Doom Patrol s01e09 - "The Jane Patrol": "The mind is a crazy thing"

O problema de escrever sobre uma série como esta é que, como acontece com qualquer obra de arte que vá pro lado do subliminar, do emocional, do psicológico e de seus subtextos, vc não consegue comentar, falar sobre elas e tals, sem ter que meter uma faca na alma e expor as feridas pro universo. E vcs sabem o quanto eu gosto de expor minha vida pessoal pra estranhos certo? Minha vida pessoal, no momento, inclui DUAS (2) pessoas: minha irmã, Grace e minha namorada Stella. E mesmo com elas eu tenho minha cota de limites. No entanto, eis-me aqui expondo excertos dos meus quase 40 anos, pra falar desse episódio que, por sua vez, também é sobre trazer à luz certos demônios interiores. 

Todo mundo tem sua cota de demônios para lidar, a diferença é a gravidade destes e o quanto eles exigem de cada um de nós para que possamos enfrenta-los e seguir adiante.

Alguns passam de boa.

Alguns, não seguem sem alguma ajuda médica

Alguns, só desistem e por mais dor que isso cause, nada além de respeito por estes, tb. Cada um sabe o peso da cruz que carrega. 

Alguns seguem com um sorriso no rosto, falso ou legítimo, fácil ou obtido através de muita dor. 

Outros, - eu incluso - decidem transformar aquilo de "nenhum homem é uma ilha" em um desafio pessoal. 

Jane criou 63 outras personalidades e conferiu super poderes a cada uma delas, como forma de poder seguir com sua vida.

Preciso dizer: o "crazy" Jane dela me incomoda. Pq ela não é louca. Desajustada, talvez. 

Quando Grant Morrison, o mesmo que "criou" a Patrulha do Destino que importa pra gente, passou pelo título do Batman, seu primeiro ato foi resignificar o Coringa pro nosso mundo. E isso nem vem da fase mais recente dele no título, mas já era algo discutido lá atrás, ainda no final dos anos 80, em Arkham Asylum: 

Esse elemento seria resgatado em seu "o palhaço à meia noite", conto em prosa narrando o momento de "regeneração" do palhaço do crime, onde vemos o nascimento de uma nova personalidade. O que ele fez foi tornar canon que todas as encarnações do Coringa, desde o palhaço engraçado da série do Batman dos anos 60 ao anti-cristo arlequim, são versões reais do personagem, onde ele se "mata" e "reinventa", de acordo com a época em que se insere e de como esta afeta a relação de completude entre ele e o cavaleiro das trevas de Gotham. Se o justiceiro muda em relação as mudanças do mundo, só resta ao vilão fazer o mesmo. Evolução ou morte.

Da mesma forma, cada uma das personalidades da Jane é uma resposta a uma ameaça ambiental encontrada pela garota após seu trauma, desde a doce Penny Farthing até a larger than life Hammerhead. A mesma forma daquilo que Morrison chamava de Super-sanidade, uma personalidade mercurial, se metamorfoseando conforme as demandas circunstanciais do universo ao redor dela. Ver essas versões dela interagindo de fato foi um dos pontos altos do episódio. Entender a dinâmica de como esses fragmentos de personalidade se organizam internamente foi igualmente fascinante.

Mas, claro, há a incômoda realidade de que nenhuma delas é maior, de fato, que o trauma que as criou e este trauma orbita pelo underground como um espectro. 

Cabe à Cliff ser o gatilho desencadeador da mudança, posição que lhe é, grossas aspas, "confortável" aqui, já que ele é o olhar externo, que traz uma luz nova à situação e que pode forçar um olhar para um ponto específico difícil de ser confrontado. E, por mais que me doa admitir isso, esse confronto é um passo inevitável para a cura e posterior superação de tais feridas internas. 

No caso da moça, o demônio maior é o pai estuprador, que viria a afetar todas as futuras interações dela com quaisquer figuras masculinas de ar "paternal", tal qual o próprio Cliff ou Niles. 

E o shut down do ep. anterior vem depois de ser traída, novamente, por cada uma dessas figuras. Em "Doom Patrol Patrol", a personagem descobre que ela era um projeto passível de ser jogado fora e deixado à própria sorte por Caulder. E em "Therapy patrol", temos aquela "truth bomb" atirada feito uma granada nela, por aquele que deveria ser seu principal amigo naquele time (ok, com os devidos créditos aqui a Admiral Whiskers, em sua missão de vingança).

É preciso ver o Homem Robo à beira do auto sacrifício pra que este reconquiste a confiança de Jane e ela possa tirar dessa relação a força pra enfrentar seu bicho papão mental. 

"Doom patrol", a série, tem feito algo absolutamente singular dentre os programas de proposta mais "mainstream" focado em super heróis. Okay, justiça devida à Legion, mas ainda assim, as duas são exceções num mar de mediocridade de seriados de super heróis e seus casos tipo "monstro da semana levando ao confronto com o grande vilão pra fechar a temporada". Um exemplo disso: loas a todos os responsáveis pela versão do pai da Jane que a série nos mostrou, em iguais medidas bizarra, simbólica (com dezenas de interpretações em termos semióticos) e assustadora. Todos nós temos nossos demônios e eu, pessoalmente, sei que as vezes, só dá pra lidarmos com eles se os colocarmos em termos que pareçam pequenos e familiares o suficiente pra gente. Quantas vezes eu mesmo, em situações complicadas, não me voltei aos quadrinhos, minha mídia favorita e a casa onde eu me escondia em horas tensas, seja na residencia em que eu vivia quando morava no interior, seja na escola, pra tirar forças e seguir adiante?

Filmes, gibis, música e seriados de tv foram as muralhas que me protegeram de uma casa difícil, de uma escola absolutamente infernal e de uma pós-adolescência/pré-vida adulta sem rumo ou perspectivas. Meus demônios também ganhavam rostos familiares na forma de vilões bidimensionais de quadrinhos, monstros gigantes ou final bosses a serem vencidos a base de muito sangue, suor e lágrimas. Eu consegui, relativamente sozinho e com my "million different people" aqui dentro, enfiar a porrada nos "vilões" e seguir rumo à vida que tenho hoje. Ainda com pontos a serem acertados, aqui e ali, mas eu nunca, nem na adolescência, nem na faculdade, NUNCA estive tão feliz como hoje em dia. Jane visualizava seu nêmesis mental como uma criatura feita de peças de quebra-cabeças, quase um kaiju conceitual e igualmente, precisou de uma certa ajudinha dos amigos pra trazer essa gargantua abaixo.

Não apenas os amigos que ela mesma criou mentalmente, mas Cliff, o elemento externo. E no final, ela segue mais forte. Ainda machucada, ferida, ainda traumatizada. Mas com uma vitória, inquestionável, naquele dia. E pronta pra próxima batalha, no dia seguinte. E no próximo. E no próximo. 

Um dia por vez. Um monstro por vez.

- Vale mencionar que a série implicitamente - e como fez no ep. anterior - mostra que empatia é uma via de mão dupla e que, ao ajudar aos outros, ajudamos também a nós mesmos. Ao comprar a causa de Danny, Larry se viu podendo lidar com os próprios traumas do passado no Bureau e alcançar certa harmonia interna. Aqui, ao se colocar numa jornada rumo ao desconhecido tentando ajudar Jane, Cliff se vê também fazendo as pazes entre seus eus internos: o de carne e o metálico. Percepção, crianças, a palavrinha que sempre retomo ao falar dessa obra. As above, so below. Mudando o interior e vendo o exterior se transformando, se adaptando no processo. Não se olha pro abismo sem que ele te olhe de volta, pro bem ou pro mal. Obviamente, tb me vejo na dor do Cliff. Em algum momento, o homem que eu fui era imperfeito demais, machucado demais, quebrado demais pra se tornar aquilo que eu achava que queria ser. O jeito foi abandonar o Daniel e me tornar Hak. Deixar pra traz o homem, seus problemas de homem e seu corpo de homem, e virar um Urso. E um Urso eu sou, ainda que disfarçado de gente.

- Podemos ter visto um dos marcos zero do ódio de Jane à fascistas: a professora dela, claramente uma reaça daquelas que carregam a postura com orgulho, espalhando pra seus alunos uma mensagem mega "white trash", quase acusando Lincoln de "comunismo". Explicado, né?

- Eu não consegui ver com clareza as pinturas na sala das "Sisters" mas me parece que todas remetem às figuras clássicas das musas gregas e das 3 irmãs (conhecidas também como as fiadeiras, são as 3 entidades que controlam o destino e seus rumos. Fãs de Sandman tem familiaridade com elas). 

- Outro episódio denso e sem referências aqui. Nem precisou, vamos ser honestos.

- Eu sou apaixonado pela Anna Lore desde que a conheci no "Wrestling is not Wrestling", onde ela interpretou uma encarnação rule 63 de Daniel Bryan e fiquei bem feliz em vê-la aqui, como a versão "real" de Penny Farthing. Já disse aqui antes: Lore é meu casting dos sonhos pra interpretar a Garota Esquilo numa versão live-action da HQ.

A seguir: se vcs acham que isso foi o mais dark que podemos chegar, OH BOY, como vcs estão errados. Also, um cara comendo aqueles fios de barba e cabelo que ficam no ralo do banheiro. Sim, isso foi asqueroso. Sim, quase me provocou vômitos. Ewwww.