quinta-feira, 5 de maio de 2016

Maratona do mês: ¡E VIVA EL SANTO! - Introdução

No principio, não havia nada, exceto o vazio cósmico.
E num instante, with A FLASH,



algo surgiu. O vazio foi substituído por algo. A matéria. E dela, surgiu a existencia. Os registros são confusos, dependendo de para quem vc pergunta mas os códices concordam em um ponto. No principio........ havia o caos.







Demonios, deuses extradimensionais, bestas inumanas e conceitos sencientes lutavam pelo domínio da realidade. Tal qual um corpo doente, devorado por bacterias e parasitas de toda sorte, o macro organismo se nega a aceitar a própria desintegração e contra-ataca com seus anti-corpos:



Em Metrópolis, o ultimo filho de krypton dá origem a uma era de maravilhas.



Em Nova Iorque, "the first family" se lança na primeira de suas inumeras aventuras.



No lugar anteriormente conhecido como "A boca do inferno", toda uma linhagem de guerreiras vai se estabelecer, ultima linha de defesa contra vampiros e toda sorte de abominação milenar.



No Japão, Hayata Shin tem um encontro com uma forma de vida alienigena que vai mudar seu destino e o de toda a nossa galaxia como consequência. E em um cantinho do México, mais precisamente em Tulacingo Hidalgo, no dia 23 de Setembro de 1917, um campeão vai nascer e, não só dar origem a uma linhagem de guerreiros (e ele próprio, um representante de uma linhagem nobre de caçadores de demônios) protegendo o lado de cá da fronteira dos EUA de toda sorte de aberrações, sobrenaturais ou não, mas também deixar seu nome na história. Seu nome: Rodolfo Guzmán Huerta. Sua identidade secreta, e aquela pela qual ele vai ser lembrado por eras e eras: O SANTO, o mascarado de prata. E essa é sua história:


Da mesma forma que a história do filho de Jor-el começa com......bom.. Jor-El, em Krypton, da mesma forma que a história de Buffy Summers se inicia milhares de anos antes, com uma caçadora africana e da mesma forma que a história do Ultraman começa na galaxia M-79, com o UltraKing, a história do Santo começa num outro canto do mundo. Alguns destes personagens viveram décadas antes do seu nascimento e jamais iriam encontra-lo. Outros, terão suas histórias de vida convergindo pra do lutador e se tornariam seus parceiros pessoais, permitindo que sua jornada tivesse o rumo que teve.



Tudo começa na França, no século XIX. Na verdade, começa alguns séculos atrás, com a criação da luta greco-romana, mas, pro inferno, vamos dar um fast foward pro ponto que nos interessa: 1830.
Nessa época, começaram a surgir grupos que misturavam luta grego romana com certo.....mise en scene, incorporando atuação e performance nos movimentos e desafiando o público para combates (posso concluir aqui que os primeiros luchadores do mundo foram rudos???)



Essa prática de lutas se espalhou da Europa para outros cantos do mundo, via colonização, imigração e semelhantes. Em 3 lugares, o negócio se infiltrou na cultura popular a ponto de se tornar uma entidade própria e sofrer mudanças tornando-a mais parecida com o que é hoje: Estados Unidos, Japão e, obviamente..México.
Li em alguns lugares que a luta livre chegou no país como consequência dos anos em que a França ocupou militarmente o México (no período em que, por meio do poderio militar, os Habsburgos colocaram Maximiliano no poder).
Alguns anos depois e já livres da influencia dos franceses, os mexicanos se apoderaram da lucha libre e a transformaram em algo.... novo, principalmente por meio da adoção de algumas práticas nos combates: primeiramente, cabou essa putaria de que "não pode golpear abaixo da cintura"
Segundo, com o uso de acrobacias e saltos performáticos, ressaltando a ação e conferindo ainda mais energia cinética pra coisa.
E terceiro, e seria leviano falar de luta livre mexicana sem cita-las: as máscaras



Ok, aqui um a parte: eu adoraria dizer que as máscaras vem de uma tradição milenar que data da época dos Astecas e qualquer porra do gênero, citar arquétipos e glyphs ancestrais e fucking JUNG....MAS.....a verdade é que um dos primeiros incentivadores do esporte no país incorporou o uso de tal peça depois de ver a apresentação de um lutador americano, durante uma apresentação no Texas. Sorry guys.....

Aqui, alias, entra na história um dos personagens mais importantes pra história do Santo: Don Salvador Lutteroth.

Don Lutteroth
Lutteroth nasceu em 21 de março de 1897 em Colotlan, Jalisco. Depois de alguns anos no exército, onde tomou parte na revolução mexicana lutando contra as tropas de Pancho Villa, ele começou a trabalhar no departamento de impostos do país. Pra esse trabalho, teve que se mudar com a família para Ciudad Juarez, cidade que fica próxima à fronteira entre México e EUA. Cruzando a fronteira, indo pra El paso, ele teve seus primeiros contatos com a luta livre e alguns dos nomes famosos da época como o grego Gus Pappas.

Gus Pappas
Ali, se apaixonou pelos elementos mais marcantes do esporte: o aspecto performático e o lore/mitologia entre os contendores, personagens inseridos em sagas épicas.
Em 33, Lutteroth cria, em sociedade com Francisco Ahumana, a Empresa Mexicana de Lucha Libre (EMLL), uma das maiores empresas produtoras da modalidade de todos os tempos.

"ah, então Lutteroth é tipo o Vince McMahon mexicano?"

nope. McMahon é o Lutteroth dos ianques. Nesse nível.

No ano seguinte, em 34, um luchador americano estréia nos ringues da EMLL, incorporando um personagem de nome "the masked marvel". E este era o elemento que faltava para a companhia dominar o país e o mundo: as máscaras.

A maravilha mascarada
Todas as peças estavam em seus respectivos lugares, só faltando um empurrãozinho. Pronto. Finalmente, nossa história de origem pode invocar seu protagonista maior:

The Saint begins...

Tudo começa num canto do México não muito popular fora das fronteiras do paíse: uma cidadezinha (grossas aspas aqui, já que o local, hoje em dia, tem quase 200.000 habitante) conhecida como Tulacingo Hidalgo.



Lá, papai e mamãe Santo (na verdade Jesus Guzmán Campusano e Josefina Guzmán Hurerta Marquez) tiveram uma família grande, 7 filhos. Depois do nascimento de Rodolfo, os Guzmán decidiram se mudar pra cidade do México em busca de condições de vida melhores. Com o passar dos anos, Rodolfo foi se interessando por alguns esportes: basebol aqui, futebol americano acolá......até que ele conheceu a luta greco romana. O esporte (e seu amor por Jiu-jitsu) aproximou o rapaz do universo da luta livre profissional, já bastante popular no país. Segundo a EMLL, Rodolfo estrearia como lutador profissional em 35, portanto, com 18 aninhos. Sua primeira persona se distanciava bastante daquela pela qual seria eternizado: "Rudy" Guzmán não lutava mascarado e era um dos rudos e aqui, eu faço uma pequena pausa pra explicar um conceito pros não-fãs de luta livre.



Por mais diferentes que sejam as escolas americanas e mexicanas de luta livre, elas compartilham alguns conceitos, herdados dos primórdios do esporte: como já disse, o lore da coisa é um elemento importantíssimo. Por isso vemos "feuds" sendo alimentadas por semanas e semanas a fio no WWE Smackdown para vermos sua conclusão catártica num Wrestlemania. A mitologia envolvendo os lutadores e suas personas públicas são parte da coisa que faz a luta livre algo mágico. Fãs de Lucha Underground sabem do que estou falando. E como acontece nessas narrativas, precisamos ter bem claro quem são os heróis e quem são os vilões. A persona pública de um wrestler/luchador, portanto, pode oscilar entre duas categorias: os babyfaces/tecnicos, os heróis da história, que não vão jogar baixo e são por quem torcemos (John Cena, Bayley, CM Punk, Seth Rollins, Johnny Mundo, Prince Puma) e os Heels/Rudos, que são os vilões, os caras maus, que estão lá pra conferir drama à história de nossos campeões e, não raramente, acabam ganhando a mitologia própria deles (Mil Muertes, Son of Havoc, Kane, Big Rick, El chavo guerrero Jr.). Essas posições não são fixas e direto personagens oscilam de um lado pro outro (Undertaker, Big show, Blue demon, André, the Giant e Mick Foley são exemplos clássicos disso). 
Quando surgiu, Rudy era um dos vilões, que usavam golpes baixos e trapaças pra vencer as lutas. 
Não coincidentemente, ele não se tornou muito popular, a princípio. Com o tempo, buscando cair nas graças do público, Rodolfo adotou outras personas.

El Hombre rojo
Começou como "el home rojo" e, a seguir, se tornou o "Murcielago II" onde conseguiu certo renome, até que o Murcielago original, Jesus "el murcielago" Velazques decidiu acabar com essa putaria de uso indevido de sua imagem e contatou o conselho de box e luta livre local, que proibiu Rodolfo de continuar usando esse nome.

O Murcielago original
A princípio, a vida de Rodolfo não era das mais fáceis, dividindo a vida nos ringues com trabalhos menos glamourosos como marcenaria e pintura. Graças a um dos grandes nomes da época, Jack O'brien, o jovem lutador foi colocado sob o radar de Jesus Lomelli, técnico da EMLL e o lutador acaba contratado pela companhia. Avançamos alguns anos: Rodolfo segue ganhando relativa fama, ganhando alguns combates e perdendo outros. Sua vida pessoal também oscila entre vitórias e derrotas marcantes: se por um lado, ele se casa com Maria de Los Angeles Rodriguez Montano, por outro, perde um de seus pontos de referência mais importantes: seu pai, Jesús Guzmán, morre, deixando-o desconsolado. Nesse meio tempo, Lomelli convida o atleta para se juntar a ele numa nova companhia de apresentações de luta livre que pretende criar.
A companhia não dá tão certo e ambos acabam retornado pra empresa de Lutteroth. Lá, decidem mandar um "ou vai ou racha" e fazer um completo revamp no visual de Guzmán. Entre as mudanças, um novo nome: o uniforme era todo branco e espertamente, Lomelli pretendia associar a imagem do lutador a motivos cristãos, lembrando que, à época, 95% da população mexicana se dizia católica. Haviam 3 opções de nome: el diablo, el angel e.....



EL SANTO!!!!!!!!!!!!!!

Não mais um Rudo, agora Rodolfo era um tecnico. No dia 26 de julho de 1942, o Santo faz sua estréia na arena México (que, espero, deve ter uma área gigantesca dela pra relembrar que lá nasceu a porra de um super herói mexicano). Pra alguém que pretendia se reinventar como técnico, o começo não foi muito promissor pro herói: temendo ser humilhado pelo lutador oponente, Santo comete algumas faltas e é desclassificado. O primeiro luchador desclassificado da história da EMLL. 
Não exatamente a imagem de lawfull good que queria criar, mas toda jornada tem seus percalços. 
E hey, o publico ficou interessado naquele santo anti-herói, então... não existe propaganda ruim, you know....


Com o tempo, o Santo foi colecionando vitórias. Uma delas, inclusive, foi com o mesmo Murcielago que "matou" sua encarnação anterior. Karma is a bitch
Com o sucesso do Santo, outros luchadores enmascarados surgem e, como consequência, Lutteroth vai enchendo os bolsos de dinheiro. O empresário utiliza os lucros absurdos das apresentações pra construir um estágio majestoso que vai servir de cenário pros épicos combates ocorridos lá dentro: a arena coliseo.

A arena Coliseo em foto recente
Pra estrear o local, Santo retoma o papel de rudo e vai pra porrada contra o principal nome do esporte nessa época: Carlos "el Tarzan" Lopes, num combate onde disputam o título de campeão mundial de pesos médios (spoiler alert: Santo perde).

Tarzan Lopes
Chegamos aos anos 50. Agora também orfão de mãe, Santo tem certa quilometragem com vitórias e derrotas, sozinho ou fazendo disputa de duplas. 
Falemos agora de eventos trans-midiáticos, crianças: aqui entra na história outro personagem importantíssimo para a reinvenção da imagem de Rodolfo. O nome é José G. Cruz. A partir de um acordo entre ele, o Santo e a EMLL, o autor lança a revista em quadrinhos do herói, onde ele vivia toda sorte de aventura bizarra, sozinho ou com seus companions que iam desde alguns outros luchadores de renome até entidades alienígenas e seres mitológicos.


Não li a série, apenas pq não a encontrei, mas o que eu li sobre ela pinta uma imagem algo entre aquela crueza de aventuras pulp tipo Doc Savage e a inocência e sense of wonder da silver age da DC.
Atualmente, só dá pra ler a revista comprando edições antigas num ebay da vida (provavelmente por valores proibitivos) ou procurando scans na web, já que entreveros legais a respeito do uso da imagem do Santo impedem que as histórias clássicas sejam republicadas.


A arte da hq era bastante peculiar, misturando montagem fotográfica e desenhos: o protagonista da revista e alguns coadjuvantes eram fotografados em varias posições e essas fotos eram utilizadas. Todo o em torno, desde cenários até demais personagens, vinham do traço de Cruz.




O negócio fez um sucesso absurdo e não seria nenhum exagero falarmos de algo tipo uma "Santomania" surgindo. 
Os dois últimos degraus rumo à fama nacional e mundial viriam a seguir: a vitória numa disputa máscara vs. máscara contra seu principal rival, o Black Shadow, e o lançamento de seu primeiro filme.



Mais um pequeno parágrafo de contextualização: tal qual a máscara do Batman é sua identidade real, sendo Bruce Wayne apenas um veículo, a máscara de um luchador reune em si a totalidade daquele atleta. Dessa forma, nenhuma disputa oferece mais risco aos dois guerreiros no ringue que uma disputa máscara vs. mascara. Dois lutadores sobem e, aquele que perder, tem que retirar sua mascara e entrega-la para o oponente, sendo essa a desonra máxima na versão mexicana do esporte (uma variação, para aqueles luchadores que não escondiam o rosto, era a máscara vs cabelleira. Se o mascarado vencesse, ele rasparia o cabelo do perdedor ali, no ringue). O Santo vence e, longe dos olhos públicos, recebe a máscara do rival.
A seguir, vem o ultimo personagem fundamental dessa história: o luchador e cineasta Fernando Osés.

Oses. E se acostumem com o rosto dele pq o rapaz aparece em 90% dos filmes do Santo
Querendo capitalizar em cima da "Santomania", ele decide convidar Rodolfo para protagonizar seus dois primeiros filmes (que foram gravados simultaneamente, o que é facilmente percebido quando cenas do primeiro são reutilizadas no segundo e, mais interessante, os dois filmes se passam temporalmente na sequencia, como se nos momentos em que o Santo não está em tela no primeiro filme se justificassem pq ele estava se deparando com os eventos do filme seguinte). 
Pronto. Cinema, TV (que nesse tempo havia se popularizado no México e Lutteroth não perdeu a chance de cravar um horário reservado pra exibir os combates) e HQs. Não havia lugar onde o Santo não reinasse.

O filme onde tudo começou
É preciso esclarecer que o Santo não foi o primeiro luchador a cruzar essa fronteira dos ringues pras telas de cinema (esse titulo vai pra Huracan Ramirez), mas foi, com certeza o mais bem sucedido. e com o tempo, o herói foi ganhando a companhia de outros luchadores que também ganhariam seus próprios filmes. CHUPA, marvel e Dc. Universo compartilhado é isso aí.


O mais bem sucedido de todos, depois de Guzmán, foi o Blue Demon, que tem uns 13 filmes que protagoniza (além daqueles que co-protagoniza com o Santo e outros lutadores). Outros luchadores que ganharam versões em pelicula foram Mil Mascaras e Tinieblas (que tem uma das máscaras de lucha mais legais de todo o multiverso conhecido).
Foram mais de 50, eu repito, CINQUENTA FILMES em pouco mais de 30 anos. até mais ou menos metade dos anos 70, mais ou menos DOIS FILMES POR ANO. Se acham isso absurdo, então vejam essa: em 69 e 70, Santo protagonizou 10 filmes, DEZ FUCKING FILMES, 5 por ano.
As tramas, inicialmente, eram mais ou menos pé no chão, com o herói enfrentando gangues de criminosos e contrabandistas. Mas a partir de "Santo contra las mujeres vampiro"?
O céu (e o inferno) eram o limite (literalmente, inclusive). Gangues de criminosos, vampiros, lobisomens, cientistas insanos, zumbis vingativos, estatuas de cera sencientes, mastermind criminosas dignas de James Bond, alienígenas, invasores atlantes, bruxas. O que vcs imaginarem, podem crer que já cruzou o caminho do Santo. O tom dos filmes também muda: como qualquer obra narrativa longa, é fascinante notar como o zeigeist ao redor vai afetar as aventuras do lutador, que vão de filmes pulp, com fortes características locais, para obras que abraçam o pop da época sem vergonha alguma, do swinging london à surf music americana.



Sempre contextualizando com elementos mexicanos e conferindo poder à figura do luchador. Afinal, como um dos redatores da Famous monsters of filmland, revista americana focada em cinema de horror e fantástico (e, junto com a Fangoria, uma das revistas mais legais do planeta) comenta em sua matéria sobre os lucha movies, quando vc joga grandes criações universais como o monstro de Frankenstein ou o conde Drácula contra Santo, Blue Demon ou Mil Mascaras, vc está afirmando que essa figura do luchador enmascarado, um produto cultural mundial mas reinterpretado e tornado 100% mexicano, é tão importante pra cultura pop mundial quanto suas contrapartes europeias. E quem vai dizer o contrário? 
Dos 52 filmes do Santo, eu vi mais ou menos 30. E a sensação é aquela mesma de quando assisto tokusatsus e kaiju movies: volta pra casa.
Quando vc assiste o segundo filme e reconhece os elementos que são familiares àquele universo, a sensação é de conforto. E puro sense of wonder. 
Essa é a maratona do mês estrelada por uma das minhas franquias favoritas de toda a cultura pop.
E a partir da parte 02 desse texto, eu vou comentar filme por filme com vcs.
so, see ya, guys!!!!!

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