Talvez não seja uma surpresa, já que venho falando sobre isso no twitter faz dias, mas decidi tirar os próximos meses para mergulhar fundo na cronologia dos X-Men. Não tive muitos gatilhos desencadeadores para a idéia, exceto que o pensamento me ocorreu enquanto eu assistia a clássica cine-biografia de Malcolm X do Spike Lee.
Eu fiquei um bom tempo sem ler os gibis mutantes, já que em determinado momento tava claro que a própria Marvel não dava a mínima pra equipe, agora sob a diretriz de apenas dar espaço para personagens cujos direitos estivessem sob o controle da Disney, visando futuras adaptações transmidiáticas e demais idéias de licenciamento. No entanto, com isso resolvido - porque, afinal, benditos sejam os loopholes legais que permitem a existência de monopólios funcionais - chegou a hora dos discípulos de Xavier voltarem aos holofotes. "Dawn of X" veio como "O" projeto que devolveria os personagens à seu lugar de glória e, isso posto, me pareceu um bom momento para checar como chegamos até aqui.
Pelos próximos meses vou, de forma meio aleatória, saltar pelas décadas de cronologia dos membros do Instituto Xavier, lendo pela primeira vez algumas histórias e revisitando outros momentos clássicos.
E já que vamos começar de algum lugar, porque não do começo?
UNCANNY X-MEN #1 a #3
Preciso dizer que foi uma leitura surpreendente. Longe de mim desmerecer Lee e Kirby mas eu sinceramente achei que eu iria achar o texto datado ou rir dos elementos que não envelheceram tão bem e, não me entendam errado, eles estão lá. Mas a leitura foi bem mais fácil e fluída do que eu esperava.
A primeira edição abre com um quadro com o prof. X sozinho.
A pedra fundamental. Antes de franquias de cinema, games, referências na cultura pop em geral. Antes de zilhões de títulos e sub-títulos.
Tudo começa com o prof. Xavier. Alguns quadros depois e somos apresentados a 4 dos 5 membros originais do time, com o quinto membro, Jean Grey, aparecendo alguns momentos depois, servindo como a nossa porta de entrada para aquele universo de sci fi e seus altos conceitos.
Na edição que abre a série, o oponente é, como de se esperar, Magneto. O surpreendente aqui é ver personagens que hoje são minions ou, pelo menos, de segundo ou terceiro nível, aparecendo como oponentes ameaçadores: Vanisher, Blob, Mímico. Blob, inclusive, representa uma ameaça bem maior que o mestre do magnetismo.
Os dois primeiros números estão mais interessados em introduzir conceitos então, soa meio abrupto como, a partir da terceira edição, o foco passa em desenvolver as personalidades dos heróis: Xavier é o tutor. Scott, o líder do time, deprimido. Hank, que até então era só um macacão metido a comediante, aparece usando polissílabos, lendo clássicos e fazendo citações em meio aos combates.
Warren é o playboy com a cabeça, literal e metaforicamente, nas nuvens. Bobby, o mais novo, é o alívio cômico. E Jean oscila entre a powerhouse do time e a obrigatória "dama em perigo" dos anos 60.
E sim, chega a ser desconfortável como os meninos do time objetificam a moça sem nenhum pudor. Eu sei, era a época e tals, mas...
Eu sempre pensei que Grant Morrison estivesse exagerando em seu manifesto de intenções que abriu sua fase em New X-Men, mas me vejo concordando com o escocês: de fato, tudo que viríamos a amar na série já estava ali desde o começo, ainda que num estágio mega larval.
Mesmo os elementos políticos não demoram a aparecer, ainda que isso só ganhe um pouco mais de força - e ainda num nível de mero subtexto - na segunda edição. Mas está lá, então, pra quem acha que inserir elementos do mundo real nos quadrinhos é coisa de "lacrador" moderno: se preparem para decepções.
Uma leitura fácil, agradável, não sem sua cota de problemas de representação típicos da época, mas ainda assim, cativante. E um manancial de conceitos para mexer com a cabeça de qualquer fã hardcore de ficção científica. Que viriam a ser utilizados com níveis diferenciados de sucesso pelas décadas seguintes, mas até aí, normal em qualquer obra serializada de longa duração e com toneladas de cronologia. O ponto aqui é observar o quão especial era essa jóia ainda em estado bruto e ver que, por mais que vários artistas viriam a introduzir novos conceitos e se debruçar com mais cuidado sobre alguns que já estavam lá, o básico, o núcleo duro do que fez os quadrinhos dos X-Men algo eterno já se fazia presente na página de abertura do título.
O resto é história.
Alguns outros detalhes:
- Adolescentes agindo como adolescentes é sempre algo refrescante de ver, considerando como a mídia adora mostrar o público pré-teen e teen como "pequenos adultos".
- Okay, certos elementos envelheceram bem, certos envelheceram não tão bem. E, no final dessa lista, temos Xavier descrevendo Jean como "uma adolescente muito atraente" e um balão de pensamento em que ele se refere a ela como "the one I love".
Isto, obviamente, não foi nem remotamente mencionado nos números seguintes e eu não vou ficar de forma nenhuma surpreso se for um daqueles tópicos que a Marvel só convenientemente jogou debaixo do tapete da História.
- Aliás, literalmente TODO MUNDO parece sentir "coisas" pela ruiva, com a exceção inicial - porque isso é desfeito já no número 2 - de Scott, o que, em retrospecto, é bem engraçado.
- Curioso como Xavier conecta sua mutação ao fato de seus pais terem sido cientistas envolvidos na criação da Bomba atômica. De fato, filhos do átomo.
- Válido notar como "apagar a memória alheia" é um recurso cujo uso não causa muita hesitação por parte do professor Xavier.
- "Erros são coisa de homo sapiens" é uma frase digna de tatuagem.
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