terça-feira, 1 de março de 2016

This is your cosmic wake up call - Evangelion, Flex Mentallo e o marco zero evolutivo. - parte 01



Yo, mothafuckers.... bem vindos a mais um post do Groselha on the rocks. Eu sou seu host e blogueiro, até deposição, Hak, o Urso e hoje.....

assim, tipo, este tinha pretensões de ser APENAS um postzinho mais reflexivo contrapondo duas obras de cultura pop que eu particularmente achava que tinham temas parecidos. E no entanto, horas, e horas, e horas e Jesus Cristo, bota horas de pesquisa depois e um texto gigante de quase 20 paginas descartado, eu posso ter feito um texto tão complicado, que vou ter que dividi-lo em 3 partes. Não, vejam bem, não estou exagerando: a proposta aqui é falar de forma detalhada de duas séries que, de forma particularmente memorável, tentam desconstruir a cultura da desconstrução que assola a industria a que pertencem...

....e sim, eu sei, se minha idéia é falar dessas obras e descrever as engrenagens por trás do processo que faz ambas as séries funcionarem, na verdade o que eu proponho é fazer uma desconstrução de duas obras que tentam desconstruir uma mentalidade desconstrutivista. YAY, PÓS-MODERNISMO!!!!!!!!

mas vamos por partes:

ok...1960

Diego Maradona e Ayrton Senna nascem, Elvis volta do Vietnã, o Sputnik I é lançado, "Se meu apartamento falasse" ganha o Oscar de melhor filme (muito merecido se me permitem o comentário. Jack Lemmon tá foda nesse filme), vencendo inclusive "Spartacus", do Kubrick.
E entre acontecimentos mais e menos importantes, nesse mesmo ano, com alguns meses de diferença, duas jovens senhoras vão dar a luz a dois bebês que vão se tornar referência, alguns anos mais tarde, em seus respectivos campos de atuação.




Em Glasgow (Escócia), no dia 31 de Janeiro nasce Grant Morrison




Alguns vários quilômetros de distância dali, mais precisamente na cidade japonesa de Ube, em 22 de Maio de 1960, nasce Hideaki Anno. Apesar de todas as óbvias diferenças entre seus respectivos locais de origem, a juventude de ambos os jovens foi relativamente parecida: instabilidade política, medo de um possível ataque nuclear, fruto da tensão entre americanos e soviéticos, rebeldia popular e, como geralmente acontece, fuga através da arte.





Então, temos a profissionalização (Anno vai estudar na Universidade de arte de Osaka e Morrison vai lançar, ainda antes dos 18 anos, seus primeiros trabalhos na "2000 A.D.", antologia britânica de histórias de sci-fi e fantasia).
Em um determinado momento ambos começam a ganhar algum reconhecimento e se aliam aos grandes da indústria (Morrison vai pra DC e Anno vai trabalhar com Hayao Miazaki). Em termos de personalidade não poderiam ser mais distintos. Anno, introspectivo pra cacete. Morrison....bom..... líder de banda, viajando pelo mundo, mago caoísta, mais de uma vez descrito como "um dos poucos rock stars dos quadrinhos". 
E aí, vejam bem, com menos de um ano de diferença (ok, repitam comigo: "não existem coincidências") vão ser lançadas as duas obras sobre a qual pretendo discorrer neste humilde textinho: "Flex Mentallo", provavelmente minha obra favorita de Grant Morrison, e "Neon Genesis Evangelion", o anime mais importante da década de 90. A idéia é entender o que torna as duas série tão complementares e como dois autores de contextos tão diferentes podem ter dito coisas e denunciado falhas da industria a qual se inserem (a de cultura pop) de forma tão parecida, apesar de suas distinções.
Mas antes, um resuminho de ambas as séries. Quem já conhecer ambas pode pular sem problemas:

FLEX MENTALLO




Ok, comecemos com a série americana: "Flex Mentallo" é uma mini série americana em 4 partes lançada entre Agosto e Novembro de 1996, pelo selo Vertigo da DC Comics. Flex, o personagem, aqui foi resgatado de uma aparição prévia feita na série Doom Patrol, de criação também do Grant Morrison. Segundo o autor, o personagem foi inspirado na figura de Charles Atlas. 




Leitores brasileiros das antigas devem se lembrar que nos gibizinhos da Abril, entre uma propaganda de refrigerante e outra do instituto universal brasileiro, tinha uma propaganda de um método pra vc se tornar uma montanha de músculos capaz de fazer inveja a qualquer Incrível Hulk que porventura encontrar. Pois bem, Charles Atlas vendia um programa de musculação parecido, capaz "de torna-lo um verdadeiro homem" e "mudar sua vida".



A imagem de cima é uma propaganda real do método de Charles Atlas. A de baixo, a origem de Flex Mentallo, tirada de uma das edições de "Doom Patrol"

Grant Morrison usou os quadrinhos que faziam propaganda pro programa de musculação de Atlas como inspiração (de forma nada sutil) para construir a origem do personagem: tal qual o pobre Mac que protagoniza a hq de Atlas, o Mac de Morrison também sofre bullying de um valentão numa praia e perde sua garota pra ele. No entanto, ao invés de técnicas de musculação, ele vai usar de um obscuro método ensinado a ele por um alienígena de como fortalecer-se mentalmente e, por consequência, fisicamente, a ponto de se tornar um super herói. No clímax de sua participação na Patrulha do Destino, Flex flexiona seus super músculos para mudar o formato do Pentágono (sim, o prédio militar norte-americano. Não, não perguntem, impossível resumir qualquer momento da Patrulha do Destino. Sim, é estranho a esse ponto).
Atlas, ao descobrir que o personagem existia, obviamente não gostou da "homenagem" e processou a Dc Comics, o que fez com que a mini-série do personagem fosse proibida de ser republicada e se tornasse item valiosíssimo entre os colecionadores do planeta, chegando a valores altíssimos em sites de venda e comic shops. No entanto, ano passado, o imbróglio legal foi resolvido entre ambas as partes e a mini voltou a ver a luz do dia. E sobre o que fala a minissérie, você me pergunta....




Ok,  é complicado falar da revista porque ela funciona em diferentes camadas, mas as duas principais são
a) Flex, ultimo super herói do seu mundo, precisa reencontrar os demais super humanos, entre eles os membros da Legião das Legiões, principal super time dessa dimensão, para investigar a ação de um vilão (ou vilôes) que tem causado panico ao provocar pseudo-atentados em locais públicos. "Pseudo" porque eles deixam bombas extremamente cartunescas que obviamente não causam dano nenhum, excetuando o panico generalizado.




b) Numa dimensão que pode ser a nossa, Wally Sage, criador da história em quadrinhos de Flex Mentallo (sim, eu sei) se encontra a beira da morte depois de uma tentativa de suicídio. Acompanhamos o personagem ao telefone com uma linha de auxilio a suicidas no que podem (ou não) ser seus momentos finais.




Ainda tem mais um layer nessa história, mas eu falo dele mais adiante.

Falei das características narrativas, agora vejamos o aspecto metalinguístico da trama:  cada edição da mini-série se foca em uma determinada era das HQs de super heróis norte americanos e o estilo de narrativa se adapta a essa era. Na primeira edição, ela segue o tom dos quadrinhos da era de ouro, que vai do lançamento de "Action Comics #1" em 1938, primeira aparição do Superman, até "The Flash #123" de 56, com a primeira aparição do novo Flash, Barry Allen. A segunda vai se focar na era de prata dos quadrinhos, marcada com o surgimento da Liga da Justiça e uma nova leva de super heróis (o que inclui também o surgimento da Marvel Comics) e vai (apesar de controvérsias) até "The Amazing Spider Man 121" publicada em Junho de 73, que traz o arco da morte de Gwen Stacy.
A terceira edição se concentra no que Morrison chama de "Era das Trevas", cujos marcos iniciais foram o lançamento da crise nas infintas terras e das Graphics novels "The Dark Knight returns" em 1986 e "Watchmen", no mesmo ano.
Por fim, a ultima edição narra a chamada era do "renascimento" (falo mais adiante, quando for pertinente)
E é nessa camada da história que ocorre a intersecção com a trama de Eva, da qual falo a seguir.

NEON GENESIS EVANGELION


Da esquerda pra direita: Misato, Asuka, Shinji, Rei, Gendou e Ritsuko

Série de 26 episódios exibida entre final de 1995 e começo de 1996 pela Tv Tokyo. Produção da Gainax.
Resumir Eva vai ser um inferno, mas vamos tentar: Shinji Ikari, adolescente de 14 anos de idade, volta para Tokyo a convite do seu pai, Gendou, depois de anos sem vê-lo. O mundo em que a história se passa, está se recuperando de uma tragédia ocorrida no ano 2000, onde, teoricamente, um meteoro gigantesco teria caído num dos polos do planeta, aniquilando-o e causando o aumento do nível do mar e varias mudanças geo-climáticas bruscas. Em 2014, ano em que a série se passa, Gendou lidera a NERV, orgão militar japonês que sabe a verdade sobre a tragédia ocorrida uma década e meia antes: não foi um meteoro que teria atingido o planeta, mas o primeiro de uma série de ataques de entidades alienígenas que os humanos chamam de anjos. Temendo novos ataques, a NERV desenvolveu, a partir do corpo do anjo original, chamado Adão, 3 mechas gigantescos, que, pilotados por crianças de 14 anos de idade, deveriam funcionar como a principal linha de defesa contra os invasores. Shinji, como vocês podem imaginar, foi convocado para pilotar um destes mechas, denominados EVAs, junto com duas outras pilotos: a nipo-alemã Asuka Langley Soryuu e a japonesa Rei Ayanami. Conforme a história avança, no entanto, vamos descobrindo que o buraco é mais embaixo, com os ataques dos anjos e a ação da NERV girando em torno de um tal "Processo da instrumentalidade humana", plano este a respeito do próximo passo da evolução da humanidade. Conforme a história avança, a trama vai ficando mais e mais complexa, o custo pessoal pros protagonistas vai se tornando cada vez maior e ao final, tudo gira em torno de uma decisão que Shinji vai ter que tomar, no momento clímax da história.



A série foi um divisor de águas no mercado de animes japoneses. Até o 13º episódio, a série segue mais ou menos normal, como um anime de giant mechas comum, com os pilotos se unindo para enfrentar os ataques cada vez mais elaborados dos anjos. A partir do 14º ep., no entanto, a coisa descamba para um tom introspectivo e reflexivo parecendo com as sempre fantásticas viagens de obras de autores como David Lynch. Três fatores externos à obra contribuíram pra isso: primeiro, a Tv Tokyo, canal que exibia o anime, vai avisar a Gainax, meio em cima da hora, que o 26º ep. vai ser o ultimo. Além disso, Anno vai entrar num profundo estado de depressão no meio da produção (na verdade isso vinha de antes, com o fracasso de sua animação anterior, "Nadia, the secret of blue water"). E, além disto, vai concluir, nesse momento, seu curso de psicologia. Todos estes elementos vão confluir pra produção tocando o foda-se e assumindo um tom absolutamente novo pra série. Ao invés de porradaria e momentos de tensão decorrentes delas, os episódios vão explorar a psique dos personagens, com longos momentos de monólogos reflexivos a respeito de identidade, relação com os pais, vida e morte e, como já dito, o custo pessoal do papel dos personagens na guerra contra os aliens gigantes.




Assim como Flex Mentallo, a série também tem varias leituras, sendo que este post vai se concentrar em duas delas: a intrínseca a obra, sobre os personagens guerreando contra os inimigos e o desenrolar da historia, e a extrínseca a mesma, sobre como ela funciona como crítica a todo um sistema de coisas que Anno considera errada dentro da industria de entretenimento e da sociedade japonesa, em maior escala.

Notaram o padrão? bom, como eu já disse lá em cima, claro que notaram, mas me permitam esse momento, ok? Ambas as histórias vão criticar uma certa faixa do publico de seus respectivos países, muito, mas MUITO parecidas, com tons distintos, é bem verdade, mas de forma que as histórias meio que se complementam. 
O alvo da crítica é ninguém menos que...... o publico. Não todo, mas uma parcela do publico que lê quadrinhos, assiste animes e que, veja bem o paradoxo, alimenta essa mesma industria. Na terra do tio Sam, um dos nomes que esse grupo recebe é o de fanboys. Na terra do sol nascente, eles recebem o nome de otakus (não exatamente porque o buraco é um pouco mais embaixo, como trato a seguir, mas eu preciso me referir a eles de alguma forma então, por falta de termo melhor, vai esse mesmo). Mas a idéia geral é basicamente a mesma: jovens com idades de 17 até......30 e poucos? 40 e poucos? que consomem estes produtos distintos de cultura pop de forma obsessiva, a ponto de pode se dizer que esse consumo funciona de forma acrítica. Essa obsessão pode chegar ao limite da alienação onde tais pessoas trocam o contato humano pelos quadrinhos e desenhos, usando-os pra suprir esse vazio existencial. 

Vocês lendo isso sabem que esse não é um fenômeno que se restringe aos quadrinhos ou animes. É só observar a massa acéfala que sai passionalmente em defesa de empresas de videogame, à época do lançamento de algum novo console ou um novo titulo de maior importância. De forma indireta, essa parcela também é alvo aqui. Mas, como autores, inseridos num contexto especifico, Anno e Morrison se sentem mais confortáveis em centrar os disparos, de forma mais sutil, no caso de Anno e de forma mais rasgada, no caso de Morrison, nas industrias nas quais trabalham.
Ok, esclarecido este ponto, fica uma pergunta: como esse fenômeno surgiu? Supondo que ambos os autores não tenham inventado essa situação do nada, como as coisas chegaram ao ponto em que chegaram? 

CONTEXTO

Bom, pra descrever tal contexto com a justiça que lhe é devida, vamos ter que "pular" uma dimensão e nos focar no nosso mundo e em dois desvios de curva que ocorreram entre o final da década de 80 e meio da década de 90, em seus respectivos países, mas que vão definir o mercado de tal forma que podemos sentir os sintomas até hoje em dia. No caso dos EUA, o problema é um pouco menor, ameaçando "apenas" a industria de quadrinhos mainstream. No caso do Japão, no entanto, o problema é BEM mais grave, chegando á escala de epidemia social. Comecemos com os norte americanos, portanto, já que é um momento histórico mais fresco na minha memória já que, olhem só que legal, descrevi esse cenário no meu TCC.

Sim, crianças, titio urso vai poder citar ele mesmo neste post:




Na década de 1970, um dos fatos mais importantes da indústria de quadrinhos não estava relacionado com a produção, mas sim com a distribuição. Desde o surgimento das Histórias em Quadrinhos, elas eram vendidas em bancas de jornais, em regime de consignação. Desta forma, passado um mês, os donos de bancas reenviavam o material não vendido para as editoras. Em 73 surge aquilo que futuramente seria conhecido como o sistema de mercado direto. Neste sistema, os quadrinhos deixam de ser vendidos em bancas e passam a ser distribuídos em comic shops, lojas especializadas em Histórias em Quadrinhos e produtos correlatos (merchandising, produtos de RPG, vídeo games, etc.). As editoras enviam uma solicitação dos quadrinhos do mês e cada revendedor indica quais edições e em qual quantidade quer naquele mês. Dessa forma, qualquer possível encalhe passa a ser responsabilidade do dono da comic shop.
Se por um lado, o mercado direto possibilita menor risco para as grandes editoras e a possibilidade de visibilidade para editoras menores, havendo inclusive casos de editoras que produzem apenas para o mercado direto, por outro lado, alguns especialistas criticam o aspecto alienante destas lojas,



while at first the system seemed perfect for both Publisher and fans, there quickly developed (...) an economic micro world (…), a super hero ghetto. The economic health of all segments of the industry – mainstream, independent, and even alternative – became dependent on the Direct Market System, and when the system faltered in the 1990s, the effects would be devastating (DUNCAN; SMITH, 2009, p. 70)


Esta falha no sistema, ocorrida na década de 1990 se deu pela formação de um mercado especulativo de quadrinhos. Em virtude de casos como o da primeira edição da Action Comics ou da Detective Comics n. 27 sendo revendida por milhares – ou até milhões - de dólares, surgiu a mentalidade de se adquirir edições não visando a leitura, mas guardar para uma futura revenda, esperando que ocorresse igual valorização a que ocorreu com a Action Comics. Compradores compravam múltiplas copias de novos números das revistas publicadas na época. As editoras, por sua vez, alimentavam essa cultura publicando revistas com atrativos que deveriam chamar a atenção do público como capas variadas, capas com papel especial, com hologramas, revistas ensacadas num invólucro especial, etc.:

Collectively, they also produced more comic book titles than ever before. Marvel Comics alone was putting out about one hundred titles a month at the height of the boom. At the same time, comics were selling more copies than ever, and the launch of the Marvel’s new X-men in 1991 set an all time sales record with its 8 million copies sold. (DUNCAN; SMITH, 2009, p. 76)







Com o tempo, no entanto, os especuladores perceberam que este sistema não funcionava, ao tentar revenderem suas edições recentemente compradas e conseguirem um lucro insignificante. Neste momento, a bolha estourou. Estes compradores/especuladores pararam de comprar quadrinhos, o que deixou os estoques das comic shops com centenas de cópias que não seriam vendidas, levando algumas delas a falência. “By 1996, the number of comics retailers shrank from an estimated 10.000 shops to just 4.000 nationwide” (DUNCAN; SMITH, 2009, p. 77)




As editoras obviamente também foram atingidas com uma diminuição brusca nas vendas, consequência não apenas da crise dos anos 90, mas também da concorrência com outras mídias como os vídeo games ou a Internet. Hoje, as editoras se recuperaram do golpe mas as vendas nunca mais voltaram a atingir os números da década de 90. Em comparação:

The most popular comic book in January 2008, a re-launch of the Hulk, printed about 133.000 copies. The most popular comic from the same month in 1998, an issue of Uncanny X-Men, sold approximately 154,000 copies. This is a decrease of 14% in a decade. A generation earlier, Superman reported a circulation of 636,000 copies per issue!. (DUNCAN; SMITH, 2009, p. 77)

Apesar de ainda serem as duas maiores editoras dos Estados Unidos, hoje a principal fonte de renda da Marvel e da DC não são os quadrinhos, mas sim o licenciamento de seus personagens para outras empresas. “Consider, for example, that Spider Man brought Marvel a hefty $70 million licensing fee from Hasbro Inch, Just to make the toys marketed in conjunction with the film” (DUNCAN; SMITH, 2009, p. 92)


O fanboy arquetípico, essa criatura peculiar....
Ok, então resumindo: editoras de quadrinhos produzem mais, mas vendem menos. Comic shops diminuem consideravelmente e temos a formação de um nicho extremamente especializado. Como o autor citado acima previu, o resultado foi bem esse mesmo: os quadrinhos ficaram cada vez mais polarizados em direção a esse material mainstream da Marvel e da DC e o publico delas também se polarizou, com ambas mais focadas em satisfazer o publico fiel e mante-lo comprando seus títulos do que em ampliar esse publico (o que envolveria um numero considerável de decisões arriscadas a serem tomadas, coisa que desanima qualquer corporação grande).





Enquanto isso, no Japão a coisa é, como já afirmei, BEM mais séria. O fanboy japonês, já descrito aqui como Otaku (ok, time: otaku, não é o adorador de mangás, ok? Otaku é um fã, ponto. Tem otakus de mangás, otakus de videogames, otakus de história militar, etc, etc, etc), não é apenas um babaca consumista caga-regra como os norte-americanos. ele é um babaca consumista caga-regra que pode chegar a extremos de substituir qualquer contato humano real por figuras de acetato e produtos de merchandising decorrentes destes desenhos. Bonecas de PVC, travesseiros em tamanho humano com a imagem das personagens desenhadas. Diabos, o primeiro caso da história de um sujeito lutando legalmente para se casar com um personagem de quadrinhos vem de lá.  

Otakus em si não são o problema apenas. O que eu aponto como o "problema" aqui é o espectro que abrange a parcela mais extremada, entre eles os neets e os hikikomoris.

Ou pra evitar meias palavras (e muita dor de cabeça) porque eu odeio textos que não tomam uma posição clara: o problema aqui são os fãs de animes e mangás e HQs - e games e cultura pop em geral - que utilizam a ficção como

a) meio de fuga extrema da realidade
b) Janela pra um passado onde "tudo era melhor". Vocês sabem: gente que acha que memória afetiva sustenta o mercado e chiam quando há qualquer tentativa de renovação real (obviamente não me refiro aos malditos reboots e remakes). Sempre há necessidade de se renovar a industria de entretenimento de forma não só a atrair um novo público, mas também para podermos testar os limites da mídia e de como ela pode se reinventar e descobrir, por meio da tentativa e erro, formas de se reconectar com as pessoas em geral. Liberdade artística é bem legal. 
Sim, vai ter quem transforme a mídia através da qual está falando em veículo pra afagar o próprio ego, mas quando bem sucedidas, são as obras que tiveram liberdade de ousar que vão ficar na memória do público pelos anos vindouros, virando referência dentro da industria da qual fazem parte.  
c) como ferramenta fetichista e de poder, que acreditam que o proposito de tais mídias é satisfazer as suas fantasias e que acham que a industria tem a obrigação de tê-los como publico alvo majoritário  alienando o público normal e criando um nicho onde podem reinar sob seus critérios misóginos, reacionários, etc, etc, etc.... No oriente é o tipo de publico que assiste anime K-ON style, cheio de menininhas fofinhas e dóceis, meio chibi e levemente (ou pesadamente) erotizadas. 






No Ocidente, dando um exemplo claro (e nome aos bois): é o tipo de cretino que entra no fandom de "My little pony: friendship is magic", um produto pra meninas cheio de valores legais (para uma faixa etária que precisa de tais valores) e obviamente se apropriam dessa obra da forma mais negativa possível: criando material porn e adulto, hostilizando as garotas, forçando a industria a se adequar a eles (sim, eu me refiro a "Equestria Girls").  




Enfim, passam a agir como um nicho babaca a ponto de uma garotinha fã da Pinky Pie ou da Rainbow Dash não poder fazer uma busca no Google sobre o desenho sem ser soterrada por toneladas de material fetichista distorcendo quase todos os valores legais mencionados acima. Não tô criticando os meninos Bronies legais - que existem e gosto, arrogantemente, de pensar que sou um deles - mas sim aquela massa que estraga tudo, vejam bem, TUDO. E o que eu disse usando "Mlp" como exemplo vale pra qualquer fandom....

Sério, eu odeio fanboys...muito... MESMO.... 

wow, tinha que tirar isso do peito.....

Espero não ter alienado nenhum possível leitor com esse paragrafo. 

Alias, esqueçam, se alguém se ofendeu com isso, mereceu e espero que não volte.  Otaku/Fanboy babão é o ultimo tipo de pessoa que eu preciso lendo meus textos. Enfim.....voltemos ao Japão: 

Estudos recentes apontam pra uma queda brusca na taxa de natalidade do país, que vem junto com uma uma diminuição no consumo interno. Obviamente isso não se dá apenas por causa dos neets e hikikomoris,e, enfim, pela parcela de fãs do mercado de cultura pop japonesa que se encerram nela de forma quase permanente e constante, mas a parcela destes dentro da sociedade japonesa já é grande o suficiente para alarmar as autoridades....... 

MAS...........devemos ressaltar que estes podem apenas funcionar como um gigantesco lembrete de que KARMA IS A BITCH, pras mesmas autoridades que suam frio pensando neles. Explico o porque:

Era uma vez um país no leste asiático chamado Japão. O Japão, depois de tomar duas bombas nucleares na cabeça ao final da II guerra mundial, enfrentou anos de extrema pobreza, somente se recuperando graças a postura de extremo altruísmo (incentivada pelo governo, obvio) de seu povo, que se submetia a condições extremamente insalubres e jornadas de trabalho exaustivas, tudo pelo bem coletivo. 




Com essa mentalidade, somada a ajuda financeira de países como os Estados Unidos, investimento na educação e na área de tecnologia, o Japão foi devagarzinho se recuperando até se tornar uma potencia. Na década de 80, o iene já era a segunda moeda mais valiosa do planeta. O consumo interno girava muito bem, homens entravam em empresas com a certeza de uma carreira de vida toda, havia a inserção de mulheres no mercado de trabalho (ainda machista pra caralho, com salários menores pra elas, mas ....), tudo ia bem. Os donos de empresas, então, tentando surfar nessa onda de progresso e desenvolvimento, resolveram transformar os ativos das empresas em ações, e na época, e desde sempre, e até hoje, terra é um bem caríssimo no país. Pra quem não sabe, tipo, menos de 20%  do território japonês é de terras habitáveis, portanto, qualquer espacinho lá vale ouro. Pensando nisso, as corporações começaram a investir em ações imobiliárias. os bancos passaram a aceitar tais propriedades como garantia de empréstimo e tudo ia lindo maravilha.....até os especuladores perceberem que podiam ganhar dinheiro fácil nesse cenário...




"em 1990 o mercado imobiliário japonês foi avaliado em um total de 2 quatrilhões ou 4 vezes o valor dos imóveis de todo o território dos Estados Unidos. O terreno do Palácio Imperial em Tóquio foi avaliado acima do valor imobiliário total da Califórnia ou do Canadá" (SAKURAI, 2009)

O "valor das empresas passou a ser mensurado pelo de imóveis que possuíam" (SAKURAI, 2009) e, vendo que OBVIAMENTE ia dar merda, o governo resolveu apertar o cabresto e aumentar a taxa de juros. 

Aí foi highway to hell........




........ bolsa caindo 38%, japoneses vendo 300 trilhões de ienes (Em torno de 2 trilhões de dólares) indo pro saco, bancos quebrando, mega empresários indo a publico e em rede nacional, às lagrimas, anunciar falência, enfim, o caos.  

O resultado disso foi um golpe duríssimo na auto-estima japonesa e claro que, como SEMPRE acontece, isso vai se refletir na cultura pop, nada mais que um produto da sua época (mesmo quando a frente do seu tempo). Pior ainda: imagine que você é um jovem de 30 e tantos anos, sabendo que você vai sair de um dos sistemas educacionais mais exigentes do planeta (escolas no Japão costumam ter vidros da janela fechados dada a alta incidência de suicídios entre os alunos, decorrência da pressão sofrida) pra ir ingressar num sistema cuja ética de trabalho é mais exigente ainda. E com a nova situação de que não há mais agora certeza de carreira longeva. Você se veria muito animado pra embarcar nesse barco? Pois é, eu também não. E aparentemente, uma parcela significativa da massa adolescente e de jovens adultos japoneses também não. A consequência disso vai desde a alienação total e completa (neets e hikikomoris) até a fuga pela fantasia (os otakus mais lights) e a recusa em seguir as tradições sociais que permeiam o país (cito aqui os herbívoros. Problema ou não, eu os vejo mais como um sintoma da falência de um paradigma social).
Os mais aficcionados por cultura japonesa sabem do que to falando: o herói shonen, Goku, Yusuke, Hokuto, Amuro, corajoso, pró-ativo, vai dar lugar aos Shinjis, aos Keitarôs da vida, sujeitos reativos, passivos, que só fazem algo porque tem uma menininha tsundere chutando o traseiro deles.





Notaram um padrão? Guardadas as devidas proporções temos um mesmo problema em dois hemisférios diferentes: quer sejam os otakus, quer sejam os fanboys, a industria tem nesse público uma aberração, mas também seu principal sustentáculo. Sem eles, ela ruiria. 

Por isso que qualquer titulo grande encerrando é algo que arrepia até o ultimo fio de cabelo dos responsáveis pela Shonen Jump. 
E por isso que, como dito acima, os comics norte americanos rendem muito mais com licenciamento pra cinema e produtos de merchandising do que com venda direta de HQs, dependendo de reboots, relançamentos, brindezinhos e o caralho que for pra conseguir tentar dar um boost nas vendas e que, quando funcionam, acabam rendendo mais atenção em meio ao publico já cativo do que pra uma nova geração de consumidores . 
E correndo o risco de alienar esse mesmo publico, mas exatamente com a intenção de ver se acordam pra vida, Anno e Morrison vão criticar duramente essa postura de alienação em Eva e Flex Mentallo.

Ok....... contexto dado, hora de descermos fundo em ambas as obras.......MAS, como esse texto já está gigantesco, deixo isso pra parte 02.....

Nenhum comentário: