quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Black Mirror - Season 03



Depois de uma sessão de binge watching que durou tudo um sábado e o começo de um domingo, eu e Stella assistimos os 6 episódios da recente 3ª temporada de Black Mirror, série britânica de Charlie Brooker. O autor é um daqueles snipers culturais que, tal qual Trey Parker e Matt Stone, utilizam da TV pra discorrer sobre tudo aquilo que fundamentalmente não funciona na nossa sociedade. O trabalho anterior de Brooker, "Dead set" é, pra mim, o melhor uso do mito do zumbi como forma de crítica social já feita, junto com os clássicos de George Romero. E Black Mirror segue junto, agora discorrendo sobre os riscos potenciais de nossa relação com a tecnologia. 
Se vcs nunca viram a série, recomendo irem atrás do episódio de estréia completamente ás escuras, sem ler nada sobre. Creiam-me: por mais que a série mantenha o nível lá em cima, o choque do episódio de estréia é algo único exatamente por te pegar de guarda abaixada. 
Quem quiser conhecer, aproveite que
a) Os episódios tem mais ou menos uma hora de duração, mas as temporadas anteriores são bem curtas, com 3 episódios cada (e mais um especial de Natal lançado ano passado)
b) com a nova temporada, os episódios anteriores foram disponibilizados junto, lá no Netflix. 

So, sem mais delongas, falemos da season 03 de Black Mirror (com quantidades moderadas de spoiler, então, recomendo a leitura apenas pra quem já viu os 6 episódios mais recentes - ou pra quem simplesmente não se importa com spoilers):


6 - Playtest



Vejam bem: um episódio mais fraco de Black Mirror ainda é melhor que o ponto mais alto em termos de qualidade de MUITA série mais mainstream. Isso posto, já que decidi adotar o formato de ranking aqui, inevitavelmente alguém tem que ficar no fundo da lista e o escolhido foi esse aqui por um motivo simples: pq os demais me parecem melhores. Só. A trama do rapaz que funciona como beta-tester/guinea pig de um novo jogo de terror em RV é bem boa e, como todo mundo que já viu filme de terror ou já teve um pesadelo sabe por experiência própria, antecipar um susto ou momento de terror não significa que vc ficará imune a ele. O episódio soube construir tensão e, apesar do final poder ser antecipado sem muita dificuldade (depois de "O 13º andar" e "Matrix", não tem jeito, toda aventura que envolva realidade virtual já vem com a teoria de "matrix inside a matrix" associada). Mas o seriado merece elogios, afinal, mostrou que, mesmo num mundo de aranhas gigantes e demônios à espreita, existem medos paradoxalmente menores mas MUITO maiores. 

5- San Junipero



Man....eu queria gostar desse episódio pra caralho. Mas confesso que, apesar do fell good que ele imediatamente causa depois que vc termina de vê-lo, quanto mais penso sobre ele, mais concluo que ele é não é pra mim. Sim, a história de amor de Yorkie e Kelly é bem legal, eu shippei pra caralho. Mas confesso que não costumo me conectar à histórias que tentam rasgadamente apelar ás minhas emoções. Hey, admito completamente: o problema é comigo. Enfim, achei a idéia de pós vida criado pelo homem fascinante, mas entendi que o episódio não era sobre isso, e sim sobre o drama das duas garotas.  De novo: um bom episódio, com forte carga emocional e um bom elenco mas que, como discussão sobre a interação homem-tecnologia, ficou devendo. (Mas preciso dizer: gosto da redução mundana daquela dimensão causada pela cena final, em que vemos que o "heaven in a place called earth" é, apenas, uma sala com vários servidorezinhos piscando mecanicamente e de forma constante). 

4 - Shut up and dance



Sinto que esse episódio é um "irmão mais novo conceitual" do episódio de estréia da série. A trama envolve um guri, que depois de usar seu computador pra ver pornografia e se masturbar, descobre que foi filmado secretamente enquanto praticava o ato e se vê obrigado a seguir as ordens de uma figura sinistra que lhe manda msgs no celular. Caso contrário, o vídeo vai ser publicado online. O tema da "revenge porn" é mais pertinente que nunca e, dia sim e dia tb, a gente vê gente tendo que lidar com as consequências de vídeos de caráter privado publicados sem permissão. Mas confesso que esse episódio só tem a força que tem depois que vc é golpeado com a revelação final. Durante, devo confessar, fiquei pensando "mas peraí, vc vai provavelmente MATAR um ser humano e acabar com a sua vida apenas pra que um vídeo seu ´se aliviando´ não seja publicado?" Por mais que seja um adolescente e a gente sabe que adolescente adora super-dramatizar as coisas, além do fato da percepção de mundo de alguém nessa idade ser muito moldada a partir da visão que seus iguais tem dele, mais do que em qualquer outro momento das nossas vidas, a coisa me pareceu exagerada num nível do absurdo.
Mas aí vem a revelação final e........... tudo que a gente pensava, toda percepção que tínhamos daqueles personagens e de seus algozes se altera radicalmente. 

3 - Hated in the nation



Grandes eventos ainda me levam ao twitter. Escrevo isso dia 31/10/2016, cerca de pouco mais de 15 horas depois da apresentação do Hell in a cell 2016, evento de luta livre da WWE marcante por ter seus main events ocorrendo, como o nome indica, dentro de uma jaula de metal. E, como de praxe, vi boa parte do evento com o celular do lado, vendo as atualizações sobre o show surgindo, momento a momento, na rede social dos 140 caracteres, e fiz isso pq, convenhamos, pra isso, o twitter é bem divertido.
E, de qualquer forma, entro de tempos em tempos lá pra linkar matérias aqui pro blog. Mas tenho evitado, cada vez mais, me perder vendo a minha timeline por duas razões: primeiramente, pq existe uma cota do quanto um ser humano pode aguentar de gente tentando ser engraçada escrevendo como um retardado em capslock. E dois: pq inevitavelmente, com o tempo, as piadas internas, os hábitos coletivos e tudo mais, o negócio vai virando uma "comunidade fechada", quase um mundo à parte, como aliás funciona com toda rede social.
E com isso, vem o pensamento de manada, os tiques que os maiores trend-setters dentro dessas redes desenvolvem e que vão ser assimiladas pelos demais e as verdades que alguns dizem e outros saem repetindo, como se fossem paradigmas talhados em pedras de lei. E, tal qual como ocorre com as piadas de twitter, existe uma cota do quanto um ser humano consegue aguentar disso. Hated in the nation fala fundamentalmente sobre isso, sobre gente utilizando tecnologia como forma de dar voz à essa manada sem rosto. Disfarçado de procedural policial, "Hated in the nation" nos apresenta as agentes britânicas Karin (Kelly McDonald) e Blue (Faye Marsay) tendo que investigar um misterioso caso envolvendo uma jornalista, em desgraça após uma coluna maldizendo um ativista paraplégico, que apareceu morta. Em seguida, um rapper, impopular após um momento em que emitiu uma opinião sincera mas um pouco negativa sobre um fã, aparece morto nas mesmas circunstâncias. A partir daí, Charlie Brooker aponta o dedo pra GENTE, usuários de twitter, facebook, tumblr e etc, etc, etc... E mais além, pra quem quer que já tenha se escondido atrás do pensamento de rebanho, pro bem ou pro mal (afinal, não nos esqueçamos, da mesma forma que é fácil bancar o troll e ser um cretino com estranhos quando vc não tem que mostrar o rosto, da mesma forma, é fácil bancar o ativista e dizer a coisa politicamente correta apropriada quando vc sabe que vai ter mó galera pra bater palma em tua direção, dar like e mandar msgs imbecis do tipo "a-ha-zô"). Até pq, fundamentalmente, o elemento que conecta o bolsominion acéfalo do SJW é o mesmo: saber que tem o respaldo de uma multidão pronta pra lhe oferecer aprovação, ajuda e, se for o caso, lhe jogar um ossinho como recompensa (e se isso soar inclusive como auto-crítica, é pq não deixa de ser).
Um elenco muito bom, roteiro afiado e uma conclusão que deixaria Rod Serling, de Twilight Zone, com um sorriso no rosto.  Antes de qualquer coisa, "Hated in the nation" nos lembra que tecnologia, como qualquer ferramenta, não é boa ou ruim. Pessoas, são boas ou ruins. 

2 - Men against fire



Me mantendo no tema do episódio acima comentado: percebam como um dos elementos mais notávies de uma rede social é o lance de um "inimigo" a ser desprezado. Twitters não gostam de usuários de facebook ("a outra rede social"), que por sua vez não gostam dos utilizadores da rede do passarinho azul, como se não fossem as mesmas pessoas que usam AMBAS. Pq isso? Pq nada fortalece mais uma comunidade do que a idéia de uma comunidade rival a ser combatida. O que nos traz a um dos conceitos desse episódio: a alteridade. A idéia que temos de "nós vs. o 'outro'". No episódio, somos apresentados a um grupo de militares envolvidos numa missão de extermínio total contra um grupo conhecido como "as baratas". Quando vemos essas criaturas, elas parecem mutantes, quase como zumbis. Mas claro que nem tudo é o que parece.
É válido considerar também que existe um segundo tema aqui (e que vai se repetir no episódio seguinte a esse, "Hated in the nation"): atos tem consequências. A questão passa a ser: e se vc pudesse não ter que conviver com as consequências de uma decisão ruim, mas sob o risco - ou nesse caso, a certeza - de que esquecer seus erros significa ter que repeti-los pelo resto da vida? Ignorância é uma benção? Pra quem, kemosabe???


1- Nosedive



Eu consigo entender quando pessoas afirmar que as críticas desse episódio soam velhas. Eu consigo compreender quando alguém aproxima a msg final de Nosedive, episódio de estréia da season 03 de Black Mirror, de algo muito parecido com aquela placa imbecil em bares e ambientes do gênero pedindo pras pessoas "desligarem o celular e conversarem entre si". Eu juro pelo Deus em que não creio que entendo que os 5 episódios anteriores acertem mais a mão em termos de crítica ou mesmo tecnicamente. Mas vejam bem: eu tenho um blog. Eu sei como é burilar um texto ou querer desenvolver um tema pra atingir um número maior de leitores. Eu sei como é se preocupar com métricas e estatísticas e clicar em "compartilhar" no google + e imediatamente ir checar o número de visualizações e comparar números pra ver quais horários atraem mais gente e minucias do tipo. Numa proporção bem menor que a da protagonista do ep., mas eu sei um pouquinho sim como é isso de redes sociais ocuparem uma posição de relativo destaque na sua vida (e isso que eu nem blogueiro profissional sou....). Claro que, no mundo em que Lacie (Bryce Dallas Howard) vive, isso é um pouco mais justificável, já que, nele, as pessoas recebem notas constantes em um app social. A diferença é que a coisa supera o nível do mero ego já que, as notas que cada individuo tem determinam não sua popularidade na supra citada rede social mas na vida em geral. Pessoas com notas maiores possuem maior mobilidade profissional, possuem facilidades de crédito e preferencias em produtos e serviços. 
Se no nosso mundo, nossas vidas já são, em maior ou menor proporção, moldadas para parecermos constantemente felizes, bonitos e "de bem com a vida" no facebook, imaginem se toda sua vida social, profissional e econômica, dependesse disso. Como disse, a coisa poderia descambar pra crítica velha e extremamente tendenciosa do tipo "desligue o celular e vá ler um livro" ou qualquer outra besteira. Mas o tom de caricatura do episódio confere certa leveza ao tópico. E como já afirmei acima no texto sobre "Hated in the nation", a tecnologia é tão boa ou ruim quanto as pessoas que a utilizam então, a coisa fica menos sobre uma percepção quase ludita dos riscos de nossas vidas virtuais e mais sobre o que estamos dispostos a fazer pra que a percepção que terceiros tem a nosso respeito seja a melhor possível e o quanto estamos dispostos a nos desassociar de tudo aquilo que verdadeiramente somos em troca de likes e RTs. E o final "feliz" é tão bonitinho.... :-)


Nenhum comentário: