Well...... dizer que foi uma surpresa agradável, uma das maiores de que me lembro, é um eufemismo.
Começou uns anos atrás. Tava atrás de uma série despretensiosa, dessas tipo "Hercules", "Xena" e outras da mesma linha como as produzidas por Rob Tapert. Algumas críticas positivas e a presença de Bruce Campbell, um dos atores favoritos da casa, me fizeram bater o martelo.
O programa era "Burn Notice", criado por Matt Nixx e exibido pelo canal USA, entre 2007 e 2013.
Matt Nixx, o criador da serie |
Em torno de 2 anos depois, acabei. 111 episódios. E a certeza de que as vezes, surpresas agradáveis te acertam feito um trem quando vc dá a elas a oportunidade de faze-lo.
Fui sem grandes expectativas: um seriado onde um ex- agente da CIA sofre o "burn notice" do título: uma acusação feita por um colega ou superior de que ele cometeu um crime. Vendeu segredos, matou inocentes, cometeu algum crime de guerra, deixou sinais de que houve uma incursão de um país em solo estrangeiro, whatever. O ponto é, uma vez provado, vc sofre um burn notice. Entra na lista negra da CIA. Perde seu trabalho, suas contas são bloqueadas, seus documentos são fichados. Vc é reduzido a nada, tornado uma persona non grata dentro do seu próprio país. Um espírito menos combativo poderia aceitar tal destino resignado, mas não Michael Westen (brilhantemente interpretado por Jeffrey Donovan, que vcs viram na season 2 de Fargo).
Uma vez ciente de que havia sido queimado dentro da Agência, o espião se enfia numa cruzada visando descobrir quem o acusou injustamente e pq. Sem opções, Westen estabelece Miami como nova morada e vai atrás dos aliados mais próximos pra missão: sua namorada (e o homem forte do grupo), a irlandesa Fionna Glenane (Gabrielle Anwar)
e o ex-mariner Sam Axe (Bruce Campbell).
Além deles, ele ainda conta com a ajuda (nem sempre bem vinda) da mãe, Madeline (Sharon Gless),
do irmão-problema Nate (Seth Peterson)
e, algumas temporadas depois, do agente tb queimado (falar mais seria spoiler), Jesse Porter (Coby Bell).
Salvo alguns aliados ocasionais aparecendo aqui e ali (o mestre da fina arte da lavagem de dinheiro Barry e o traficante Sugar), esse é o core, o centro que vai manter o seriado avançando por 7 temporadas, cada um com seu tempo de spotlight.
Mas não se enganem, essa ainda é a saga de redenção de Michael Westen. E em maior escala, uma narrativa sobre como devemos tomar cuidado com aquilo que desejamos.
Os episódios se dividem entre a busca de Michael pela verdade e a aventura da semana, onde o grupo, tal qual ocorria no clássico "Esquadrão Classe A", partia em pequenas aventuras para corrigir injustiças próximas e deter traficantes, ladrões, sequestradores, con men e outras figuras sinistras, alternando bem organicamente entre momentos mais leves e divertidos com outros mais densos e tensos.
O roteiro conta com a supervisão de consultores da CIA e ex-agentes, então, cada traquitana, cada gadget, cada recurso de ultima hora criado por Westen e seus aliados, para a conclusão de uma missão, é explicado nos mínimos detalhes, quase um guia "se tornando um espião for dummies". Tudo ao mesmo tempo quase miraculoso, quase como os recursos improvisados por McGyver na clássica "profissão:perigo", mas ao mesmo tempo, extremamente crível. Quase reproduzível pra quem tiver os recursos e a disposição de se tornar um espião no melhor esquema "do it yourself", o que conferia certa verossimilhança e honestidade aos roteiros. O resto vinha do charme absurdo dos personagens e do carisma dos mesmos.
Com o tempo, a saga pessoal do ex-agente vai ganhando mais e mais nuances e o que parecia um programa descompromissado vai ficando mais e mais denso.
Ao final da sexta temporada, e só então, somos confrontados com Westen conseguindo o que tanto queria.
No final, mastermind atrás de mastermind é derrubada, cada uma das figuras responsáveis pela queda de Michael é revelada e removida do cenário, até a conclusão explosiva da sexta temporada.
Começamos a sétima com tabula rasa e... Michael não está feliz. Burn Notice, espertamente se esconde atrás da capa de procedural, de "aventurazinha da semana" pra, depois de 6 anos, destroçar seu protagonista e revelar-se como um gigantesco cautionary tale a respeito da fé cega em instituições e como qualquer grupo, absolutamente QUALQUER GRUPO, independente da ideologia que o pos em pé, se contar com pessoas em sua composição, está fadado a ser corrompido. Pq pessoas são falhas e corruptas e mesquinhas. ideais se perdem, ou pior, são violentados em seu cerne, desfigurados até que pareçam o que quer que as pessoas queiram, de forma que possam continuar de consciência tranquila.
Torturar pessoas não é legal, mas hey, se é o que preciso pra proteger meu país...
hey, cooptar assassinos, genocidas, figuras totalmente desprovidas de qualquer centro moral, é errado mas melhor do nosso lado do que contra nós.
Toda arma é boa, contanto que esteja apontada pra qualquer cabeça que não a minha.
Vidas se perderam, amizades se desfizeram e não só Westen mas Fi, Sam e Jesse e SOBRETUDO Maddie tiveram que pagar um preço caríssimo pra que a verdade fosse revelada e, claro, como sempre ocorre, ninguém foi libertado no processo.
O que resta é o agente isolado, de alma fraturada e com a certeza de que depositou a fé numa mentira.
E a serie se revela como a tour de force de alguém que conseguiu se manter relativamente ileso enquanto olhando no abismo, mas..... não mais. O abismo olhou de volta, cobrou seu preço e talvez, ele tenha sido demasiadamente alto.
To tentando maneirar nos spoilers, mas preciso dizer que, no capítulo final, Michael, após uma sétima temporada ousada e belíssima onde vemos o agente desesperado em torno de uma ideologia a qual possa seguir, QUALQUER UMA, junta os cacos da própria vida e faz a melhor limonada possível com os limões que lhe foram cedidos.
A ele e aos demais, só resta se levantar, sacudir a poeira e seguir adiante. Não sem uma ultima olhada ao passado e um ultimo confronto com as lições aprendidas. Não sem sacrifícios terríveis. Mas ainda assim, com alguns fragmentos de "final feliz" e a certeza de um ciclo se fechou e outro começa. E o passado segue como uma história a ser ensinada a geração seguinte.
Uma história que começa com uma frase tão boa quanto qualquer outra para começa-la. "My name is Michael Westen and I...."
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