THE CONQUEROR WORM
Roteiro e arte de Mike Mignola
De volta ao formato de tramas mais longas, Mignola vai full Kirby mode aqui e desde a epígrafe, onde agradece á personagens como Doc Savage, já deixa claro que esse é um conto que vai abraçar as influências vindas dos quadrinhos de super heróis e da literatura pulp. A trama começa com o grupo recebendo o briefing de mais uma missão bizarra: algo está vindo do espaço em rota de colisão com a terra e as fotos demonstram ser a) uma capsula espacial e b) tem um logo nazi gigante do lado. E o negócio mudou sua rota algumas vezes, so, é de se esperar que tenha algo vivo dentro, pilotando a bagaça.
Partindo dessa premissa, veremos a trama abraçando o sci fi sem medo. Eu lembro que na época do lançamento de "Indiana Jones e a caveira de cristal", uma das principais reclamações contra o longa foi o lance do roteiro envolver alienígenas e o quanto isso seria "estranho" à mitologia da franquia. De fato, é um filme bem qualquer nota, mas não entendi esse estranhamento. Indiana Jones, tal qual esse tpb, bebe com força das cinesséries cinematográficas dos anos 40 e 50 e do pulp. Aliens e nazis eram antagonistas recorrentes nesse tipo de aventura. E especificamente falando do gibi, não é como se já não houvessem extraterrestres aparecendo anteriormente: Ogdru Jahad, o principal vilão da série, é LITERALMENTE um dragão preso em âmbar no espaço sideral, há alguns planos dimensionais de distância. Mesmo assim, confesso que me causou certo estranhamento quando o detetive se viu diante do seu primeiro ET. Esquisito, né? A gente tá tão acostumado com obras que tão dentro das caixinhas dela, tudo compartimentalizado, fantasia é fantasia, sci fi é sci fi, drama é drama, etc., que causa certo bug mental quando gêneros se cruzam assim. Temos nesse arco a primeira aparição real de Lobster Johnson, tipo um Doc Savage meets Capitão América do Mignolaverso. Von Klampt ressurge para atormentar o protagonista.
Aliás, essa trama é cheia de shout outs pra histórias anteriores do vermelhão, incluindo o conto "goodbye, mr tod".
Gosto como "The conqueror worm" acrescenta mais camadas ao universo do Hellboy, acrescentando também a ameaça alienígena (que pode ou não ter uma origem mística, já me adiantando e pensando em eventos comentados no TPB seguinte) entre o rol de vilões do quadrinho. Não apenas demônios extra dimensionais, mas agora, personificações imateriais orbitando pelo vazio espacial também querem a destruição da humanidade. Jesus Cristo, todo mundo odeia os humanos. O plano nazi envolvia enviar um cadáver ao espaço e permitir que uma dessas entidades não físicas ocupasse seu corpo, voltasse para a terra e tocasse o terror. Por sorte, Hellboy e Roger, em sua primeira missão oficial no Bureau, estavam lá pra salvar o dia.
Não sem consequências: a trama já mencionada em artigos anteriores dessa série de artigos, sobre a dicotomia entre os lados "humano" e "sobrenatural" do demônio investigador ganham lugar de destaque aqui, com HB tendo que fazer escolhas difíceis e que vão gerar repercussões significativas pro resto da série. Ao final do encadernado, o monstrão decide se desligar do BPRD e seguir em direção à respostas sobre seu próprio passado. Primeira parada: o berço da humanidade, o continente Africano.
Outros personagens são afetados também pelas ações do protagonista: Rasputin, que articulou os eventos aqui ocorridos, sofre sua terceira e final derrota. E pior: num diálogo com Hécate, o homem que queria ser deus é lembrado de sua pequenez antes de ser definitivamente aniquilado pela bruxa. Baba Yaga lhe reserva um último ato de gentileza. Acho seguro deduzir que, pelo menos por um tempo, o mago russo não vai cruzar novamente o caminho do guardião da right hand of doom. Não que a vida do ser infernal vá ficar muito mais fácil por causa disso.
STRANGE PLACES
Roteiro e arte de Mike Mignola
The third wish
Cantemos juntos: Under the sea. Under the sea,....
Pra quem, como eu, esperava ver o detetive se aventurando pelas savanas africanas, nope. Toma essa. Temos uma interação rápida entre o diabão e Mohlomi, um feiticeiro local, que envolve um óbvio pesadelo com tons premonitórios, pq, afinal, que bruxo ou personagem de trama com tons de terror não passou pela sua cota de pesadelos premonitórios?
Daí por diante, a trama segue, citando mais uma vez Sebastian, o sidekick de Ariel em "the Little mermaid", pra debaixo do mar. Inclusive, Mignola cita mais de uma vez que o conto envolvendo a sereia de Hans Christian Andersen é influência direta dessa história. E de fato, o que diabos é a antagonista da aventura, a Bag Roosh, senão uma versão ainda mais from hell da Úrsula. Demônios, em determinado momento até aparece uma sereia que quer ganhar pernas pra encontrar um humano por quem se apaixonou. Genial é como Mignola abraça o terror dessa história, elemento comum desse tipo de conto de fadas, e o acentua. Sério, a gente já passou por gorilas ciborgues, mecha nazis, demônios alienígenas. Mas a Bag Roosh é particularmente ameaçadora.
Até pq suas intenções são menos "preto e branco" quanto pode parecer e aqui eu faço uma pausa: já tinha mencionado que Mignola está conferindo tons de cinza aos seus vilões e aqui isso salta ainda mais aos olhos. No tpb anterior, Rasputin já dava sinais de que tinha intenções menos puramente evil do que se pensava. Ele aparentemente não queria a extinção universal, mas considerava que o ressurgimento de Ogdru Jahad era inevitável. O que ele aparentemente tencionava era controlar essa reaparição. Uma vez com a humanidade e qualquer coisa viva na Terra, extinta, sobraria esperar até o planeta se recuperar das chagas da passagem do dragão lovecraftiano até a vida ressurgir nele e, com ela, uma nova humanidade. Claro, no final, tudo girava em torno do ego do feiticeiro russo, mas........ Aqui em "Strange Places", isso se repete: a feiticeira monstruosa não quer matar o ex-membro do BPRD por motivos de dominação mundial e pura vilania. Seu objetivo é garantir que ninguém tenha acesso à chave na mão direita do demônio gente boa e, portanto, impedir a extinção da vida, mortal e imortal, no planeta. Chamemos de um "ataque preventivo", okay?
É um meio termo: nem apenas pela bondade do coração, nem apenas por motivos sinistros, mas os oponentes de Hellboy - bom, alguns deles, pelo menos - vão revelando mais tons de cinza conforme a saga avança. Além da trama principal, vemos tb que o mundo dos imortais está irriquieto com as decisões do herói. Um detalhe importante é que, dentre aquelas criaturas que aparecem lurking, espreitando a jornada do HB ao longe, uma delas ganha um nome: Sir Edward, aparentemente um dos líderes e alguém com particular interesse nos eventos ali ocorridos.
Gostei de como esse primeiro conto me deixou tenso: em determinado momento, parece que a trama vai ser concluída. O demônio mal humorado se liberta, a vilã é derrotada mas vive pra lutar outro dia e uma das responsáveis pela captura do personagem principal se redime, ainda que isso vá lhe custar um preço alto demais. Mas aí vem Mignola e nos lembra que esse seria o final de uma trama de terror. Mas isso tb é uma história de super herói, então, de forma abnegada, o garoto do inferno volta pra salvar a sereia que lhe ajudou e, de quebra, enfiar a porrada em Bag Roosh. Agora sim, com a vilã derrotada e a tal sereia tomando seu lugar como a "nova Úrsula", o ex-agente do Bureau pode seguir em sua jornada rumo...
The Island
A Ilha é uma história grande mas que é formada por aventuras menores que tem conexões meio superficiais entre si, o que deixa a aventura com um tom ligeiramente desconexo aqui e ali. Não necessariamente um problema, mas a história, até por ter MUITA informação importante pro background do personagem, termina soando mais longa do que realmente é. Confesso que eu me perdi, aqui e ali, com seus flashbacks dentro de flashbacks, com relação a alguns detalhes (incluindo, mas não apenas, o paradeiro daquele amuleto que Mohlomi dá ao HB em um determinado momento). Mas nada que comprometa o resultado final, apenas um ou outro detalhezinho que acho que valia a menção.
A partir daqui, temos, provavelmente, um dos momentos mais importantes de toda a história da série, onde somos apresentados à origem do universo. Wow, right? Pois é. O caminho da cria do inferno cruza com o de um padre que veio, com os espanhóis, para a América Latina na época das grandes missões exploratórias e que, numa dessas jornadas, em Tenochtitlan, teve acesso aos livros sagrados dos maias, por sua vez, herdados a eles pelo primeiro povo, os hyberboreos e que narram ...bom... o começo de tudo.
A autocriação de Deus, o surgimento de seus anjos, a primeira rebelião e o roubo do fogo dos céus, usado para a concepção de Ogdru Jahad e seus minions, o Ogdru Dem. E mais importante, a origem da manopla de pedra que Hellboy possui em sua mão direita, herança direta desse anjo rebelde. Obviamente, como sempre, o espírito narrando o começo do universo entra em berserk em um determinado momento, e aí é a boa e velha porrada.
Não sei se ficou claro pra mim de onde veio o poder dele a ponto dele se revelar um oponente à altura do Big Red, mas no geral, não importa. Com a ajuda do amuleto conferido a ele pelo mago africano, Hellboy vence o oponente e segue sua jornada.
Surrado, mas ainda vivo, o demônio pega um barquinho ancorado nas proximidades e segue para o velho continente, em busca de mais detalhes sobre suas origens e desta vez, na terra da Rainha, do chá das cinco e de Arthur Pendragon. Oh yeah, mate. We're going to England!!!!
No geral gostei bastante, apesar dos pontos citados acima deixarem a leitura um tiquinho confusa. Mas a primeira história das duas no álbum é muito boa, e a segunda tem momentos bem legais como a passagem do personagem bebendo com os marinheiros num navio abandonado que é maravilhosa, a conversa com Hécate e, claro, a história da gênese do universo e do nascimento de Ogdru Jahad.
Ao final, voltamos para o conclave de criaturas imortais que, ao perceberem pra onde o herói está indo, decidem ir all in e declaram guerra ao vermelhão. O exército de bruxas está a postos, esperando apenas as ordens de Hécate. Gruagach, o homem javali de "the corpse", pronto pra executar sweet sweet vingança e Unleash Hell pra cima do detetive. Uma tempestade se aproxima...
INTO THE SILENT SEA
Roteiro de Mike Mignola
Arte de Gary Gianni
Mas antes, uma parada no meio do caminho. Este álbum, a primeira original graphic novel do personagem é, com o perdão do trocadilho, uma besta completamente distinta das demais, por ser, seguindo a ordem dada pelo guia de leitura da multiversity comics, que é a adotada por mim, a primeira obra do Hellboy sem o desenho do Mignola, apenas nos roteiros aqui. Desculpem, eu não manjo de arte, então vou descrever de forma ogra mesmo: a arte de Gary Gianni é um pouco mais suja, hachurada, que o traço clean do criador do personagem.
E é estranho ver o personagem sob focos de luz, já que Mignola é tipo um ninja, trabalhando sempre com as sombras. Parece uma crítica mas não se enganem, adorei os desenhos do artista. Procurando sobre ele, vi que seu trabalho mais famoso foi sua passagem que durou quase uma década no gibi do Príncipe Valente e tipo, óbvio, ÓBVIO. O traço aqui remete bem ao tipo de desenho "clássico" da era de ouro dos quadrinhos, o que só ajuda no clima da trama e em sua ambientação.
Na história, o herói tá lá de boa, em seu barquinho, indo pra terra dos Rolling Stones, de Doctor Who (a série, não o timelord. Nope, o personagem não tá indo pra Gallifrey) e Sherlock Holmes quando de repente, não mais que de repente, é interceptado por um navio. Quando acorda, é informado de que o Capitão da embarcação tá bem a fim de vendê-lo para um daqueles freakshows que eram característicos no final do séc. XIX, começo do XX (olha aí o foreshadow que me passou batido quando li o gibi e só peguei agora, enquanto escrevo esse texto).
Resta ao coitado ficar lá, apodrecendo ao sol, amarrado no mastro, até a noite, quando recebe a piedade - e um pouco d´água - do menino Kip, além de também conhecer a encarregada pela viagem, a mulher de preto sem nome, chamada por HB apenas de "Lady".
Aí, descobrimos que o navio, "Rebecca", está em busca de uma monstruosidade descrita à moça por um cadáver - "dead men tell no tales" uma ova, né? - numa expedição anterior rumo aos restos de uma cidade do primeiro povo hyperboreano (segunda menção a eles na série). O final, os senhores podem deduzir, é unleash hell.
Eu já falei isso antes: a sina do big red é encontrar gente que acha que dá pra negociar de boa com os deuses. Ainda que o que motive a Lady seja certa obsessão científica em descobrir a "verdade", qualquer que seja ela, já vimos o que acontece quando a humanidade responde a sussurros sombrios vindos de cantos escuros. Depois do primeiro cadáver voltar a vida, o gibi passa a ser uma gigantesca luta do Hellboy e da tribulação do Rebecca pela sobrevivência. A homenagem à Verne e Melville na epígrafe não vem à toa. A trama é bem direta, mas tem o devido cuidado de apresentar à tripulação do Rebecca com cuidado, para que nos conectemos a eles e passemos a temer por seus destinos - especialmente do jovem William e seu cão, mr. Kip.
Aí vem o final, melancólico como de praxe - se apegar a alguém nesse gibi é um erro, sério - e só resta ao half demon que protagoniza a HQ seguir em viagem, oceano adentro, até as ilhas britânicas.
Uma história bem eficiente, servindo como mais um respiro, dentro da série, antes de vermos o desenrolar da trama principal.
Esses três álbuns redefinem a saga, sendo momentos bem paradigmáticos pra série como um todo e onde temos o universo começando a fazer aquilo de se auto referenciar e estabelecer conexões entre tramas e personagens que achávamos funcionarem isolados em suas aparições. Rasputin is no more e acho que os nazistas tb são passado. Uma guerra se aproxima e o que quer que esteja esperando Hellboy quando ele finalmente pisar em solo bretão, não aparenta ser algo amigável ou que está lá pra tornar a vida da criança do inferno mais fácil...
A seguir: The crooked man, The Troll Witch e a primeira aventura solo do BPRD....
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