E finalmente, a nona temporada de Doctor Who engrenou.
Não me entendam mal, vejam bem, os 4 episódios que formam os dois arcos anteriores foram bons, com níveis diferenciados de acertos. Mas, invariavelmente, eles pediam aquele complementozinho de "ah, essa semana o episódio foi bem legal, mas...."
Ainda mais se formos fazer comparações com a quase impecável temporada anterior.
Vejam bem, no mesmo período em que "Before the flood" foi lançado, na temporada anterior já havíamos tido:
"Deep Breath" (meu terceiro episódio pós regeneração favorito, só perdendo pra "The eleventh hour" e "castrovalva")
"Into the Dalek" (que é uma aventura bem bacana)
"The robots of Sherwood" (o melhor episódio já escrito por Mark Gatiss, pau a pau com "The Crimson Horror")
e "Listen" (honestamente falando, meu episódio favorito nos 50 anos de série que assisti. Simples assim).
Então, por mais que fossem, mais uma vez, episódios com altos e baixos, vc sempre pensa no que poderiam ter sido....
Não aqui. No sir. Sem "mas...". "
The woman who lived" sobreviveu às expectativas geradas pelo nível de awesomeness de "
The girl who died". Se a season 09 seguir nesse ritmo.....oh boy.........
Ainda sobre o tom desse ep: Eu, como provavelmente todo mundo, achei que a busca do 12th pela sua própria identidade havia terminado no season finale da temporada passada, com sua frase sobre ser um "Idiot with a magic box". Mas a coisa é um tiquinho mais complicada.
Não nos esqueçamos que essa é a primeira vida de um segundo ciclo de regenerações pro Timelord.
Como é dito na mini-série em quadrinhos "
The four doctors", reunindo as 3 ultimas encarnações do personagem e mais o
War Doctor, a décima segunda versão do protagonista
não deveria existir. Se tomarmos elementos da série clássica como exemplo, sim, Gallifreyans
podem receber mais ciclos regenerativos conforme avançam de idade, mas isso não quer dizer que
DEVAM.
Um protagonista confiante e seguro a seu próprio respeito gritou a plenos pulmões na semana anterior sobre ser aquele que salva pessoas.
Nesse, uma
Lady Me de espírito quebrado e PROFUNDAMENTE cansado afirma, no entanto, que ele é aquele "
who runs out".* A natureza do Doctor a respeito de quem ele foi nas ultimas 12 vidas (contando o War Doctor) pode ser bem clara para todos nós, mas quem ele ainda vai ser, salvo seu nome, ainda é uma tábula rasa. Ele sabe quem ele
QUER ser. Mas, nunca nos esqueçamos, identidade é a soma do que somos com o que as outras pessoas percebem a nosso respeito. Portanto, o Doctor, nesse momento de reconstrução identitária, ainda é uma história em desenvolvimento
Tal qual a Lady Me. Correção: boa parte da personagem é
apenas isso. Fascinante como o roteiro (todos os méritos para a roteirista
Catherine Tregenna que pegou a responsabilidade de escrever apenas a parte dois de um arco duplo e que, indo além, deveria ter um tom completamente distinto do anterior e, mesmo assim, conseguiu fazer um episódio que é ao mesmo tempo único mas que mantém a relação com os eventos vistos na semana anterior. Absolutamente brilhante) brinca com o elemento da "
memória finita num corpo imortal". Sem lembranças da própria vida,
Ashildr (ou o que restou dela) virou uma história, uma narrativa contida em seus livros de memórias. Não a história aventuresca que o Doctor ingenuamente pensou que seria, mas uma saga cheia de tragédia, dor, desespero e perdas.
E falo pouco dos demais elementos do episódio pq, c'mon, guys, o Leão alienígena foi legal e tals (e, ok, foi o elemento que causou o "despertar" de Ahildr, que voltou a ser alguém conectada com as pessoas à sua volta a partir da tragédia que inadvertidamente causou) mas o centro da trama girou em torno dessa dicotomia entre o que o Doctor pensa dele mesmo e a visão mais sombria que a personagem de
Maisie Williams* carrega consigo.
Quanto à
Sam Swift, curti o personagem - que, considerando o final do episódio, provavelmente será visto de novo num futuro próximo - e achei bem legal a cena do Doctor com ele no momento da execução do ladrão: As piadas do Doctor com ele são o que o mantinham vivo. Mais uma vez, histórias - pq piadas são isso, narrativas - afetando vidas de forma prática.
Mas, de novo: todos sabíamos que Maisie e Capaldi iriam dominar a tela juntos. Só que, acredito que ninguém esperava que os diálogos entre ambos seriam de tal força que, na boa, eu abriria mão completamente da história da invasão apenas pra assistir 46 minutos de conversa entre ambos em alguma taverna local. Foi um episódio de set-up, construindo um cenário pra eventos futuros (já confirmaram retorno da personagem ainda na season 09) e, mais uma vez, só vai dar pra julgar com justiça quando terminarmos a temporada, mas esse, tal qual o episódio anterior, se sustenta absolutamente bem sozinho, funcionando como um estudo de personagem focado no 12th e nas consequências de seus atos **.
Quanto à Ashildr/Lady Me, ficamos esperando seu retorno. Acredito ser razoavelmente seguro dizer que, quando ocorrer, vai ser tenso, extremamente trágico e pivotal não apenas pra season 09 mas tb pra história do Doctor. Passada E futura.
To be continued? Hell Yeah!!!!
E Clara***? Sabem aquilo de aproveitamento do espaço vazio? Pois é. A ausência da guria, considerando o tema desse episódio, causou um ruído absurdo no exato instante em que ela entrou novamente na TARDIS. Em Sandman, tem um diálogo, se não me engano, o ultimo ocorrido entre Hob Gadling e o protagonista da série, Morpheus, que exemplifica bem o que senti nesse episódio da série:
"Somos todos histórias" nunca teve tanta importância em Doctor Who. Só não nos esqueçamos: nada garante que todas estas histórias vão terminar com um final feliz.
Perguntei semana passada sobre qual seria a contribuição da season 09 pra mitologia da série? Se a resposta for "Lady Me", já ficarei absolutamente satisfeito.
Episódio absolutamente soberbo do, até aqui, melhor arco da temporada e um dos melhores da série.
Outros pensamentos:
* Válido lembrar que em outros momentos, o preço que o universo paga pela existência do Doctor já foi abordado como plot point. De cabeça, me lembro de "Seeds of Death", arco do 4th Doctor e de um dos contos do livro "12 tales for 12 Doctors", conto que também é estrelado pela versão do Timelord interpretada por Tom Baker (mas com um twist muito legal).
- Todos os méritos do multiverso conhecido para a atuação de Maisie Williams. Incrível como Ashildr/Lady Me" são personagens completamente distintas de
Arya Stark. E o que demônios foi aquela cena da personagem diante dos dois berços vazios? Só não vou ser leviano de levantar a bandeira de "Ashildr como companion" pq é visível que o retorno dela vai criar traumas profundos em todos os envolvidos.
** Se existe uma constante na série é que "imortalidade é um fardo". Culto como o 12th é, ele deveria ter lembrando de "Entrevista com o vampiro" e dos riscos de tornar alguém eterno. Principalmente alguém tão jovem.
*** Vou chutar uma teoria aqui, só pra não guardar comigo e correr o risco de ninguém acreditar em mim quando eu disser que sabia o que ia rolar, caso se confirme: A companion não pode apenas ir embora, aparecer velha ou morrer, pq isso já aconteceu antes então, correndo o risco de errar feio, acho que
Moffat vai dar uma subvertida em algo que ele fez em "
The name of the doctor" e mostrará a versão que conhecemos da Clara se dividindo de novo no tempo mas, dessa vez, com fragmentos de si dentro de cada uma das companions que já passaram pela longa vida do protagonista. Meio que uma "fôrma morfogenética", um imperativo conceitual universal que determina que enquanto existir um doctor, vai existir uma companion (pensem, mais ou menos, no final de
Madoka).
- Sobre o leão: estranho Steven Moffat nao ter conectado Leandro aos
Tharils, raça de humanóides leoninos que apareceu na série clássica. Não é nem como se fossem personagens menores, já que esse é o penúltimo (acho) arco do 4th Doctor, além de ser a história de despedida de
Romana II, minha companion favorita de todos os 50 anos de série.
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Biroc |
- Preciso dizer: sempre fiquei com a impressão de que o 9th e o 10th Doctors não gostavam de Jack Harkness. "Toleravam" talvez seja a palavra aqui. E nem é pela tensão do personagem com Rose, mas pelo mesmo tipo de problemática que impediu o personagem de levar Ashildr consigo como companion.
- E afinal, o Doctor estava certo ou errado quanto à levar ou não Lady Me consigo? Minha opinião? Sim, ele é responsável pela guria e não sei o quanto o argumento que ele utilizou me soou crível (principalmente considerando que ele aceitou carregar o Capitão Jack com ele pelo espaço-tempo. Lady Me matou inimigos? Jack Harkness matou crianças. No plural. So..... ).
- Uma ultima reflexão sobre os títulos dos episódios: vcs notaram como ambos, juntos, causaram uma inversão de expectativas? Pelos nomes, imaginamos que "the girl who died' teria um tom sinistro que seria amenizado pela história da "the woman who lived". Mas não. Morrer é uma habilidade. Viver eternamente é um fardo. Citando Long John Silver de "A Ilha do Tesouro", "sortudos são os que morreram". Indeed, captain. Indeed.
- Alguma dúvida de que o episódio de amanhã vai ser o de maior tom político da série moderna?