quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Doom Patrol S01e01 e e02 - "What the fuck????"



Lembro-me de uma citação feita pelo Paulo Ricardo, o músico (quem mais?), registrada na contracapa de uma das edições da finada revista Herói, já em sua fase tardia, no final dos 90, começo dos 2000, que acho interessante resgatar aqui. Ele diz que "O Homem Aranha está para os Beatles tal qual o Demolidor está para os Rolling Stones".



Acho que esse quote me ajuda a deixar mais gráfica minha opinião sobre as gritantes diferenças entre Umbrella Academy e Doom Patrol. A fonte das duas bandas é a mesma, rock britânico dos anos 60, mas a partir daí, pelo menos no que tange à percepção pública das duas, elas seguem caminhos opostos. Os Beatles são os caras limpinhos. Os Stones, os drogados sujos. O Fab Four é a banda que tu imagina a garota de 15, 16 anos ouvindo. Os Stones? O rocker escroto que só sobreviveu aos 20 anos por pura sorte. Os Beatles epitomizam o sonho dos anos 60. Os Stones cravam, em Altamont, o fim desse sonho. Um é "I wanna hold your hand". O outro é "Gimme shelter". Esperança no futuro vs "carpe diem pq é só o que temos". All you need is love vs Paint it black. 
A analogia se aplica quando me refiro às duas séries recentes de super heróis lançadas em 2019. As duas fogem da forma e quebram o estilão "monstro da semana de baixo orçamento" de Arrow, Flash e do "realismo meh de baixo orçamento" oriundas da parceria entre marvel e netflix. Mas a partir daí, elas escolhem rotas distintas. Ambas bebem de fontes que primam pelo sense of wonder, pela estranheza, por representar o potencial do quanto maravilhosamente esquisitos os quadrinhos podem ser, e pq SÓ eles podem ser estranhos DESSA forma, de um jeito que cinema e séries de tv jamais conseguiriam ser. A série da Netflix pega essa weirdness tunada no 11 e reduz o volume pra algo mais palatável pro publico médio. Doom Patrol?



Doom Patrol toca o foda-se e mete, logo no segundo ep., uma barata cristã chamada Ezekiel que, diante do oblivio humano, canta louvores para Deus enquanto amaldiçoa a, até então, espécie dominante. Hell the fuck yeah, guys. 
Os filhos adotivos de Reginald Hargreeves seriam, nessa analogia, os X-Men. Os mutantes amaldiçoados, depressivos, almas torturadas, que poderiam ser capa de revistas de moda e podem andar tranquilamente em ruas tumultuadas sem grandes riscos.
Já o elenco da série da DC? Os morlocks, os ferrados, os malditos, os espíritos quebrados. Aquele pessoal que sua mãe conservadora te avisou pra ficar longe pq "é gente que não presta".  Umbrella Academy é o menino punk vestindo roupas tradicionais pra "não ofender ninguém". Doom Patrol? É o irmão mais velho deste, de moicano, grampo cravado no rosto e com os dedos tatuados com a frase "Pure Rage". Confrontacional, sem medo e/ou vergonha alguma de beber da fonte que bebe. 
Enfim, longo preâmbulo pra dizer que gostei pra caralho dois dois episódios já lançados da Patrulha do Destino. O piloto, inclusive, me prendeu mais do que o de Legion, pra mim, a melhor série baseada em quadrinhos de super heróis e a melhor coisa que a fox já fez com a franquia mutante, cinema E tv. 





A série., baseada nos quadrinhos de mesmo nome, mostra as bizarras aventuras do time formado por Cliff Steele, Crazy Jane, Larry Trainor, Rita Farr e Ciborgue, sob a tutela do Chief, Niels Caulder, enquanto tentam viver vidas relativamente normais, na cidade de Cloverton.



Desculpem, uma última comparação com Umbrella Academy, eu juro: se a série baseada no gibi da Dark Horse é mais econômica nas metáforas, construindo o conflito familiar lentamente até explodir no penúltimo episódio, aqui, não passa dos primeiros 5 minutos de programa até ele jogar na nossa frente sobre o que o show é: gente quebrada. O chief, além da cola que mantém todo mundo junto, é a figura paterna. Quando ele é raptado - e isso tá no ep. piloto e, portanto, é premissa, não spoiler - aquele núcleo se fragmenta. É o resgate da figura ausente que os junta novamente num objetivo em comum. É, tal qual Legion, sobre gente com habilidades superhumanas que nada mais são do que representações visuais de seus problemas psicológicos/emocionais (Cliff preso numa armadura - seu carro ou seu novo corpo - isolado do resto do mundo. Rita e sua dismorfia corporal agravada pelo medo dos efeitos da velhice. Larry e o conflito entre quem ele é e o estranho vivendo dentro dele mesmo. Jane, usando as múltiplas personalidades pra fugir da solidão do trauma. Ciborgue e a busca por perfeição física inalcançável - e por, através do respeito do pai, compensar pela ausência da mãe).



Niles e o oponente do grupo, o maravilhoso Mr. Nobody (Alan Tudyk, "a leaf in the wind") tb não escapam disso. O chefe da série é mais caloroso que o dos quadrinhos, então não sei se a metáfora vai se repetir, mas sua paralisia física era uma representação de seu problema maior, sua paralisia emocional, sua distância dos membros do time que ele mesmo criou.



E quanto a Nobody... bom, ele é o único ali genuinamente livre, liberto inclusive das dimensões físicas. Multifacetado e completamente confortável no corpo que possui (poderia falar mais, mas aí teria que dar spoiler dos gibis, então fica pra próxima). Menos um vilão do que, na real, um trickster, mais preocupado em mudar a visão de mundo das pessoas do que em dominar o planeta (e exatamente por isso, mais perigoso para os poderes que valem do que qualquer supervilão).



O elenco é afiadíssimo. O já citado Tudyk e Timothy Dalton...bom, lugar comum, eles são awesome. Mas goddamn, como o resto do time é incrível.




April Bowlby como a mulher elástica é um achado, constantemente passando pra quem assiste, a impressão de ser uma boneca de porcelana à beira de se partir em mil pedaços, escondendo a tensão atrás de uma fachada de empáfia.





Brendan Fraser como o Homem Robô e Matt Bomer como o Homem negativo não ficam atrás, tendo que usar apenas a voz para comunicar emoções, o que conseguem fazer com perfeição. Mais complicado ainda pra Fraser, já que, tal qual no gibi, Cliff é pra ser o nosso ponto de vista. O mais próximo do homem "normal" possível, servindo para representar o nosso olhar diante do universo de maravilhas e horrores que surgirão em sua jornada.




Diane Guerrero, a Jane, transita entre personalidades distintas com muita facilidade, indo do psicótico ao inocente em instantes, mudando tom de voz e linguagem corporal.



Por fim, Ciborgue. Não tenho muito o que dizer de Joivan Wade e seu Ciborgue, exceto que adorei o personagem, achei extremamente elegante de como fizeram sua "história de origem" no ep. 02 e tenho, mesmo sem ter visto o filme da JLA, certeza absoluta que, em 5 minutos de aparição, ele já tinha mais densidade e peso como personagem do que sua contraparte cinematográfica em duas horas de longa. Botaria dinheiro nisso, inclusive. :-)
Dá pra resumir os dois episódios em: o pai de um bando de crianças quebradas some e elas vão atrás dele, mesmo com uma figura godlike dizendo pra eles fazerem o contrário. Expandindo isso, temos buracos negros surgindo em áreas urbanas, insetos coprófagos cristãos, segredos inconvenientes, a máxima de "palavras machucam" tornada fato....e, obviamente, um burro flatulento.



Pq eu sei que vcs estavam esperando que eu mencionasse o asinino gasoso em algum momento, certo? C'mon. 

Enfim, animei com essa série de um jeito que não rolava há....bom, nem tanto tempo assim, considerando que tb me encantei com Legion no começo do ano (falo mais dela no futuro).
Esse texto meio que vai funcionar como um resumão introdutório da série e, a partir da semana que vem, resenho episódio a episódio do programa, como já venho fazendo com Twin Peaks (vou voltar a escrever sobre, prometo) e Doctor Who (esse é mais complicado...). Sim, é bom nesse nível. 
Espero os senhores, então, pra vermos esse estranho grupo de misfits atingirem seu pleno potencial e, com eles, a série. 

A seguir: fantoches e nazistas no Paraguai.


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