Não tem como não respeitar um gibi cujo ponto de virada da trama envolve uma guria puta com o mundo se mandando pro meio do mar num veleiro comprado do "famoso ator da TV" Edson Celulari.
Simples assim...
Mas vamos pelo começo...
Oi, crianças, Hak, the bear, in here, pra falar de gibizinhos. E ao contrário de, sei lá, uns 95% de toda a minha coleção, o título lido e resenhado aqui NÃO foi comprado em virtude de alguma indicação de site ou rede social, NÃO veio de nenhum podcast e nem de lista de melhores do ano de alguém antenado nos lançamentos da área. Não que eu duvide que ele tenha estado em alguma, mas enfim.
Aqui, foi pura serendipitía e afeição. Tava comprando hqs lá na Ugra, vi a capa, gostei e comprei. O que é curioso já que esse elemento de aleatoriedade e decisões tomadas na base do mais puro instinto são dois dos principais motores da história desse livro.
Na trama de "Já era" de Felipe Parucci (publicada pela Lote 42), conhecemos Regina, uma guria de 27 anos que tem uma vida que pode, generosamente, ser descrita como "medíocre". Baladinha aqui e ali, sair com os amigos que estão tão frustrados quanto ela. Jornadas diárias de 8 a 12 horas na agência de publicidade, lidando com refação pra cliente e chefe tatuado cheio de "atitude" e cobrando que funcionário vista a camisa da empresa. Isso e a onipresente "proativida-DEEEEEEEE".
Até o dia em que ela vê, no jornal, o anúncio de venda do supra citado barco, vendido pelo supra citado famoso ator da TV. Não que ela tivesse dinheiro pra bancar o veleiro, mas nada que não se resolva com um cheque pré datado. Tudo isso posto, é alçar velas, mandar aquele dedo do meio pra todo mundo que fica em terra firme e partir pra...... onde?
Sejamos honestos: a não ser que vc tenha o trampo dos teus sonhos, ou que vc já tenha sido completamente cooptado pelo sistema e já tenha se convertido completamente num robô acrítico desprovido de qualquer traço de alma, qualquer um com mais de 35 30 25 20 anos de idade consegue se identificar com essa ânsia, essa vontade constantemente reprimida de mandar seu chefe tomar no olho do ** e partir em direção ao por do sol atrás de aventuras.
O ponto aqui é que Regina foi ás vias de fato e seguiu seus sonhos. E aí ...... bom, vão ler o gibi.
Man....que gibi maneiro. QUE. GIBI. MANEIRO. Tanto o roteiro quanto o traço do Parucci são extremamente carismáticos e com aquela vibe ultra pop punk de títulos tipo os da Boom e Oni (tipo as hqs de Adventure Time e Ricky and Morty, Bee and the Puppycat, Lumberjanes, Space Battle Lunchtime e coisas do tipo). Só que com mais álcool e palavrões. Também me lembrou o estilo de arte de "Night in the woods" só que, obviamente, sem animais antropomorfizados..... oh.... wait a second.....
E crítica social. Pq não é só catarse pela catarse (e nada de errado com isso, vejam bem), mas a jornada de Regina envolve temas como consumismo desenfreado, o eterno ciclo de insatisfação humana, machismo (principalmente na era da internet), racismo e a igualmente cíclica tour de force da fama, onde ídolos são criados hoje para serem ostracizados amanhã, apenas pq, a única coisa mais prazerosa do que ver estrelas surgindo é vê-las desmoronando em queda livre, algum tempo depois. E como todas essas coisas se inter-relacionam num ciclo de retro alimentação, mantendo tudo de mais doente na nossa sociedade, vivo. É aquele momento em que o Capitão Nascimento, depois de quase estourar uma veia na testa babando ódio contra tudo de errado, encolhe em resignação triste ao ter que lembrar pra si mesmo que "o sistema é foda". Com a diferença de que Regina é BEM menos resignada e pode ter algo a a ensinar para o velho cão de guerra, a respeito de como lidar com o tal "inimigo" de uma forma mais definitiva... (e pra quem leu, vcs sabem, é bem mais fácil quando vc tem os amigos e principalmente, as ferramentas certas pra botar o sistema abaixo).
Se vc tem mais de 20 anos de idade, trabalha oito horas por dia e quer jogar a cabeça contra o teclado que usa profissionalmente, pelo menos umas 3 ou 4 vezes ao dia, tu vai curtir esse gibi.
Se vc, como eu, adorou Fired, e tá atrás do mesmo tipo de catarse contra todo um sistema de coisas que a gente vê como erradas no nosso mundo, principalmente se essa solução envolver doses nada moderadas de violência, vai curtir esse gibi.
Se tu quer se reconhecer numa trama sobre gente tentando se manter autentica mesmo quando inseridas numa sociedade (aliás, sociedades) tentando te vender - literalmente - uma imagem de felicidade que pode ser facilmente alcançada em 250 suaves prestações mensais, vai na fé.
E se tu simplesmente gosta de uma boa história, engraçada pra cacete e com tons de sci fi,, aí amiguinho..... aí "já era". :-)
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