Professor (como no caso de Kurt que tinha sempre a mão seu indutor de imagens), os Morlocks não. Suas mutações eram gráficas demais para poderem ser discretos e, vitimas do ódio dos humanos, só restou a eles se voltarem para as sombras e viverem nos esgotos. 

Em sua primeira aparição, os Morlocks raptam Warren, o anjo. Um mutante bonito, rico e que tinha privilégios a ponto de poder assumir sua identidade mutante publicamente sem grandes consequências. Lembremos que, sem o arcabouço do estado a seu favor, isso não era uma opção viável pra nenhum mutante. Não é coincidência que os outros casos mais famosos de mutantes com identidades publicamente conhecidas eram Pietro, Wanda e Hank. Em todos os casos, gene-x positivos que eram tolerados por terem se "alistado" e decidido trabalhar para o tio Sam junto com sua força policial na comunidade super heróica, os Vingadores. "Don't ask, don't tell" e/ou  "Don't say mutant", imagino. 

É meio que um consenso entre o fandom dos X-men que seria IMENSAMENTE difícil que Xavier não soubesse da existência de alguns dos Morlocks. Então, é razoável imaginar que o prof. tenha CONSCIENTEMENTE decidido não alistar nenhum deles por eles não terem "a cara ideal" para serem seus símbolos, seus porta-vozes, os embaixadores da raça mutante.

Lembremos que é meio que outro consenso entre o fandom que Xavier é um assimilacionista. Ou seja, o tal sonho mutante do professor é que os gene-x positivos sejam não-confrontacionais e quietos o suficiente para poderem passar por humanos e serem "tolerados" por estes. 

Nenhum dos 5 membros originais representa qualquer risco, fisicamente falando. Diabos, são todos brancos. Mesmo Hank e Scott não são ameaçadores, fisicamente.


Agora, compare isso com a própria Callisto. Ou Masque, mutante com as habilidades de mudar as feições alheias com a mesma facilidade de alguém manipulando argila. Mas que, ironicamente, é deformado e incapaz de usar os seus poderes no próprio rosto. 

Para os Morlocks, mais do que para os X-men, o corpo é uma prisão (mas notem: apenas quando esses corpos e seus poderes são vistos dessa forma sob a perspectiva humana. É sempre o olhar externo que coisifica, que deforma, de fato, esses indivíduos). E eles merecidamente se ressentem dos discípulos do prof. X. E eles querem um pouco do que estes tem e que eles só tem porque eles se encaixam nos critérios estabelecidos pelo seu mentor. 

Quando, a seguir, os mutantes entram em novo confronto com o Clube do inferno, temos o elemento de classe ainda mais aos olhos, como na clássica capa da edição 208.


Contraponham o estilo quatrocentão, clássico e, sendo franco, tipicamente cafona das classes mais abastadas, representada pelo Clube do Inferno com o dos X-men, mais urgente, punk, jovem e sem concessões. 

O Hellfire Club sempre simbolizou a tolerância quieta dentro de um contexto capitalista. De certa forma, o grupo É a personificação do sonho de Charles. Mutantes que são tolerados pelos homo sapiens por terem o melhor super poder a seu favor: a aprovação de homens velhos ricos. Advinda de muito dinheiro, claro.

Quando estes, no entanto, são confrontados por Nimrod, a evolução dos sentinelas que veio do futuro para detê-los (é bem mais complicado que isso, acreditem), este não faz distinções. Porque é isso que a lógica fria do capitalismo patriarcal faz. Ela pode permitir pequenas conquistas, mas quando a demanda que grupos minoritários fazem é considerada excessiva ou simplesmente estes se tornam impossíveis de serem ignorados, é hora de lembra-los de seu lugar. Existem coisas que mesmo dinheiro e berço não conseguem comprar. 

Isso posto, chegamos no momento em que podemos falar dos 3 grandes vilões desse período de Claremont nos roteiros e tentar entender como eles funcionam quando colocados nesse perfil estabelecido nos parágrafos anteriores: São eles Donald Pierce e os Reavers, Nathaniel Essex e seus Carrascos e Amahl Farouk, o Rei das Sombras.



De certa forma, você poderia agrupar esses 3 grandes antagonistas dentro do macrotema do body horror sobre o qual falamos aqui (e dá inclusive pra adicionar ao grupo o Mojo, apesar dele ser um vilão do Longshot mais do que um antagonista do time-X, pelo menos nesse primeiro momento). 

Essex, o Sr. Sinistro, é um eugenista que se tornou mutante a partir de experimentos que fez nele próprio. A partir daí, ele vem se mantendo imortal por meio de manipulação genética e clonagem. 

Pierce, por sua vez, não é um mutante, mas um humano "aumentado", um ciborgue, com alterações mecânicas em quase 100% do seu corpo. 

Por fim, Farouk, o Shadow King, é um parasita telepático sem um corpo físico, que vive forçando sua presença em corpos alheios (é, em alguns casos, a metáfora é mais sutil que em outros). 

Em comum entre os 3, temos o fato deles serem todos quase imortais mas inumanos em aspectos morais, quase como se o preço a se pagar por sua super humanidade seria perder tudo aquilo que temos de mais nobre e empático. 

Da mesma forma, os Reavers de Pierce e os Marauders de Essex tem sua vida aumentada, seja por clonagem ou cibernética e transumanismo, mas a ponto de se tornarem criaturas monstruosas e sem qualquer traço de humanidade (não quero me perder em devaneios aqui, mas poderíamos nos perguntar se eles eram pessoas cruéis que aproveitaram suas novas habilidades para demolir qualquer freio social que eles tivessem ou se é a condição pós humana deles que lhes deixou mais bestiais. Also: Os X-Men continuam com uma base moral forte mesmo depois de terem vencido a morte, na atual era de Krakoa. E existem outros imortais no universo Marvel que são heróicos em essência então....??).

A principio, parecia que os Carniceiros eram criações de laboratório de Sinistro e só recentemente, já na fase de Krakoa, tivemos outras camadas dos personagens sendo trazidas a tona, na figura de Greycrow, anteriormente conhecido como o Caçador de escalpos (Scalphunter). 

Também recentemente foi estabelecido que Sinister meio que era o Hyde (de "o médico e o monstro") da terra 616, na verdade o lado mais sombrio e "sinistro" do Nathaniel Essex original em suas primeiras "aparições públicas".

Por fim, Farouk tem o mesmo efeito corruptor, dominando as mentes das pessoas próximas e trazendo os piores aspectos delas a tona. E sempre com a nuance de que isso é contra a vontade destas mas.... não exatamente. Farouk não apenas força as pessoas a se tornarem destrutivas, mas aflora o lado sombrio que todos temos e a tal ponto que elas acabam não conseguindo resistir a seus instintos mais negativos. Há sim um elemento de perda do auto-controle, ainda que existam nuances ali. Mas o resultado final é o mesmo. 

Perda de autonomia, abandono da humanidade e barbárie. 

Enquanto Sinistro é responsável pelo Massacre de mutantes e pelos eventos que vão desencadear em Inferno (o original, dos anos 90) e Pierce, por sua vez, vai causar aos X-men a derrota mais significativa de suas vidas, a ponto de a única saída para os heróis ser atravessar o Portal do destino -  o que poderia ter os resultados mais imprevistos - , Farouk domina os heróis a ponto de quase conseguir concretizar seus planos de dominação mundial. 

É curioso notar que, nos 3 casos, falamos de personagens que não são Homo Superior exatamente, mas conseguiram seus poderes - e, no caso de dois deles, a condição de mutantes de fato - através de manipulação física, deles e de terceiros (no caso destes, quase que em 100% dos casos, sem permissão ou, pelo menos, sem total consciência das consequências reais do processo). 

Eu falei dos vilões dos X-Men mas eu convenientemente deixei um deles de fora. Um dos piores.

E eu me refiro a você, meu caro. E eu. As pessoas lendo esse texto. E os leitores dos X-men.  Eu me refiro aos malditos HUMANOS. 

Como eu disse no começo, uma parte substancial do que faz o body horror fascinante é o lance da húbris, da iniciativa de alteração corporal vir por parte de indivíduos com o conhecimento cientifico de como fazê-lo, de como alterar tais corpos, mas sem a inteligência o suficiente pra ter consciência do que pode dar errado no processo. Ou a ausência de um centro moral a ponto de se importar com tais consequências. 

Eu mencionei Nimrod, um sentinela com consciência humana que, por sua vez, ao atravessar o mesmo portal do destino mencionado acima, "evoluiria" para a forma de Bastion, sentinela humanoide. Quase humano, mas não exatamente, um gigantesco "uncanny valley" ambulante. 


Percebam como partimos do humano (Trask) para o mecânico (Sentinelas) chegando a algo que é um produto de ambos (Bastion). Ou o mesmo pode ser dito de Donald Pierce. Ou de Essex, ainda que o caminho aqui tenha sido diferente.

Eu falei dessa mistura de cobiça, desejo de controle e inveja lá em cima como alguns dos motores do body horror e eles se fazem presentes aqui. Uma parte substancial do body horror nos X-men vem de humanos tentando usar dinheiro e tecnologia para conseguirem uma fração daquilo que faz as pessoas-X especiais. Enquanto o body horror no caso dos gene-x não é uma escolha, mas algo determinado geneticamente, seus adversários se destacam por OPTAR por tais manipulações corporais.

A evolução dos sentinelas chegando a Bastion ou Pierce perpassa também por um grupo de vilões de New X-Men, agora na fase de Grant Morrison escrevendo e vários nomes nos desenhos, entre eles Frank Quitely, Igor Kordey, Marc Silvestri e Phil Jimenez.

Neste run de histórias, uma nova ameaça surge na forma dos U-Men, um grupo de pessoas que captura e disseca mutantes para vender suas partes para que homo sapiens normais (e ricos, sempre válido lembrar #eattherich) possam tê-las implantadas em seus corpos. A inveja do outro aqui ganha ares ainda mais macabros. 







Quando vemos o resultado de tais operações, é sempre algo grotesco, errado, fisicamente repulsivo. O processo de comodificação supremo: o corpo alheio transformado em coisa que você compra e assimila (alguns poderiam dizer que essa é uma definição perfeita do capitalismo em si).

Não que forças externas roubando a autonomia dos X-Men sobre seus próprios corpos seja um conceito novo para eles: desde a força Fenix possuindo Jean Grey, passando pelos nano sentinelas e o coletivo Sublime, chegando ao Dia M, onde Wanda Maximoff eliminou os poderes de mais de 95% da nação mutante.

Já mencionei aqui antes os eventos de Inferno (de 2022) como uma quebra de paradigma dentro do universo Marvel, já que estabelece que no futuro, existirá uma guerra entre mutantes e máquinas pelo domínio da Terra e ambas as raças se encontram em situação de mútuo extermínio nessa luta por dominância: os Homo Superior não podem herdar a terra por causa da ação de Nimrod e das máquinas e vice versa (também já mencionei isso aqui antes, mas eu gosto como este novo fato coloca todo o universo Marvel sob novas cores, desde suas origens com o Tocha Humana, uma forma de A.I. ele próprio, como a pedra fundamental da Terra 616). 

Nesse aspecto, a verdadeira guerra por dominância é entre o orgânico e o sintético, ou o natural e o engenhado. Ou, como as gêmeas cuckoo afirmam em dado momento, a verdadeira e unica guerra é entre In vs Out. 

O artigo genuíno vs os wannabes. Os trend setters vs os trend whores. Ação e reação. Revolução e Contra-revolução. Progresso e backlash. 

Morrison, voltando pra New X-men, não é nem discreto. U-Men? YOU-Men? Porque, afinal, o sistema percebeu que matar líderes sociais pode ser um tiro no pé, já que você pode acabar criando mártires. Muito mais eficiente é comprá-los, assimilar sua ideologia e torná-la parte do sistema.  Esquartejar o que pode ser utilizado e comercializado dela e ignorar o resto (o punk foi de um gênero fundamentalmente anti-establishment para algo mercantilizado). Independente do resultado ser um Frankenstein apodrecido, uma colcha de retalhos bizarra e sem qualquer relação real com o artigo genuíno que lhe deu origem. 


O Projeto Orchis, os grande antagonistas da atual fase dos x-gibis, é a resposta final da humanidade contra as demais espécies na guerra por dominância. 

Ao mesmo tempo, fora dos gibis, você vê uma parte do fandom pedindo pelo fim da era de Krakoa e querendo os mutantes de volta na condição de heróis temidos e odiados, bla bla bla. Nem todo hater da atual fase é um cretino preconceituoso que tá puto porque percebeu que X-men nunca foi sobre ele, mas sobre o menino preto que ele chama de "m*caco", sobre a menina pra quem ele assobia de forma nada discreta na rua ou sobre o menino que ele chama de "veadinh*" porque tá de cabelo preso.

Nem todo.

Mas um monte deles é. Um grande exército de U-Men, que lê o gibi, pega a parte que lhes interessa das tramas e ignora todo o subtexto restante. 

Inveja é o combustível do body horror. Inveja do corpo perfeito. Imortal. Mais rápido. Mais apto para certas funções.

Já preconceito, por sua vez, é sobre cobiça e poder. Sobre o que eu quero ter e não posso. E que, portanto, também não quero que ninguém mais tenha. 

O homem branco, rico, cristão e com mais auto-estima do que deveria ter de fato roubou o poder para si próprio e vive com medo de quem quer que queira se sentar na mesa e queira uma parte do banquete pra si e seus iguais. 

E ele não é discreto a esse respeito. Dentro E fora dos gibis.

Mas novamente, nem tudo você consegue comprar com dinheiro. E esse é um dos aspectos fascinantes da evolução: ela vem de onde menos se espera e sem aviso. 

Os X-Men perceberam isso dentro dos gibis e formaram uma nação-estado pra si, finalmente atingindo todo o potencial, ainda que sob constante ataque e pressão, tendo que manter o que conquistaram com muito sangue, suor e lágrimas.

Aqui do lado de fora, tentamos conquistar um lugar na mesa. Um lugar que nos foi negado por causa de classe, raça, gênero e etnia.

O patriarcado ouve e se pergunta "por quem os sinos dobram?"

Um mar sem fim de vozes de todas as cores, classes sociais e gêneros, ciente sobre o próprio potencial, responde de volta "for you, man"

Por fim, Phillipe, no vídeo mencionado acima, cita que existem formas como o drama lida com a ameaça de castração em filmes femininos de body horror e uma delas é tornar a figura feminina, esse ser "ameaçador e ambíguo", inofensivo. 

Acredito que possamos estender essa idéia para obras do gênero que usam o horror para falar sobre outros tipos de corpos que também representam, para os poderes reinantes, ameaça a sua hegemonia. 

Eu mencionei o punk acima em sua trajetória, de algo anti-sistema para algo que é parte dele (existe um gênero comercial cujo nome é literalmente pop-punk, uma contradição em si própria). O mesmo viria, alguns anos depois da saída de Claremont do título, a acontecer com os mutantes. Eu poderia me debruçar sobre outros exemplos de oponentes dos alunos de Xavier, desde a Falange até a Children of Vault, que também são sobre alterações corporais e perda da autonomia. E não se enganem, eu PRETENDO falar deles no futuro. Mas se vamos falar de eventos traumáticos na história dos personagens e, ao mesmo tempo, nos manter no tema levantado neste texto, só tem um lugar que pode servir, de forma apropriada, como nossa próxima parada.

No próximo episódio de "Em rumo a krakoa", vamos dar um salto temporal (mas depois a gente volta, não se preocupem. Ainda tenho que falar de NXM do Morrison. Até porque seria no mínimo negligente falar de X-men, body horror e não mencionar o run que deu ao mundo personagens como Beak, Angel Salvadore, Ernst e Glob) e vamos falar de quando a Marvel editorialmente decidiu que era hora de castrar a raça mutante quase inteira porque, afinal, não havia dinheiro a ser feito ali. 

Um dos momentos mais sombrios da história dos X-men (dentro e fora das hqs) e um dos eventos mais fascinantes da história dos quadrinhos (pelos motivos errados, valido lembrar).

A seguir: