Não é de hoje que eu quero fazer essa série de textos, cobrindo a excelente linha de quadrinhos da IDW narrando a guerra entre os filhos perdidos de Cybertron. Aliás, dá pra avançar um passo aí: faz tempo que eu queria esmiuçar alguma das franquias de quadrinhos abraçada pela editora.. No final, fiquei entre a série dos robozões e a das tartarugas adolescentes discípulas do mestre Splinter, tb uma hq muito legal (provavelmente a melhor coisa feita com os 4 anfíbios ninjas em qualquer mídia). Mas vcs sabem que eu adoro uma megassaga e, por mais que a série das TMNT já tenha passado das 50 edições e já esteja com um lore bem denso, não se compara ao que foi feito com a linha de robôs-carrinhos da Hasbro.
Contexto pra quem é de contexto: No audiovisual, os Transformers tem seus altos e baixos, com épocas de séries em exibição e pequenos hiatos entre tais produções. Nos quadrinhos é a mesma coisa: a mais conhecida foi a fase na Marvel, rendendo quase 100 números publicados na editora americana e o impressionante marco de mais de 300 edições, lançadas pelo braço britânico da casa das idéias.
Em 2002, a Dreamwave adquiriu os direitos de publicar quadrinhos baseados nesse universo e, ao invés de uma série contínua, preferiu investir no formato de pequenas mini-séries que, juntas, expandiriam o universo da G1. Com a falência da editora canadense em 2005, a IDW comprou os direitos e decidiu manter o formato de minisséries frequentes, pelo menos até recentemente, quando ela abraçou a serialização mensal com numeração continuada. Essa série foi concluída recentemente, quando a publisher decidiu rebootar a série. Nessa série de textos, a gente vai falar apenas da cronologia que começou em Março de 2005 e que foi concluída em Novembro de 2018. Okay? Okay.
Ah, a ordem de leitura aqui é um treco meio complicado, já que tem muita minissérie e tie-in que se passa em diferentes momentos da guerra entre Autobots e Decepticons, e dá facinho pra se perder no meio do caminhos.
Vcs tem duas opções. Uma, é procurar uma das reading order lists que alguns sites já fizeram, botando os gibis numa ordem de leitura legal pra quem quiser acompanhar o começo, meio e fim dessa saga com relativa tranquilidade. Os caras do "How to love comics" tem uma lista de leitura que eu adotei quando peguei a série pra ler, uns tempos atrás e, pra mim, funcionou bem tranquilo.
Uma segunda opção é começar a ler pelos TPBs que a editora publicou recentemente. Dezesseis no total, 8 abrangendo a fase um e os restantes reunindo os gibis da fase dois da linha. Tudo já na ordem certa, bonitinho. Peguei esses livrões pra ler pra fazer esse texto e tb fluiu bem sossegado.
So, here we go, crianças. Vou alternar esses textos com os que já estou fazendo sobre os gibis do Hellboy (tem um pra sair, inclusive, essa semana) então... bora. Transformers...ROLL OUT.
No vol. 1 dos encadernados lançados, temos reunidos as seguintes hqs.
Megatron Origin
Spotlight: Blurr
Spotlight: Cliffjumper
Spotlight: Shockwave
Spotlight: Nightbeat
Spotlight: Hot Rod
Spotlight: Soundwave
Infiltration
Pra mim, que fui ler o gibi com expectativa zero, só tava a fim de ler histórias com robôs gigantes enfiando a porrada uns nos outros, foi curioso notar, principalmente na leitura mais recente, feita com o trade paperback da phase one, dois detalhezinhos que já deixam claro que estamos pisando em águas estranhas: primeiramente, na capa, seria de se esperar que estivesse Optimus Prime pq, c'mon, mesmo quem nunca acompanhou Transformers e seria incapaz de identificar entre Starscream e Skycracker mesmo com uma arma sob a cabeça, sabe quem é o personagem. A icônica imagem dele virando um caminhão e tals. Mas nope. Megatron é quem estampa a capa do livrão.
O segundo detalhe é que, antes de entrarmos na série "spotlight", focando em cada um dos personagens com um pouco mais de cuidado, nós vamos testemunhar o conto de origem do nêmesis do Líder Optimus. Na real, salvo flashbacks, Optimus só vai aparecer na ultima página da ultima história da HQ. Simbólico? AS HELL, motherfucker.
Além desses dois, eu acrescentaria um terceiro detalhe que me passou despercebido na primeira leitura desse gibi: a primeira frase que lemos, a primeira sentença na primeira página do quadrinho.
Detalhe: Peacetime tá em negrito. Pq isso é digno de atenção: normalmente, em histórias de fantasia, vc tá pegando o início de uma crise. Vc tinha paz e não tem mais.
Em Game of Thrones, chegamos no começo de uma série de eventos que vão levar a morte de Ned Stark, enquanto os white walkers são avistados pela primeira vez em eras, mostrando que há algo de errado.
Em Matrix, há a percepção de paz por parte de Thomas Anderson, até que lhe é revelado que na verdade, o simples fato de estarem falando com ele simboliza um momento pivotal na guerra contra as maquinas.
Em Star Wars, há a percepção de paz por parte de Luke, até ele ter seu cotidiano destroçado com o encontro com R2D2 e a morte de seus tios.
Paz real ou apenas um simulacro desta, fato é que, pro grupo de personagens que vai ter sua rotina mudada na história que acompanhamos, havia um antes e um depois da guerra. E normalmente, esse antes é vendido, quando estamos no olho do furacão com o inferno na Terra e tudo indo pro caralho, como algo relativamente utópico. Os Starks anseiam pela tranquilidade pré guerra.
Neo, mesmo que por instantes, hesita entre as duas pilulas.
Luke sente saudades da infância. Pra gente, de fora, os períodos de paz são sempre idílicos, onde a sociedade rumava para a direção certa até que um evento sombrio a tirou dos trilhos, cabendo aos nossos heróis bota-la no lugar. Não raramente, no entanto, a história se foca em um determinado momento nas motivações do vilão, e descobrimos que o "período de paz" era tb um tempo de tribulação pra ele. A diferença é que, não raramente, o herói faz parte de uma parcela privilegiada que pode se manter distante de tudo errado naquela estrutura que o "vilão" quer trazer abaixo.
De novo, enquanto os Starks tão de boa em Winterfell, o bicho tá pegando pro lado de lá da muralha.
Enquanto Thomas Anderson está lá, irriquieto, trabalhando das 9 as 5 em seu cubículo, os membros da resistência tão morrendo feito moscas.
Enquanto Luke tá lá, trabalhando na fazenda, Princesa Leia e Mon Mothma tão mantendo a aliança rebelde de pé na base do sangue derramado e boa vontade.
A gente, que acompanhava a saga dos Transformers quando pequeno ou que pegou algo no meio do caminho tipo Beast Wars, entre outras, sempre teve a vida dos personagens em Cybertron como algo utópico, um mundo digno de se morrer em defesa. "Megatron: Origins", no entanto, não leva mais de duas páginas pra mostrar que, tal qual no nosso mundo, a diferença estabelecendo uma sociedade como céu ou inferno depende de pra qual membro dela vc se volta para perguntar.
Nosso primeiro contato com a sociedade Cybertroniana vem na forma do Senador Decimus, em visita oficial à uma mina de Energon, principal combustível pras entidades bio mecânicas ali residentes. A partir de seus comentários e do completo desprezo que reserva pros trabalhadores atuando ali, fica clara a estrutura social estratificada daquele mundo. Ricos gozam dos privilégios proporcionado a eles via sangue, suor e lágrimas de uma classe trabalhadora. Classe esta que só é tolerada quando se mantém o mais invisível possível aos olhos de seus "superiores". O político está lá para avisar que o grupo de pessoas, trabalhando e residindo naquele local, cuja vida gira em torno daquela mina, vai ser despedido, em virtude de automação do trabalho braçal (não, a ironia não me escapa. Aparentemente, existem máquinas e máquinas na realidade daquele mundo). Alguns dos mineradores se revoltam, os políticos se acovardam e fazem o que sempre fazem nessa situação: mandam a policia sentar o sarrafo nos descontentes. Daí pra um pega pra capar generalizado, é só um pulo.
Nosso primeiro contato com a sociedade Cybertroniana vem na forma do Senador Decimus, em visita oficial à uma mina de Energon, principal combustível pras entidades bio mecânicas ali residentes. A partir de seus comentários e do completo desprezo que reserva pros trabalhadores atuando ali, fica clara a estrutura social estratificada daquele mundo. Ricos gozam dos privilégios proporcionado a eles via sangue, suor e lágrimas de uma classe trabalhadora. Classe esta que só é tolerada quando se mantém o mais invisível possível aos olhos de seus "superiores". O político está lá para avisar que o grupo de pessoas, trabalhando e residindo naquele local, cuja vida gira em torno daquela mina, vai ser despedido, em virtude de automação do trabalho braçal (não, a ironia não me escapa. Aparentemente, existem máquinas e máquinas na realidade daquele mundo). Alguns dos mineradores se revoltam, os políticos se acovardam e fazem o que sempre fazem nessa situação: mandam a policia sentar o sarrafo nos descontentes. Daí pra um pega pra capar generalizado, é só um pulo.
Entre os insurrectos está Megatron que, no meio do tumulto, realiza sua primeira execução, matando um dos membros da guarda de proteção de Decimus e sendo preso em seguida. Em seguida temos sua fuga e exílio em Kaon, uma parte "periferia barra pesada" do planeta onde o futuro líder dos Decepticons vai ganhar a vida como lutador num ringue clandestino de combates até a morte.
Os quatro números da série são bastante eficientes em estabelecer um perfil da estrutura social de Cybertron e como aquele mundo, tal qual ocorre com a velha república de Star Wars, era menos um modelo de utopia e mais uma panela de pressão prestes a explodir. Uma sociedade profundamente doente de líderes corruptos, trabalhadores oprimidos e heróis arrogantes e distantes em sua torre de marfim, longe demais para manter as falhas causando dor e morte ao seu redor sob perspectiva.
Não se enganem: Megatron é um sujeito extremamente violento, mas não o vilão "vamos dominar o mundo" da série dos anos 80. Este Megatron é, antes de qualquer coisa, um fruto do seu meio, o resultado de eras e eras de frustração e ódio contra uma classe glutona e desumana. Essa minissérie e, aliás, esse TPB inteiro se focam em esclarecer o tom da guerra entre os filhos de Cyberton: o lance não é bem contra mal. Vou me adiantar um pouco aqui, mas no one-shot estrelado por Blurr, vemos os inícios da guerra e Optimus, ainda longe de se tornar o Prime que viria a ser, aqui um mero soldado vindo da mesma classe operária que gerou a insurreição. Tentando conter uma fogueira, antes que essa vire um incêndio incontrolável, quando ele descreve o "pré-guerra", não fala de tempos gloriosos onde tudo era melhor. Pelo contrário, o guerreiro descreve aquela sociedade como alguém "morrendo uma morte lenta".
De novo, como nosso mundo: as chagas existem e não é de hoje. Megatron, tal qual Tyler Durden, deu um líder e um propósito pra um bando de rejeitados sociais. Aquela estrutura estava doente. O que Optimus pretendia não era "que o bem vencesse o mal", mas que, já que a antiga estrutura finalmente cedeu ao próprio peso, que o rosto que fosse responsável por reerguer aquela população e servir de modelo pro futuro daquela sociedade, não fosse o de Megatron, um homem determinado a derramar oceanos de sangue se necessário, até botar o mundo nos trilhos.
De novo, como nosso mundo: as chagas existem e não é de hoje. Megatron, tal qual Tyler Durden, deu um líder e um propósito pra um bando de rejeitados sociais. Aquela estrutura estava doente. O que Optimus pretendia não era "que o bem vencesse o mal", mas que, já que a antiga estrutura finalmente cedeu ao próprio peso, que o rosto que fosse responsável por reerguer aquela população e servir de modelo pro futuro daquela sociedade, não fosse o de Megatron, um homem determinado a derramar oceanos de sangue se necessário, até botar o mundo nos trilhos.
Mal sabia ele que a missão de oferecer uma opção à brutalidade do adversário caberia aos seus, pelo menos nesse momento, inseguros ombros. Mas essa é a constante na maioria das versões de Transformers que eu vi: Optimus jamais queria a liderança. Mas coube a ele assumir esse papel e fazer o melhor possível com ele.
Ao final da mini, Megatron reina vitorioso em seu cantinho do Inferno, pronto pra unleash hell sobre aquele planeta.
O resto do encadernado se aprofunda na guerra e nas consequências dela pros mundos ao redor e pra todo mundo que cruza o caminho daqueles imersos nela, sejam os "good guys" ou os "bad guys".
A seguir, temos 6 edições da linha "Spotlight": one shots focados em um personagem específico, com histórias que começam e terminam ali, mas que também acrescentam camadas ao lore daquela trama.
E aqui, uma pausa: Não sei vcs, mas meu maior impeditivo em pular nessa série vem do fato de que a ultima vez que eu acompanhei o G1 de Transformers, eu tinha menos de 10 anos de idade. Então, olhando praqueles bonecões, eu não fazia idéia de quem era quem. Vc tem o bicho branco com um treco na testa e outro quase idêntico. Num deles, o treco é branco. No outro, vermelho.
Tipo... fodeu??
Pra isso servem os Spotlights, pra mostrarem as diferenças entre aqueles personagens, suas personalidades e mostrar seu papel dentro do grupo em que atuam, Autobots ou Decepticons.
Blurr é o Flash do time, a Cheetara, o Mercúrio. O velocista.
Blurr é o Flash do time, a Cheetara, o Mercúrio. O velocista.
Shockwave é o Spock do mirror universe. A lógica fria, impessoal, disposto a passar por cima de tudo e todos em prol de seus objetivos.
Hot Rod é o daredevil, o Jeff Hardy, o Sr. Milagre, se enfiando de cabeça, indo gung ho em todas as situações, por mais potencialmente suicidas que sejam e saindo delas com graciosidade.
Soundwave, por fim.... bom, Soundwave é um gigantesco filho da puta, é o "mastermind" que o covarde Starscream tenta, sem sucesso, ser. E ele é outro dos transformers mais famosos, aquele que tem um toca fitas no peito e de onde saem dois "pokemons' que ele usa pra combate: a ave Laserbeak e o felino Ravage.
Essas 6 edições tb apresentam alguns elementos que vão ser importantes no decorrer da trama: o mistério do desaparecimento da Arca original, a primeira missão espacial exploratória saída de Cybertron, há eras atrás, e sua conexão com o planeta Gorlam Prime. DoubleDealer e sua atuação como agente duplo, infliltrado dentro das fileiras Autobots. E o Regenesis, projeto pessoal de Shockwave em sedar fontes de Energon em planetas aleatórios visando desenvolver o minério em cada um desses lugares, que pode ser a explicação de pq a guerra entre os autômatos sencientes chegou até o nosso planeta.
É interessante notar também como o time criativo desses gibis (Simon Furman, Eric Holmes e Shane MacCarthy nos roteiros e uma pá de gente na arte, entre eles Nick Roche, Robby Musso e Marcelo Matere) usa espertamente esses tie ins pra acrescentar camadas à msg anti-belicista do quadrinho. Ninguém diretamente tocado pela guerra sai alguém melhor dela. No one shot de Cliffjumper isso fica mais claro que em qualquer outro momento desse TPB (inclusive com a sutil mas macabra cena de Jumper deixando A FUCKING CABEÇA DE UM DOS INIMIGOS na lápide de uma das vítimas do fogo cruzado ocorrido no local).
Os heróis seguem inseguros, se questionando se os métodos violentos são válidos. Fins e meios e tals. Planos atrás de planos, mentiras atrás de mentiras, escondidas dentro de enigmas. Insegurança em ambas as fileiras.
O que nos traz aos dias atuais e à minissérie que fecha esse livrão: Infiltration. Na história, 3 jovens humanos, Verity, Hunter e Jimmy, caem de cabeça no meio da guerra. Um grupo rebelde de Decepticons decide, ao entrar em contato com uma fonte pura de Energon, tocar o terror de forma menos "stealth" do que normalmente os transformers fazem desde que chegaram na Terra e despertaram nos dias modernos. A coisa sai de controle e cabe aos "pais" desses grupos enfiarem juízo nas crianças.
Corta pra Megatron limpando o chão com a carcaça do líder do grupo de Decepticons rebelado, ninguém menos que:
E quem mais, não?
E, novo corte, pra ultima peça surgindo no tabuleiro. Os Autobots recorrem a seu messias involuntário:
Prime está entre nós.
A série é bem legal, mas confesso não ter muito amor pelos personagens humanos nela. Uma pena pra mim, pq não serão os últimos a aparecerem: paralela à trama do Ore-13 (O Energon tunado que Starscream encontrou) surge aqui o subplot dos governos humanos reagindo à presença dos robozões.
Obviamente:
Um excelente, EXCELENTE começo, extremamente promissor. Ansioso pelos próximos volumes.
A seguir: Stormbringer, Escalation e uma pá de outros Spotlights.
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