sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Heels: sobre heróis e vilões.

 Não, sério, vcs tão vendo Heels?


Pq - e PRINCIPALMENTE se vocês forem fãs de pro-wrestling - vcs deveriam.

Heels é o novo show do canal Starz, criado por Michael Waldron (que já passou por Rick and Morty, Loki e é um dos co-roteiristas do próximo filme do Dr. Estranho) e que estreou há algumas semanas. 

Comecemos pelo começo: eu não tenho como enfatizar o quão complicado é fazer uma história sobre luta livre. Parece simples, não? Mas pensem comigo: qual a abordagem a ser adotada? Kayfabe full ou free? Vc vai tratar as lutas como algo real, e daí vai vir o drama da história, tal como ocorre em mangás ou histórias sobre esportes? Onde, no caso, o conflito vem de se o esportista ou time vão ou não ganhar a partida ou se destacar no esporte que pratica?

Ou não, vai tratar o wrestling de uma perspectiva mais realista, onde as lutas são o que são - scriptadas? sim. Com final pré-determinado? Sim. Fakes? VAI PRA CASA DO CA***** - e o drama vai vir de outros tipos de conflitos?

Essa segunda abordagem, obviamente, perde em ação mas ganha em drama. E foi essa a escolha que Heels fez. E que bom, veja bem. 

A primeira abordagem tem seus méritos. Tipo, o anime do Tiger Mask W, por exemplo. Ou os filmes do Santo. 

Mas o show protagonizado por Stephen Amell e Alexander Ludwig prefere adotar um olhar mais sério para esta forma de arte tão subestimada que é o wrestling profissional. 

Na trama, passada em uma cidadezinha minúscula no interiorzão americano, Jack e Ace Spade tentam manter viva a promotion de luta livre local, a Duffy Wrestling League ou DWL, uma herança do falecido pai dos dois. Apesar da companhia ser um dos orgulhos locais da pequena comunidade que ali reside, ela tenta sobreviver aos trancos e barrancos, tendo que concorrer tanto com outras pequenas promotions regionais quanto com os peixes grandes (a principal delas sendo a FWD - Florida Wrestling Dystopia - uma promotion de deathmatches em ascensão). 

É obviamente uma série sobre luta livre mas também é uma série sobre como é ser um artista relativamente pequeno tendo que disputar atenção com outros, incluindo aqueles que tem todo um aparato de uma grande companhia por trás deles. A série não segura os socos: vemos a situação de Jack e Ace tendo que dividir esforços nos ringues e em trabalhos menos glamourosos durante o dia, como, aliás, ocorre com quase todo mundo no vestiário da DWL. Ao mesmo tempo, vemos os conflitos da vida "civil", em choque com a persona maior que a vida destes performers. 

E além disto, cereja no topo do bolo, a série não hesita em abordar tópicos sobre raça e gênero que são complicados mesmo nas maiores promotions no mercado atualmente, incluindo obviamente a maior delas, a WWE. Crystal (Kelli Berglund), o par "romântico" de Ace e valet (aquela moça que acompanha o lutador pro ringue que era tão comum nos anos 80 e 90) demonstra desde o ep. de estréia interesse e talento em talvez, conseguir uma carreira no ringue. Enquanto isso, Rooster Robbins (Allen Maldonado), tem talento, carisma e é um grande lutador, mas nunca teve a posição de campeão de uma promotion por ser um homem negro.


A série é OBRIGATÓRIA pra qualquer fã dessa forma de arte. Mas se vc não curte pro-wrestling, recomendo da mesma forma. Ela é bem introdutória, usando personagens que não conhecem as "regras" desse universo em conversa com outros já "iniciados" para expor seus conceitos pro público em geral. Então, além de um excelente drama, ela também é uma ótima porta de entrada para quem já teve interesse em ver algo relacionado mas nunca soube como começar (inclusive, espertamente, todos os episódios tem como títulos conceitos dessa arte: kayfabe, swerve, cheap heat, cutting promos, etc.)


A atmosfera da série é excelente. A fotografia é maravilhosa, transmitindo a aridez daquela região, em contraste com as cores quentes e a energia do local onde rolam as lutas. O elenco me surpreendeu, admito. Confesso já ter tido certa má vontade com Stephen Amell. Má vontade esta originada do meu ódio por qualquer coisa relacionada ao Arrowverse. No entanto, admito que a aparição do ator no evento de estréia da All Elite Wrestling e sua excelente luta contra Christopher Daniels no pré show do evento começou a me fazer repensar esse preconceito. Corta pra 2021 e eis me aqui, obrigado a admitir: Amell é um excelente protagonista e aqui, ele está cercado de atores igualmente competentes. Destaque para as participações especiais: até aqui, já tivemos CM Punk atuando como um wrestler de deathmatches, na linha de Cactus Jack e do roster da GCW. 

O roteiro, que é onde mora a mágica desse show, lida com os temas já mencionados além de outros como depressão, a idéia de masculinidade no mundo atual, principalmente em um esporte como a luta livre. E claro, a dinâmica de heróis e vilões. Ou, como esses termos são usados no wrestling, Faces e Heels.

E também é sobre arte. Sobre peixes pequenos em lagos enormes com predadores rondando, o tempo todo. Sobre viver de arte e as durezas envolvidas para quem lida com isso. 

Aproveitem pra fazer binge agora, já que a série ainda está no começo (essa semana foi exibido o episódio 3). 

Eu tenho um profundo amor por essas promotions pequenas, "de quintal" como os americanos chamam, e ver uma delas representada com o devido carinho e respeito tem sido uma experiência bem interessante. Pra quem já curte o esporte ou quer passar a curtir e quer ver "como as salsichas são feitas", fica a recomendação. 

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