sexta-feira, 31 de julho de 2020

and now for something completely different...



Conversando com o Starman #14

Antes de Blackstar, antes de Berlim, de Ziggy, do Scary Monster, do Duke e de todo o resto, havia um guri de 20 anos que tinha conseguido um contrato com uma gravadora para o lançamento de 3 singles e um disco. Um guri talentoso mas que ainda estava tentando encontrar a própria "voz artística". Essa é a história de uma dessas 3 músicas que foram sua rota de entrada para a Deram e, a partir daí, para os livros de História da música: RUBBER BAND.


Contexto: Então. Este é um disco complicado de se comentar. De fato, se você é um fã de Ziggy ou de qualquer das personas futuras e vai ouvir o primeiro lançamento dele.... eu não diria que "frustrado" seria a o saldo final da empreitada. Mas, "David Bowie '67" carrega muito da época em que ele se inseria e de um conflito entre o que fazia sucesso + as influências que ele tinha versus quem de fato ele queria ser. Comparemos, por exemplo, essa música com os outros dois singles lançados no acima mencionado acordo com a Deram: "London boys" é uma canção folk, gênero que reinava supremo e que seria o estilo mais presente no seu álbum de estréia, fortemente influenciada por Anthony Newley, ator e cantor de quem Bowie era fã.
O outro single lançado foi "The laughing gnome".
Yeah...



Nenhum dos 3 singles - ou o disco resultante desses trabalhos - seria bem recebido por público e crítica. Mesmo o cantor renega em parte "David Bowie 67". Mas preciso confessar que tenho um grande carinho por esse LP. Sim, ele é irregular e poderia ser um pouco menor. Mas tem grandes faixas ali: além da descrita nesse capítulo, temos "Sell me a coat", "Little bombadier", "Uncle Arthur", a belíssima "Love you till tuesday". É uma obra que fecha com o conto de terror "Please Mr. Gravedigger". De fato, pode ter fortes referências folks e acenos para a cultura mod, mas os elementos que viriam a se tornar a assinatura do artista já estavam ali.

Sobre a música: "Rubber band" narra a história de um veterano da Primeira Guerra que volta do combate ansioso para reencontrar a mulher amada. O personagem descreve suas memórias, enquanto ouve uma dessas bandas de coreto que existem em toda cidade pequena tocando e conclui a narrativa revelando que a amada em questão se casou com o condutor do grupo.
Novamente, é interessante observar como, mesmo ainda um artista em formação, Bowie já traz aqui os elementos que vão marcar sua discografia: a teatralidade forte, o elemento de storytelling e a figura do narrador como uma figura trágica, revisitando o passado e fazendo aquela que é a pergunta mais cruel da existência humana: "e se...?". Curioso também é notar que alguns dos medos e ansiedades que viriam a atormenta-lo pelo resto da vida, já se manifestam neste momento ainda insipiente de sua produção artística. Mesmo considerando que são temores primordiais e que estes - medo do fracasso e da própria irrelevância - são presentes em todo mundo desde que o primeiro homo sapiens se tornou senciente, é fascinante ver que seja no jovem artista do qual falamos aqui, anos antes do sucesso e de se tornar a figura maior que a vida que viria a ser, seja no contador de histórias consagrado de "Blackstar", certos demônios nunca nos abandonam. 

Como vai ser o seu dia: Uma constante aqui é a mensagem de faça arte. Por várias vezes, eu já fechei essa coluna praticamente pegando os senhores, leitores, pela mão e dizendo pra vocês lançarem a própria voz ao mundo, certo? Bom, o lado menos bonito disso é: aceitem seus fracassos. 
Okay, não duvidem do próprio talento mas lembrem-se de que todo mundo precisa de um certo período de incubação até se tornar o criador de pleno potencial que pode vir a ser. "Roma não foi feita em um dia" e não é como se um infante Da Vinci, entre uma garatuja e outra, tivesse concebido a Mona Lisa. Sim, vão fazer arte. Mas saibam respeitar sua própria curva de aprendizado.
Sim, estamos todos morrendo e o tempo está contra todos nós. Mas paciência é uma virtude. 
Tem que se engatinhar antes de andar e andar antes de correr, certo?

Frase do dia: "I hope you break your baton".

quinta-feira, 30 de julho de 2020

and now for something completely different...





Too sweet #20: Nick Aldis vs Cody Rhodes II

Não precisa de muito preâmbulo, mas eis me aqui tecendo um: começou no ALL IN. Dia primeiro de Setembro de 2018. A pedra fundamental do que viria a ser a All Elite Wrestling, atualmente minha promotion favorita (junto com a GCW). Cody desafiou o campeão da NWA, Nick Aldis, pelo cinturão de pesos pesados da companhia. Cinturão esse que foi 3 vezes conquistado por seu pai, Dusty, então, há história, há drama e gravitas nessa narrativa. E ao final daquele combate, Cody repete a conquista do American Dream. 
A luta abaixo é a revanche, onde Aldis tenta reconquistar o título em quase uma hora de luta contra o "American Nightmare". 


Esse é o típico caso de "coisas para as quais você só dá o devido valor depois que perde". Vi o episódio de estréia do NWA Powerrr, o programa semanal da companhia de Billy Corgan e gostei, mas fiquei nisso. Passou um tempo e eu soube que, por causa do COVID, eles, ao contrário de outras promotions que seguiram adiante com as gravações, apenas adotando medidas para a garantir a segurança dos talentos e equipe de produção, decidiram pausar de vez as filmagens até a pandemia passar. Ou seja, sem mais episódios por enquanto. Aproveitando o ensejo, fui conferir os 21 programas disponíveis, na íntegra no canal do youtube deles e estou encantando. 
A National Wrestling Alliance é parte fundamental da história da luta livre. A companhia tem mais de 70 anos de existência e teve papel de protagonismo na era de ouro do pro-wrestling, no período conhecido como a era dos "territórios" (falo sobre isso qualquer dia desses, prometo). 
Mesmo com o desaparecimento de várias e várias empresas de wrestling e a onipresença da WWF/WWE a partir do final dos anos 1970, a NWA sobreviveu. Meio aos trancos e barrancos, mas sobreviveu. Eles vinham ganhando momentum com o show e conquistando todo um novo público antes do hiato forçado. De fato, o produto que eles entregam é algo muito único, que abraça a estética do wrestling dos anos 80, aquela coisa da era Hogan com seus promos e entrevistas cheias de excessos  e funde isso com a energia e movimentos da luta livre do século 21. Os estilos de grappling e a luta de chão convivem com a velocidade, os flips e saltos maiores que a vida que vemos em qualquer promotion em atividade hoje em dia. Somemos a isso uma divisão feminina e de tag teams interessante e temos um programa facilmente viciante.
Torço para que o mundo volte ao normal (não apenas por isso, convenhamos) e que eles retomem as atividades de produção do show semanal. Para quem ficou curioso, vão lá ver no canal da empresa.
Tem muita coisa legal. Não apenas os episódios do "Powerrr" mas também vários documentários sobre a riquíssima história da Alliance, além de programas de entrevistas com membros do seu roster. 

and now for something completely CHAOTIC!!!!!!!



Marilyn Manson. Ovelha negra do rock nos anos 90, culpabilizado por quase tudo de ruim que ocorreu no final dessa década, incluindo, obviamente, o fato de ter sido apontado como "inspiração" pros atiradores de Columbine. O preço a ser pago por ser, não apenas uma voz destoante das demais, mas por também, ser alguém a frente de seu tempo. No meio da "pax americana", do período de suposta bonança do país, pós guerra fria, pré 9/11, ele foi uma das raras figuras a alcançar o mainstream enquanto professava sua crença de que as estruturas que sustentavam aquele "império sem fim" estavam podres. 
Voltamos nossos olhos para o mundo de 2020 e acho seguro dizer que Manson riu por último. 
Foi divulgado que, num timing perfeito já que nos encontramos, de fato, no típico cenário distópico que o artista prenunciava em discos como os clássicos "portrait of an american family", "antichrist superstar" e "mechanical animals", tem novo cd chegando. 
"We are chaos" será lançado no cabalístico dia 11 de Setembro desse ano. O trabalho, décimo primeiro de sua discografia, tem produção de Shooter Jennings, famoso por seu trabalho na música country (e de fato, podemos ouvir certos elementos do gênero na faixa acima), o que pode dar o tom do que viremos a encontrar no futuro lançamento, numa muitíssimo bem vinda fusão de elementos acústicos com o rock e industrial que são característicos na obra de Manson. A faixa-título ganhou um vídeo particularmente sinistro - e belíssimo - que vocês podem ver clicando acima. 
Segue a lista com o título das faixas: 

01. Red Black And Blue 
02. We Are Chaos 
03. Don't Chase The Dead 
04. Paint You With My Love 
05. Half-Way & One Step Forward 
06. Infinite Darkness 
07. Perfume 
08. Keep My Head Together 
09. Solve Coagula 
10. Broken Needle

Do seu disco de estréia ("Portrait....") até seu lançamento de 2003, o "The golden age of grotesque", o rockstar lançou obras excelentes. Alguns dos trabalhos seguintes soavam meio irregulares, até o release de "The Pale Emperor", onde o artista entregou aquele que é, na minha relativamente humilde opinião, o melhor álbum de sua carreira. "Heaven upside down", de 2017, manteve o nível bem alto, então vocês podem imaginar porque me vejo ansioso. 
O mundo está quebrado e é fascinante ver o anti-cristo superstar se erguendo como uma das vozes narrando a crônica desse trem descarrilando.



Conversando com o Starman #13

Mais uma quarta de hiato se passou e rumamos novamente ao final de semana, senhoras e senhores. 
O mundo continua acabando, quem pode, continua na quarentena, quem não, é jogado aos lobos pelo sistema capitalista e as engrenagens continuam se movendo, ainda que em velocidade reduzida. 
E mais importante do que a lenta degradação das estruturas sociais que sustentam o ocidente de 2020 é o retorno do seu oráculo bad vibe ultra pop predileto. 
A música de hoje vem do penúltimo disco de David Bowie e é, de fato, uma das faixas mais interessantes daquele trabalho: LOVE IS LOST


Contexto: Desse eu posso falar com tranquilidade já que tá fresco na memória (inclusive, eu, definitivamente um não-convertido quando falamos em colecionismo de mídias físicas, vejo a capa do meu CD me olhando de volta, na seção da minha estante que funciona como um pequeno altar Bowieano). Dois mil e treze. O mundo, doente há eras, começa a apresentar de forma gritante os sintomas visíveis do mal que viria a acomete-lo nos anos seguintes (inclusive, para aqueles que forem acessar esse texto num tempo posterior ao de sua concepção, estamos em 2020 e o paciente segue em estado grave). Posicionados naquele momento histórico, no entanto, tudo seguia relativamente normal quando, de repente, não mais que de repente, sites de música e cultura pop em geral anunciam o release surpresa de "The next day", vigésimo quarto lançamento de estúdio de Bowie. Todo mundo foi meio que pego de guarda baixa, já que pensávamos que ele estava aposentado da vida artística. Seu trabalho anterior, o "Reality", de 2003, havia recebido boas críticas e vendas significativas e foi, inclusive, na tour de shows de divulgação do álbum que o cantor sofreu seu primeiro ataque cardíaco. O sucesso da obra , os efeitos de uma turnê mundial no artista que já beirava os 60 anos e esse período sem novos CDs indicavam o final de sua carreira então, vocês podem imaginar o quão bombástica foi sua chegada. De fato, o disco esteve no topo de quase todas os charts de mais vendidos de 2013. Foi a primeira vez que um lançamento de David Bowie esteve no topo das listas de vendas britânicas desde "Black tie, white noise", de 1993. 
A escassez de entrevistas, aliada à declaração de que não haveriam shows de divulgação, novamente, cimentaram no fandom a certeza de que dessa vez, sua carreira havia terminado de fato. 
E como tal, estávamos bem, já que, como eu mesmo dizia depois de ouvir a obra, esse teria sido o fim de carreira artística mais digno do qual conseguia me lembrar. 
Claro, que novamente, estávamos todos errados, como viríamos a perceber, 3 anos depois, quando uma estrela negra apareceu no céu, mas...

Sobre a música: Uma das faixas mais "diretas" do "the new day". Uma canção de rock, com toda a crueza e simplicidade que esperamos de uma composição do tipo.  A letra narra as reflexões de um artista lembrando de seu passado: jovem, aos 22, tudo é novo. Novo país, nova vida, novos amigos. Citando a frase-tema do filme "Scarface", "o mundo é seu". 

"But your fear is old as the world"

Porque por toda a história humana, qualquer artista que se joga na aventura de tentar conseguir validação e reconhecimento protagoniza um conto com tons de horror: o medo de julgamento, o medo do não-reconhecimento, de ser irrelevante e de terminar enterrado numa lápide e descrito postumamente como "uma grande fonte de potencial não-concretizado". Para cada história de sucesso, dezenas e dezenas de talentos ignorados. O que não é o caso do protagonista dessa canção (e lembremos, a idade do personagem não é uma coincidência: aos 23 anos, um ano mais velho portanto do que o narrador de "love is lost", o artista lançaria "The man who sold the world"). 

"Say goodbye to the thrills of life 
When love was good, when love was bad 
Wave goodbye to the life without pain 
Say hello, you're a beautiful girl"

Com a fama e a fortuna, o artista-narrador desta faixa abre mão dos elementos que compõem uma vida "ordinária". Vai-se embora o amor e os altos e baixos de uma realidade em que as coisas são conquistadas com dificuldade. Agora, você é uma "estrela" e tudo (inclusive a "beautiful girl" da letra) está ao alcance da mão. Fica a questão: um cotidiano sem adversidade alguma vale a pena ser vivida? A dor é um inimigo a ser derrotado ou é o que, paradoxalmente, confere valor as conquistas que alcançamos no decorrer de nossa existência? 

"Say hello to the lunatic men 
Tell them your secrets, they're like the grave 
Oh, what have you done? 
Oh, what have you done? 
Love is lost, lost is love"

Quem são os homens lunáticos da letra? A gente, tomando qualquer declaração dos artistas como se fossem os mandamentos esculpidos nas pedras de lei, desesperados, tal qual viciados procurando por um novo "pico"? 
Nessa troca, algo se perde. O artista em questão, ganhou o mundo, o universo e a imortalidade. Mas, nesse pacto faustiano, ele abriu mão do amor e se vê perguntando se o preço não foi alto demais. 
O único consolo é que isso não é uma escolha: 

"You know so much, it’s making you cry 
You refuse to talk, but you think like mad"

Todo artista vai te dizer isso e é fato. Diabos, todo escritor, famoso ou não, vai corroborar essa afirmação e eu, do alto da minha insignificância, posso dizer que é uma verdade: não escrever DÓI. Quase literalmente. 
Se você tem algum amor pelo ato de sentar na frente de um papel em branco, seja ele físico ou digital, e se auto-imolar no ato de tentar criar "algo", qualquer coisa que seja, você sabe que não escrever dói e eu juro que estou dizendo isso sem tentar injetar nenhum romantismo nesse ato. 
Eu já fiquei períodos sem postar nada e eu sempre me sinto irrequieto depois de alguns dias.
Você sente como se quisesse pegar um megafone, subir numa caixa e sair vomitando opiniões a plenos pulmões.
Foram 10 anos entre o álbum anterior e esse. Bowie ainda tinha algo a dizer. E não fazê-lo se tornou doloroso. 
No clipe maravilhoso de "Love is lost" (em versão remixada pela DFA de James Murphy), David, o homem, se vê num prédio vazio (de fato, o apartamento do artista em NY). Sozinho, perdido em suas idéias, ele se vê diante de duas criações suas, que parecem se mover sinistras, tal qual fantasmas, dentro de sua mente. 


Vemos dois bonecos que remetem a duas das minhas personas favoritas do artista: o Thin white duke e o Scary Monster. Ao vê-los, ele se pergunta"what have you done?"
É interessante notar que não vemos as personas mais "festivas" e "solares" do artista. Não aparecem Haloween Jack ou Ziggy Stardust, mas o Duque e o Pierrot, criações que remetem a momentos mais sinistros de sua vida. Arrependimento, sim, mas também certa consciência de que ele precisa voltar a lidar com seus demônios. Porque, afinal, qual é a sua opção? Ele é um artista, e artistas precisam criar. O paradoxo ali é que a única forma de calar as vozes em sua cabeça é deixando seus demônios gritarem. 
O pacto é refeito. O mundo é dele de novo. E nós, os lunáticos, mais uma vez, paramos para ouvi-lo. 

Como vai ser o seu dia: Faça arte. Pro inferno com as consequências. Qual a escolha?
As pessoas falam da arte como se fosse algo descartável. Bom, veio a pandemia e mais do que nunca, é a arte impedindo que vejamos corpos caindo dos prédios, em uma macabra chuva humana de suicidas procurando uma rota de fuga. Arte é o que faz ficar aqui valer a pena.
É o que nos mantem sãos. Então, vai fundo. Boa arte, má arte. Arte também é aprendizado e técnica. 
Deixa os seus demônios falarem. Porque se você tem esse impulso, se você tem essa "coisa" de fazer arte em você, por mais que você possa tentar ignorar, você sabe que está lá, cobrando atenção, querendo sair para a luz. 
Não é uma escolha. Na verdade, nunca foi. 

Frase do dia: "Seu medo é tão velho quanto o mundo"

terça-feira, 28 de julho de 2020

Conversando com o Starman #12

Okay, senhoras e senhores. Estamos de volta para mais um episódio do seu oráculo apocalíptico ultra-pop favorito. A canção de hoje vai ser uma das complicadas de se comentar aqui e isso porque ela faz parte de um dos trabalhos conceituais de Bowie e olhar apenas esse fragmento sem levar todo o conjunto em consideração me parece meio covarde.
De qualquer maneira, falemos da faixa mais difícil de "Outside": A SMALL PLOT OF LAND


Contexto: Tudo começa em 1992. Na verdade, tudo começa uns 15 anos antes, mas para fins de concisão, vamos nos concentrar nos eventos ocorrendo no segundo ano da década de 90: Bowie estava se casando com aquela que seria a sua esposa até o final de sua vida, Iman Abdulmajid. 
Na festa, entre comes e bebes e conversas soltas aqui e ali, ele reservou dois dedos de prosa para um colaborador de longa data: Brian Eno. Como os senhores sabem, os dois trabalharam juntos nos 3 álbuns que fazem parte daquela que é conhecida como a "trilogia de Berlin", sendo eles o "Low", "Lodger" e "Heroes". Eno, basicamente, foi quem evangelizou um Bowie pós Ziggy, pós Aladin Sane, pós Diamond Dogs e pós Station to Station sobre as belezas dos sintetizadores e sons eletrônicos que, salvo a fase de "rock de arena" do artista nos anos 80, seria outra companhia constante em sua produção até sua morte em 2016. 
De volta ao reencontro entre ambos: entre cartas e mais cartas discutindo a situação da música nesse momento e tudo o que eles sentiam que faltava nelas, os dois começaram a esboçar certa vontade de produzir um novo trabalho juntos. Já decididos a conceber um novo disco e com a notícia de nova parceria entre ambos ganhando o mundo, a Q Magazine sugeriu ao cantor que ele escrevesse um diário de produção, que seria posteriormente publicado na revista. Bowie declinou o convite original, já que achava que a descrição do dia-a-dia no estúdio seria chata demais, mas acabou escrevendo o tal diário sob a perspectiva de um dos personagens da obra. Daí para a idéia de, de fato, criar um álbum conceitual, foi um pulo e dessa convergência de eventos, veio "Outside", décimo nono lançamento de estúdio da carreira do artista. 
Como dito acima, a idéia era comentar sobre os rumos que a arte e principalmente a música tomavam nessa metade de década em que se encontrava. Não quero adentrar demais a esse respeito para não terminar com um texto quilométrico, mas o álbum descreve um mundo distópico, localizado em 1999. Nesse cenário, ocorriam os art-crimes, que eram exatamente isto: pessoas eram mortas e seus corpos eram mutilados eram vistos como um novo trending artístico socialmente aceito e reconhecido como tal. O protagonista do LP, Nathan Adler, é uma espécie de crítico de arte especializado nesta...... "nova mídia" e é quem, de fato, separa "as peças" dignas de reconhecimento e validação e o que é apenas "lixo". 
A idéia de Bowie e Eno era de fato, captar o espírito da época em que este CD se inseria: 1995. 
Um ano antes, o mundo viu o lançamento de vários discos clássicos que marcariam a década: o "Definitely Maybe" do Oasis,  "The downard spiral" do NIN, "Grace" do Jeff Buckley, "Portrait of an american family" do Marilyn Manson, "Ready to die" do Biggie, "Illmatic" do Nas, "Parklife" do Blur, "The Holy Bible" do Manic Street Preachers, "Ill comunication" dos Beastie Boys, o clássico acústico MTV do Nirvana. É o ano, aliás, em que Kurt Cobain dá cabo da própria vida na garagem da casa em que vivia. O mainstream era aquilo: Ace of Base reinava com 3 singles no top 10 da lista dos 100 maiores do ano. Lista essa que incluía, apenas para ficarmos nos 20 primeiros, nomes como Celine Dion, Mariah Carey, Toni Braxton e Bryan Adams. Paralelo a isso, tínhamos também aquele típico mal estar de fim de século, polarizado ainda mais por, também, ser um fim de milênio. Os franceses se referem a esse fenômeno como "fin de siecle", que é esse mal estar coletivo, essa sensação de apocalipse iminente que cai sobre o mundo com a proximidade de datas cabalísticas como essas. Alguns textos que li falam que o "fin de siecle" virou mainstream de fato em 1992, na noite do Oscar em que "Silêncio dos Inocentes" levou os 5 principais troféus da premiação (melhor filme, roteiro, ator principal, atriz principal e direção). 
"Outside" cria um universo que alia essa efervescência artística a essa sensação de fim iminente, numa história de tons sinistros. Caos social, espiritualidade, fascismo e arte, tanto como forma de validação desse cenário como arma contra ele. 

Sobre a música: "A small plot of land" é um pesadelo sonoro de mais de 6 minutos, com uma instrumentação jazz de tempos quebrados, sons atonais de guitarra e piano, vozes etéreas (a de Bowie é só a mais notável dentre elas. Podemos ouvir algo que soa como um cântico indígena a partir dos 4 min.) combinando tudo isso num cenário infernal, fascinante e opressor ao mesmo tempo. A letra é intencionalmente dúbia: ouvimos a voz de Adler, o crítico de arte, avaliando o "objeto de art-crime" mais recente. Ele fala num tom condescendente, se apiedando daquilo que vê. No entanto, mais uma vez, o crime é um ato artístico em si, então, não sabemos de fato se sua piedade está com a pessoa que foi assassinada ou se suas palavras se referem a aquele corpo como obra. Nesse caso, o "poor dunce" da faixa seria o artista, alguém tentando se expressar artisticamente, mas sem sucesso. 

Frase do dia: "Is small life so manic?". A frase parece falar sobre ambos: o corpo assassinado e o homem que o matou como forma de ganhar notoriedade. E sobre o nosso mundo em geral. 
Os anos 90 foram bizarros para dizer o mínimo, quase como um rascunho do nosso mundo de 2020 e sua necessidade de super-exposição constante. Vidas inteiras transformadas em arte, em geração de conteúdo e produção non-stop. Ninguém quer ser normal, comum. "Small life". 
E sim, eu sei o quanto soa hipócrita eu dizer isso no meu WEBLOG, onde eu normalmente vomito minhas intimidades em forma de posts, vídeos, podcasts e gifs animados. 
Vontade de notoriedade, sempre existiu. O que torna nosso mundo notável é a quantidade de meios que temos para coletivizarmos nosso "particular".
É aqui que eu termino esse texto: eu sei que normalmente agora vem a parte em que o autor falaria da necessidade de revisar isso e que não existe nada de mal em pelo menos filtrarmos um pouco disso, reservarmos um pouco do nosso cotidiano apenas para nós mesmos.
Mas de novo: BLOG, diário virtual. Eu tenho podcast, canal no youtube, praticamente moro no twitter e meu notebook as vezes vira 24 horas ligado entre os dias, em que eu vejo a rede social do pássaro azul e outras como Instagram, e as noites, onde baixo coisa. Parte dessas, inclusive, para depois virar conteúdo para o meu blog. 
Então, não crianças. Vocês que lutem. Vocês que reflitam sobre onde fica o limite entre o público e o "conteúdo para as massas". Eu? Fico aqui, tentando andar na corda bamba entre um e outro, tentando eu mesmo encontrar minhas respostas. 

segunda-feira, 27 de julho de 2020


Conversando com o Starman #11

Bom dia, senhores. Apesar dos maus augúrios da faixa de Sexta-feira, estamos aqui, firmes e fortes.
Exceto, obviamente, pelo rapaz que fugiu para as montanhas, descrito no ultimo texto da semana passada. Continuamos torcendo por ele. #neverforget.
Enfim, primeira faixa da semana e primeira faixa daquele que é, segundo muitos, o disco mais clássico da obra Bowieana e o favorito de muitos dos fãs do cantor: o imortal "The rise and fall of Ziggy Stardust and the spiders from Mars". 
A canção em questão é a unica faixa cover desse trabalho: "IT AIN'T EASY"


Contexto: Quinto LP de Bowie e o primeiro sucesso comercial do artista, "Ziggy..." é o divisor de águas de David Bowie. Onde antes o folk predominava, agora temos o rock. Onde antes, o artista cantava de cara limpa ou interpretava diversos personagens diferentes num mesmo disco, aqui, ele se entrega à uma persona em full time, fazendo aquela mescla que iria marcar sua produção artística, onde nunca temos certeza de fato onde termina o criador e começa a criatura.  Não vou entrar aqui numa discussão do porquê do sucesso deste álbum, já que existem livros e mais livros cujo único foco é entender seu impacto na sociedade dos anos 70. O ponto é que o choque daquela persona em seu tom glam maior que a vida, aliado ao simples fato de que são 11 faixas absolutamente impecáveis, temática e musicalmente, tomou o mundo de assalto. Não é o primeiro grande trabalho de Bowie, de maneira nenhuma, mas foi o primeiro a cair nas graças tanto da crítica quanto do público. O resto é história. 

Sobre a música: Na sexta eu disse que otimismo não era uma moeda corrente na mitologia Bowieana e aqui vemos um exemplo prático disso: a versão cover tem algumas diferenças fundamentais na letra em comparação com a original de Davies, lançada dois anos antes de "Ziggy.." ganhar vida.


Em ambas, temos um homem que se vê no campo, apreciando a beleza das coisas, a grandiloquência da natureza e as promessas de uma vida bucólica, contrastando estes com a dureza e a desesperança da vida na cidade grande e em grandes perímetros urbanos. Como eu fui um guri criado no interior, o tema me soa familiar: como, distante, a cidade parece uma utopia, onde tudo está ao alcance e todos os seus sonhos parecem perigosamente próximos. Até o momento em que você se joga, de fato, em meio à selva de concreto e percebe que a luz te seduzindo ao final do túnel era, na verdade, um trem vindo para cima de ti. 
É curioso notar que esse é o segundo cover feito por Bowie do qual falamos aqui que altera a letra do original para pintar um cenário com tons menos coloridos e otimistas. 
Por exemplo, na canção de Davies: 

When you go up on the mountain top and you look out across the sea 
And you know there’s another place perhaps where a young man could be 
And you jump down to the rooftops and you look out across the town 
And you know there’s a lot of strange things circulating ‘round

Já o cover: 

When you climb to the top of the mountain 
Look out over the sea 
Think about the places perhaps, where a young man could be 
Then you jump back down to the rooftops 
Look out over the town 
Think about all of the strange things circulating round

Em outro ponto, onde a original diz que "com paciência e compreensão", nosso herói pode vislumbrar um futuro melhor, Bowie acredita que "apenas com a ajuda do bom Deus" o protagonista do disco, Ziggy, poderá vencer seus demônios que o atormentam. 
Parecem diferenças pequenas, mas elas servem para compor um personagem bem mais cínico e com uma visão bem menos positiva do que na obra que lhe serve de inspiração. O herói de Davies SABE  que "existe um lugar melhor". O alien em sua missão de 5 anos, que é o narrador de "the rise...", pensa que "TALVEZ" haja um mundo onde um jovem homem possa atingir seu pleno potencial. 
No verso em que cita a figura de Deus, essa inteligência superior não surge como um raio de esperança. Na canção de 70, Davies afirma que o mundo é um lugar frio e duro, mas achar seu lugar nele não é impossível e que a chave para tal compreensão se encontra dentro de cada um de nós, que paciência e reflexão são as chaves, que vencer as adversidades que a vida moderna nos apresenta é apenas uma questão de perspectiva.
Já Ziggy, num momento confessional, parece apenas admitir a própria impotência e de que nada poderá oferecer alguma luz. Nada exceto, talvez, a providência divina. Na qual, aliás, ele nem parece acreditar de fato. 

Como vai ser o seu dia: Respira. A gente sabe que o mundo de 2020 é um lugar árido, cruel e assustador. Mas respira.
Não, eu não estou dizendo que o ato de você inalar oxigênio vai lhe oferecer qualquer solução. 
Oh boy, não, esse navio já saiu do porto faz tempo.
Só estou dizendo isso e especificamente isso: tira alguns segundos para respirar com calma. Tudo vai continuar tão horrível como antes de você reservar esses segundos para encher seus pulmões com calma. Alguns demônios PODEM, vejam bem, PODEM (é uma possibilidade, de maneira nenhuma uma certeza) parecer menores depois de um intervalo para tentarmos uma mudança de perspectiva. Outros não. 
Mas mesmo se esse for o caso, nenhum de vocês perde nada ao tirar uns minutos para respirar com calma. Afinal, está lá na faixa que discutimos hoje "Well, all the people have got their problems/ That ain't nothing new". Então.... por que não?

Frase do dia: "It ain't easy". De fato, não é nada fácil. Seja Bowie falando sobre como é difícil atingir os céus quando você se vê apenas caindo, seja em "Down in a hole", clássico do Alice in chains que diz que "Eu quero voar mas minhas asas me foram negadas", seja Jim Morrison em sua "Bird of prey" e em várias outras canções que tratam dessa aspiração básica e milenar humana de, literal e metaforicamente, ganhar os céus, o consenso entre todos eles é: não é fácil. 

domingo, 26 de julho de 2020

sábado, 25 de julho de 2020

sexta-feira, 24 de julho de 2020

A coleção Gamera está chegando...



Para aqueles dentre vocês que ainda acreditam no conceito de mídia física, a Arrow movies postou um trailer de divulgação do box especial trazendo a coleção de filmes do segundo kaiju mais famoso do Japão. "Gamera: the complete collection" reunirá os 12 filmes da tartarugona, pela primeira vez lançados em versão blu-ray. Além dos filmes, a caixa traz alguns agrados que farão a alegria dos fãs, entre eles: uma hq de 120 páginas e mais um livreto com curiosidades sobre a personagem. 
O box, já em pré-vendas, tem lançamento marcado para o dia 17 de Agosto pro Reino Unido e para o dia 18 do mesmo mês para os EUA. 


Tô devendo faz tempo uma série de textos cobrindo a cine-franquia da Gamera, do mesmo jeito que fiz com a do Godzilla (de longe, mas DE LONGE, os textos mais lidos daqui do blog). Fui assistir a cinessérie achando que seria pura comédia trash e, de fato, a maioria dos filmes tem um tom mais leve, voltado para toda família. Isso até o momento em que cheguei nos filmes da era Heisei. 
É possível que a trilogia da Gamera (feita entre 1995 e 1999) seja a melhor coisa já feita com Kaijus no cinema. E vocês sabem o quanto eu sou apaixonado pelo reboot do Godzilla desse mesmo período. Isso posto, confiem em mim: se não quiserem ver a fase "family friendly" do monstro e estiverem atrás de um material bem mais sério e dramático, vão atrás dos 3 filmes dirigidos por Shusuke Kaneko. 
Prometo (de novo) falar não só dos 3, mas da série completa aqui no blog, num futuro próximo.

Vi primeiro aqui.

Conversando com o Starman #10

Okay, quando eu comecei essa série, eu não considerei o fato de que oráculos geralmente servem para oferecer alguma esperança para as pessoas e, bom, essa sensação de um futuro melhor não é moeda corrente na mitologia Bowieana.
Vejam bem: meu problema com astrologia, tarot e toda forma de oráculo é que normalmente, eles servem pra prever algo superficial. Se meu dia vai ser bom, se a pessoa amada volta em 3 dias ou não, quem é meu aliado na empresa e quem quer meu mal. E normalmente, tudo vem num tom de positividade e otimismo que me soam irreal. Tudo vai inevitavelmente dar certo. Sempre.
Eu já disse aqui inclusive, que eu entregaria meu total respeito ao primeiro oráculo que chegasse me dizendo tipo "seu dia vai ser horrível, sua família inteira vai ser tragada pela Terra e existem gigantescas probabilidades de que você seja o anti-cristo bíblico. E sua cor do dia é verde"
Bom... nesse aspecto, essa seção me soa extremamente satisfatória. A canção de hoje, por exemplo, que vai dar o norte não só de hoje mas do final de semana é KINGDOM COME. Então, senhores, fiquem em casa. Ou corram paras as montanhas. 


Contexto: Faixa 8 de um dos meus LPs favoritos de David Bowie, o lendário "Scary Monsters (and super creeps)", seu décimo quarto disco de estúdio e aquele que muitos apontam como "o começo do fim" (e só pra constar, agora, aleatoriamente, começou a tocar "Ashes to ashes", a.k.a. "a música mais bonita do mundo" no youtube. Eu sei, não é uma coincidência e sim ação dos onipresentes algoritmos da plataforma, mas.... serendipitía, de qualquer forma). Seus álbuns anteriores, normalmente reunidos sob o epíteto de "a trilogia de Berlin" - "Low", "Lodger" e "Heroes" - foram um grande sucesso crítico, mas menos bem-recebidos em termos de vendas. Aqui, no entanto, temos um maior equilíbrio, o que reverteu em maior aceitação do público. Alguns textos que li, no entanto, indicam o efeito negativo disso, já que os próximos lançamentos do artista iriam se voltar mais em direção ao popular, ao rock de arena, rendendo obras menos inspiradas. "Let's dance", seu disco seguinte, seria seu campeão de vendas e, apesar de ser um álbum querido pela crítica, caminha ainda mais em direção do mainstream. 


Sobre a música: A canção é, de fato, um cover de um dos ídolos pessoais de Bowie, Tom Verlaine, ex-Television e, na época, lançando seu primeiro disco solo, de onde a faixa veio por indicação do guitarrista e colaborador constante de David, Carlos Alomar. A música descreve o dia-a-dia de um homem numa rotina de trabalho massacrante. Ele quebra pedras e vai pra casa, onde implora por pelo menos uma noite de descanso, apenas para no dia seguinte, voltar à labuta. 
Curiosamente, existe uma diferença entre esta versão e a original que reflete o tom geral de "Scary monsters.." em geral: enquanto a canção de Verlaine tem a frase "when the kingdom comes" no refrão, Bowie joga a frase pro final da canção, já em seus últimos momentos. A esperança do protagonista da original é uma constante, ao lado dele o tempo todo, mantendo-o de pé.
Na versão Bowieana da música, mesmo esse alívio é um luxo não disponível. 
O mundo de "Scary monsters..." é um lugar hostil, fascista e cheio de vícios prontos para destruir uma alma humana. Esperança, aqui, é um item em falta.

Como vai ser o seu dia: Okay.... só reiterando: corra para as montanhas?
Não, okay, tentemos um tom mais amigável: Relaxe. Tire um dia de descanso. "Trabalhe para viver, não viva para trabalhar".....

E também, enquanto prepara a mochila para a viagem para as supra-citadas montanhas (porque, sejamos realistas...), não se esqueça de comida em lata e kit de primeiros socorros. Uma bússola seria interessante caso haja intenção de voltar para a vida em sociedade em algum momento futuro (mas não lhe culpo se não for esse o caso)
Um bom livro é a melhor companhia para a jornada. E se for com alguém e em algum momento for interpelado por um animal selvagem, jamais se esqueça: você não tem que correr mais que o animal lhe caçando. Você só precisa correr mais do que o seu amigo ao lado.
Boa noite e boa sorte. Nos vemos na segunda.

Frase do dia: "I just need one day". 

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Conversando com o Starman #9

Depois de um dia de folga, estamos de volta para mais uma pérola Bowieana vinda para nos dar uma luz sobre como serão as próximas 24 horas. Spoiler alert: considerando os temas da música do dia, os auspícios não são dos melhores. Senhores, vamos para o lovecraftiano conto sobre imortais e vidas sem fim que é THE SUPERMEN


Contexto: A música é a faixa de número 10 e a que fecha o clássico "The man who sold the world" de 1970. O disco, terceiro álbum de estúdio lançado por Bowie, começa a transição do artista, que parte para temas e sons ligeiramente mais sombrios que em seus lançamentos anteriores. Além disso, onde antes o folk e sons mais acústicos imperavam, agora temos a predominância das guitarras grandiloquentes do rock. Segundo a maioria dos críticos e fãs da obra Bowieana, enquanto os dois LPs anteriores mostravam um artista talentoso mas ainda tentando encontrar sua voz e um estilo em que se sentisse confortável, este é o marco zero da fase clássica dele, onde, num período de menos de 15 anos, ele lançaria seus melhores trabalhos: "Hunky Dory", "Ziggy...", "Aladin Sane", "Diamond Dogs", a trilogia de Berlin inteira e "Scary Monsters and super creeps", entre outros.

Sobre a música: Já dissemos aqui antes sobre como Nietzsche foi uma influência importante na vida de Bowie. De tempos em tempos, os temas discutidos pelo filósofo alemão iriam retornar nem composições. Tópicos como a questão do perpétuo retorno, a vontade de poder e o conceito do übermensch são recorrentes na obra do músico e aqui, o conceito do super-homem Nietzscheniano se mescla com elementos típicos dos livros de horror de Lovecraf. Vemos a descrição da ascensão de uma nova classe de deuses, super humanos que abandonaram as filosofias e doutrinas pré-estabelecidas e pavimentaram uma nova estrada para eles próprios. 
O problema? É que essa jornada bem sucedida à perfeição os trouxe para um constante estado de não-vida. Uma existência estéril, de onde a única fuga seria a morte. De fato, se você conhece algumas mitologias, principalmente a greco-romana, você pode perceber como a imortalidade e o tédio de uma existência perpétua acaba sendo, frequentemente, a fonte de vários e vários problemas que vão acabar sendo o motor da história dessas deidades. Da infidelidade de Zeus passando pelos jogos de intriga entre deuses menores, tudo parece vir desse estado de tédio e constante "falta do que fazer". 
Aqui, no entanto, isso ganha tons mais macabros, com a descrição de "sereias jogadas no esgoto", "pesadelos que nenhum mortal poderia imaginar" e criaturas "estraçalhando os corpos de seus irmãos em busca da chance de poder morrer". 
Ao final, Bowie que, na posição de criador da canção se encontrar como um deus acima destes que protagonizam a música, se apieda deles e, no catártico final da faixa, lhes concede o alívio tão desejado. 
"Tão tranquila é a morte de um super-deus". 

Como vai ser o seu dia: Oh, boy... essa vai ser difícil. Bom, a idéia do Superman de Nietzsche era o que já foi dito acima: a rejeição de caminhos pré-determinados em busca do auto-aperfeiçoamento. 
O problema da perfeição, no entanto, é que não existe para onde ir quando você chega no topo. De fato, como dizia o grande Bon Scott, "é um longo caminho até lá", mas...
Por isso o final de Dragon Ball Z é tão satisfatório. Goku acha um último oponente mais forte que ele próprio e percebe que a jornada ainda está longe do fim.
Igualmente, por isso quase toda saga épica termina quando o herói conquista seu objetivo final. 
Comparem o Luke do final de "O retorno do Jedi", em seu pleno potencial e glória e o velho desesperançado de "Os últimos Jedi" e como a aparição de um novo objetivo, na forma da chegada da Rey, injeta vida nova do guerreiro. É sobre o custo da perfeição que "Supermen" fala.
Então, aceite as suas imperfeições. Aceite que você sempre tem algo novo para aprender. Que sempre tem algo a ser mudado. Para melhor, claro e de acordo com os SEUS parâmetros e não os de terceiros.
Mas sempre há algo que queremos de novo e tudo bem porque só não muda aquilo que já está morto.
De fato, impermanência é, ironicamente, a constante máxima do universo. 

Frase do dia: "No pain, no joy"

terça-feira, 21 de julho de 2020

Conversando com o Starman #8

Um momento mais relaxante e introspectivo na nossa série. Voltamos nossos olhos uma vez mais para o "Black tie, white noise", dessa vez para falarmos da adorável "DON'T LET ME DOWN AND DOWN"


Contexto: Como dito acima, essa é a segunda faixa do album "Black Tie White Noise" que aparece aqui na coluna. Disco de nº 16 na obra Bowieana, primeiro trabalho bem recebido pela crítica depois de uma leva de discos menos artisticamente inspirados. Inclusive, já que mencionei a baixa receptividade por parte dos jornalistas musicais a "Tonight", "Never let me down" e os trabalhos do Tin Machine, é preciso lembrar que mesmo experiências menos ambiciosas como essas executadas pelo artista nos anos 80 acabaram lhe dando elementos que contribuiriam para sua nova fase na década seguinte. É possível sentir na maioria dos seus trabalhos "noventistas" como ele re-aprendeu a colaborar com outros artistas, sem a necessidade do controle absoluto do resultado final de sua arte. E se os discos anteriores pesavam na grandiloquência e na produção excessiva, este, por exemplo, sabe trabalhar bem com elementos mais minimalistas. Bowie não estava mais produzindo canções para serem tocadas em estádios esportivos com disponibilidade para shows com mais de 100.000 pessoas. Ou pelo menos, não pensadas para tal, necessariamente. E tudo bem com isso. 

Sobre a música: Essa faixa, a nona do "BTWN", tem uma origem curiosa: um dos 4 covers deste LP, ela foi apresentada ao artista, na verdade, por sua esposa, Iman. A modelo ouviu a versão original, que é de autoria de uma amiga sua, a cantora, compositora e ativista Tarha Mint Hembara, da Mauritânia, país do noroeste Africano. Segundo alguns textos, a principal diferença entre as duas versões se encontra menos na melodia, já que os artistas dessa região sempre foram bastante abertos a influencias estrangeiras em sua arte, mas nas letras. A original é sobre um homem em júbilo ao descobrir que a mulher que ama vai abandonar seu marido. A tradução, feita pelo produtor de Tarha, Martine Valmont, no entanto, tem tons mais sinistros, incluindo um elemento de obsessão na canção.
A letra seria o típico registro romântico de alguém ansiando pela companhia da pessoa amada, não fosse pela constante aparição da frase "I'm sick and tired of telling you". Esse elemento de exaustão e cansaço resulta numa mudança de tom no texto, e o que poderia ser uma declaração de amor açucarada vira um lamento. Que tenta manter o tom otimista e vender alguma esperança, mas padece no meio do caminho, apesar de suas melhores intenções. 
Musicalmente, em contraste, é um dos momentos mais calmos do disco, quase um convite para relaxar. 

Como vai ser o seu dia: Apenas relaxe, okay? Depois de várias entradas nessa seção do blog que pareciam sugerir ações e realizações e certo senso de urgência, esse é o primeiro momento que claramente nos convida para descansar. Apenas, pare e respira fundo. 
Pensa na vida, continue sonhando alto mas saiba relaxar. Lembrem-se daquela frase sobre soltar aquilo que vocês amam e se não voltar, nunca lhes pertenceu de fato. 
Grandes sonhos envolvem esforço e, afinal, toda jornada de 10000 quilômetros começa com um passo, mas saiba dar um tempo para relaxar e recobrar as forças. 

Frase do dia: Sem frase, por hoje. É uma letra sobre a incapacidade de "deixar partir". Então, vou pelo caminho contrário: ouve o som, a melodia linda, a voz rasgada de David Bowie, o sax, tocado por ele próprio, inclusive. Abraça o mistério e aproveita a pausa. O mundo vai estar lhe esperando de volta ao final. 

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Conversando com o Starman #7

A música do dia, abrindo os trabalhos nessa nova semana é: TUMBLE AND TWIRL


Contexto: Outra música surgida das mesmas sessões de estúdio com Iggy Pop que geraram "Dancing with the big boys", música da qual falamos no primeiro episódio dessa seção. Seus temas e imagens líricas vem de uma viagem que os dois fizeram para Bali, uma das ilhas que compõem a Indonésia, no final de 83. 

Sobre a música: Faixa 7 de "Tonight". Num disco de altos e baixos, este escriba se sentiria confortável em situar a música num respeitoso meio. Fosse de outro artista, com um outro grupo de músicos envolvidos, poderia ter ficado algo brega, a típica "world music de branco" a qual alguns artistas recorrem de tempos em tempos para fingir sofisticação. Mas "Tumble and twirl" acaba soando charmosa. Dá óbvios sinais de sua época, mas ainda assim, charmosa. 

"Far beneath his mansion 
There's an open drain 
Sending all the sewage down the hill 
But when the general shows movies 
No one hesitates"

A letra é bem o olhar do turista ocidental numa comunidade com claras diferenças de classe, com clara separação entre os mais riscos e os mais pobres. De acordo com Bowie, era fascinante, na tal viagem para a província Indonésia, ver como as grandes mansões tinham um sistema de esgoto sofisticado, ao mesmo tempo que eles tinham que improvisar sessões de cinema projetando filmes em lençóis brancos, arranjados de forma meio mambembe em noites de tempestade. 
O "I like the free world/They say it's pretty" sarcástico não esconde que, por mais que as idiossincrasias do local possam causar um erguer de sobrancelhas fascinado, de fato, não é nesse local que o pássaro azul da liberdade faz morada. Por outro lado, segundo palavras do próprio artista, "Se eu tivesse que escolher entre Java ou Singapura, minha escolha seria a Inglaterra". 
Prisão por prisão, é melhor lidar com o demônio que nos soa familiar do que com o desconhecido.
"Não há lugar como o lar", afinal. 

Como vai ser o seu dia: Primeiramente, evite viagens. Pandemia, caso tenham se esquecido.
Em segundo lugar: se você se encontrar entre a cruz e a espada hoje, numa daquelas situações entre a qual vai se ver tendo que optar entre dois males, prefira aquele que já lhe é familiar. Ruim por ruim, pelo menos é de se esperar que você já tem certo jogo de cintura para lidar com qualquer dor de cabeça recorrente do que com um problema totalmente novo. Tome decisões inteligentes. E saiba se adaptar. Tal qual uma arvore em meio a um vendaval. Que se retorce e quase desaba mas termina de pé ao final. "They twirl and they tumble" de fato. 

Frase do dia: "They tumble and twirl/I'll tumble and twirl"

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Conversando com o Starman #6

Okay.....essa vai ser difícil. De fato, eu contava, confesso, com um pouco de sorte, de que eu só iria abordar qualquer canção desse disco lá pelo trigésimo quinto dia, quando eu já teria escrito textos o suficiente para faze-lo com uma das mãos amarradas nas costas. Que o processo já tivesse ficado tão automático que já seria quase mecânico e aí, eu já tivesse as habilidades, via prática e prática e MAIS prática, citando uma das minhas músicas favoritas do Sparks, necessárias para tal.
Bom, para o inferno com a sorte, eu imagino. A vida é o que é, gostemos disso ou não, e você tem que fazer a limonada com os limões que ela te dá. Mesmo quando, prestando alguma atenção, você acabe percebendo que o que você carrega nas mãos são dois limões podres, uma laranja verde e um jiló. 
Enfim.....a música de hoje é LAZARUS


Contexto: Dois mil e dezesseis. Ultimo ano da presidência de Barack Obama. David Bowie ainda tinha 68 anos. Sessenta e oito anos, 11 meses e alguns dias. Isso é importante, pelo menos para aqueles dentre vocês que acreditam em símbolos e coisas do tipo. Blackstar, o álbum, estava pronto. O disco surgiu a partir do desejo do cantor de compor um musical para a Broadway. A idéia já vinha há décadas: "Diamond dogs", meu lançamento Bowieano favorito, veio da idéia frustrada de adaptar 1984 pros palcos. Nos anos seguintes, viriam intenções de adaptar "O homem que caiu na terra" ou mesmo "Ziggy Stardust...". Mas sempre havia a preocupação com mais um trabalho. Mais um LP, mais uma turnê, mais um vídeo. Até que as estrelas se dispuseram no céu da forma certa e "Lazarus" surgiu.
A idéia era revisitar o mundo de "The man who fell to earth", 30 anos depois da morte do seu personagem principal, o alien Thomas Jerome Newton. 
Só que, no meio do caminho, surgiu uma estrela negra. Várias, na verdade.  
"Lazarus", a canção, é lançada como single ainda em Dezembro do ano anterior, junto com um clipe belíssimo do qual eu falo adiante. Ainda faltava certo contexto, certa visão periférica  (e, claro, certa ausência) para entendermos a grandiosidade dos símbolos, tanto na canção quanto no clipe, mas estas viriam no exato dia do lançamento do CD do qual essa faixa fazia parte. Dois dias depois da morte de Bowie e no exato dia em que o artista completaria 69 anos. Sessenta e nove. 
Pensou na posição sexual? Okay, não está errado. Mas pensa de novo. Olha o desenho desses dois números. Presta atenção e deixa a imaginação solta. O que você enxerga?
O símbolo do infinito?


O yin-yang?


Talvez isso aqui:


O símbolo do signo de câncer. 
Eu disse que simbolismo era importante. 

Sobre a música: Lazarus. Um dos momentos mais importantes da mitologia cristã. Todo mundo lembra do sujeito doente que tentou encontrar Cristo sem sucesso e morreu na empreitada. Quando as notícias de sua morte chegaram até o Nazareno, ele foi até o seu túmulo e, 4 dias depois de morrer, Lazaro se levantou. Uma história sobre o poder de Cristo e seus efeitos naqueles que crêem nele. 
Claro que, aqui entre nós, eu sempre achei o versículo seguinte complicado: 

"E Jesus, ouvindo isto, disse: Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela." 

Afinal, isso era sobre Lázaro ou sobre Jesus usando o sofrimento dele e da irmã dele para "vender seu peixe"?
Mas enfim. Lazarus transpira morte. A lenda cristã, a peça e a música de mesmo nome. 
Ela começa com a frase: "Look up here, I'm in heaven"
Bowie, é consenso, era um agnóstico que apreciava Nietzsche. Sempre teve sua espiritualidade mas não nos esqueçamos de que essa busca pelo místico vinha mais de uma tentativa de entender a mecânica dessas crenças, seus símbolos e como estes funcionavam no nosso inconsciente coletivo. 
O céu do qual ele canta parece menos com o reino de Deus, mas sim com este plano no qual vivemos.
Se o que existe for apenas essa existência, então sim, ele viveu boa parte da sua vida no paraíso.
Teve sucesso, fama, reconhecimento. Algumas descidas ocasionais ao coração do inferno, mas tal qual Dante, ele sempre conseguiu achar seu caminho de volta. Lazarus é uma reflexão também sobre como agora, diante do fim, finalmente a fonte ter secado. Nós conhecemos o homem porque toda sua vida foi uma obra de arte. Sua morte idem. O problema disso, é que essa é a ultima página e depois disso, só ficam as memórias.

"Everybody knows me now"



O homem foi um deus. Mas também um homem, sofrendo dos efeitos de um cancer. Da idade avançada. Da quimioterapia. E dos vários ataques cardíacos sofridos por 2015, em decorrência de tudo isso e que só iríamos saber que aconteceram quando ele já não estava mais entre nós.

"This way or no way You know, I'll be free Just like that bluebird"

Quem pode culpa-lo por procurar pela liberdade, simbolizada aqui na figura do pássaro azul?


"By the time I got to New York I was living like a king There I'd used up all my money I was looking for your ass"

O uso de "your ass" na frase acima parece um coloquialismo vulgar até você se lembrar de que Jesus, o mesmo filho de Deus procurado por Lazaro enquanto tentava escapar do oblívio, cavalgava em sua jornada de evangelização em cima de um burro. Nova York foi a casa de Bowie por toda a fase final de sua vida. Antes disso, lembremos, foi onde ele quase despencou num abismo de cocaína, nos anos 70. Foi onde ele se viu rei e onde ele se viu homem, fraco e falho. 

"Dropped my cell phone down below Ain't that just like me?"

Celular? Para onde vamos, não precisamos de celulares. Ou de qualquer aparelho do tipo. 
O pássaro azul não precisa de nada além das próprias asas e do céu diante dele. 
E agora, David Robert Jones também não.


Como vai ser o seu dia: "Memento mori". Transforma tua vida numa obra de arte. Numa memória querida por aqueles que te conheceram. Porque, no final, isso é tudo que a gente deixa para esse mundo depois de partirmos para aquela gigantesca estrela negra no céu.

Frase do dia: "I'll be free"

Eu tenho que falar do clipe de Lazarus, mas sem chances de fazer isso hoje. "Blackstar" é um disco que eu ouvi umas duas vezes na vida e isso porque, como os senhores podem imaginar, ele cava muito fundo na minha, por falta de um termo melhor, "alma". Então, fica pra segunda, junto com o próximo episódio de "Conversando com o Starman".
Até lá. 

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Conversando com o Starman #5

Um pouquinho mais tarde do que de costume, mas aqui estamos, senhores.
E a música do dia é o primeiro clássico Bowieano: Andy Warhol





Contexto: Pintor, filmmaker, trend setter. Um influenciador de fato. E mais um dos heróis pessoais de David Bowie. Andy Warhol apareceu no radar do cantor após este ter contato, via um colaborador, com o clássico disco "Velvet Underground & Nico". Daí pra diante, é história. 

É fácil ver como as principais máximas "Warholnianas" ("No futuro todo mundo vai ser famoso por 15 minutos" e "Todos deveriam ser uma obra de arte ou vestir uma", esta, uma apropriação de Oscar Wilde) iriam influenciá-lo num futuro nem tão distante assim: lembremos que este álbum antecede em um ano o lançamento de seu trabalho mais famoso, "Ziggy Stardust and the spiders of mars". Toda a filosofia de art-pop, as intersecções entre arte e consumismo e esse caráter de não-permanência como estilo o influenciariam não apenas na concepção da mais famosa dentre todas as suas "personas", mas por toda a sua carreira. 
Um dos episódios mais lendários da mitologia "Bowieana" se deu quando finalmente o primeiro encontro entre ele e Andy aconteceu: Depois de apresentados, o músico botou o disco com a faixa para tocar. Relatos contam que, sem esboçar nenhuma reação, o líder da Factory simplesmente saiu da sala. Posteriormente, um interesse do nova-iorquino nos sapatos que o britânico utilizava no dia em questão acabou reaproximando-os, ainda que David, em entrevistas, tenha sempre tido o cuidado de deixar claro que eles nunca foram exatamente "amigos". Décadas depois, ele teria a honra de interpretar Warhol em pessoa na cine-biografia "Basquiat" (de 1996). 

Polaroid tirada por Warhol em seu reencontro com Bowie. De fato, os sapatos dele são lindos. 

Sobre a música: Faixa 4 de "Hunky Dory", quarto trabalho de estúdio do artista que protagoniza esta série. Teve reviews muito bons na época de seu lançamento, mas não teve vendas tão avassaladoras. Claro que, um ano depois, esse cenário mudaria com a chegada na terra do homem das estrelas e sua crônica de vida e morte. "Ziggy ..." e seu sucesso comercial fez com que os fãs de música decidissem conhecer os LPs prévios do músico e, com isso, "Hunky Dory" acabou tendo seu merecido reconhecimento. É preciso dizer que, apesar de eu não dúvidas das melhores intenções que Bowie tinha quando criou a faixa e sua idéia de "homenagem irônica", eu consigo entender perfeitamente pq o homenageado não se sentiu tão honrado. "Dress my friend just up for show"? "He'll think about paint and he'll think about glue?". Yeah. Mas a idéia era bem essa: falar de arte, comercialismo, a perenidade das coisas e.... vocês sabem. Fama. Aquilo que "makes a man, take things over" como ele viria a dizer num futuro próximo. 

Bowie como Warhol para "Basquiat"
Como vai ser o seu dia: Okay, ninguém vai negar a importância de Andy Warhol. Sua pintura da lata de sopa Campbell é histórica (tanto que eu tenho uma latinha aqui guardada como decoração, lá na cozinha. Em tópico relacionado: a sopa é muito gostosa. Nada lendário, mas vale a menção). Sua art-pop e as discussões sobre a intersecção entre comercialismo e produção artística, idem. E afinal, a The Factory lançou pro mundo vários e vários e VÁRIOS nomes, não coincidentemente conhecidos como os "Warhol superstars". Mas, e sempre há um mas..... Pensem que a Factory era um ponto focal da arte nova iorquina da sua época. Onde qualquer proscrito minimamente talentoso se jogava tentando canalizar um pouco da luz local. Então, imaginem que para cada Edie Sedgwick, Paul Morrissey e Gerard Malanga, devem ter havido uns 3 ou 4 sujeitos que só não conseguiram "chegar lá". Para cada Nico descoberta no estúdio, chuto, por cima, que deve ter havido umas 5 ou 6 Valerie Solanas. E isso transcende Warhol: Qualquer entourage que se forma ao redor de algum superstar vai acabar trazendo junto sua cota de parasitas sociais. Aquele bando de rêmoras que tentam ficar com as migalhas dos "alphas" do bando. 
Portanto, chegando ao ponto que lhes tocam, meus ímpios: cuidado com as "Falsianes". 
Meu gibi favorito do Homem-Aranha fala exatamente sobre isso: Os vilões dos mutantes, são mutantes. Os vilões do Hulk, são outras criaturas afetadas pela radiação gama. Os vilões do Homem-Aranha, por sua vez, na maioria, tem também suas imagens públicas inspiradas em animais, tal qual o herói. Lagartos, octopus, Tigres, ratos. A diferença é que estes são apenas impostores, tentando alcançar a mesma "fonte original" que a tocada pelo super-herói. E na incapacidade disto, eles tentam destruí-lo. É aquela máxima encontrada em adesivos em carros populares de que "Se tua estrela não brilha.....etc., etc., etc..".
Novamente: cuidado com as pessoas perto. Saiba distinguir quem, de fato, se importa contigo e quem apenas vê em ti um degrau para ser usado para algum fim.
Uma segunda leitura, menos "negativa"? Fama passa. Tudo, afinal, passa. Exceto pra quem se reinventa. E eu sei que fazê-lo no nosso contexto pós-modernista, eternamente num estado de realidade líquida, pra citar Bauman, é difícil. Mas ninguém disse que ia ser fácil, crianças. 
Do contrário? Aproveita seus quinze minutos sob os holofotes, mas lembre-se que eles estão indo embora. Um segundo por vez. 

Frase do dia: "I'd like to be a gallery and put you all inside my show"

quarta-feira, 15 de julho de 2020


Copo meio cheio ou meio vazio? Questão de perspectiva, imagino....
Peguei aqui

terça-feira, 14 de julho de 2020

and now for something completely different....




Conversando com o Starman #4

Dia novo, música nova, e vamos direto ao ponto.
A música de hoje é: SEVEN YEARS IN TIBET


Contexto: Eu não vou aqui adentrar sobre a complicadíssima situação geo-política do Tibet e sua relação ainda mais tensa com a China porque eu precisaria de livros e mais livros para falar do tema com a devida justiça. Vamos apenas nos manter no superficial: Bowie teve seu primeiro contato com o budismo ao final da adolescência, tendo inclusive escrito canções que abordam a religião já no seu trabalho de estréia ("Silly boy blue")
Um dos pontos de referência para o jovem David enquanto se aprofundava em seus estudos pela religião indiana foi o livro "Seven years in tibet" de Heinrich Harrer. A obra, que deu origem a um longa-metragem com o mesmo nome (e que, por sua vez, não tem nenhuma relação direta com a canção aqui comentada) nos anos 90 narra a viagem do austríaco Heinrich para o Tibet, depois de fugir de um campo de prisioneiros na Índia e é elogiada por mostrar o olhar ocidental para a região, um dos raros registros desse território antes da invasão chinesa. 
Textos resenhando tanto o livro quanto o filme descrevem os dois como aquele típico olhar de fascínio do ocidental diante do "oriente misterioso", com tudo de bom e ruim que vem com isso. Okay, façamos justiça: os mesmos reviews elogiam Harrer por não omitir certos detalhes inconvenientes da sociedade tibetana que podem parecer menos atraentes para o público que pode vir a consumir esse tipo de literatura esperando algo no nível de "comer, rezar, amar". Mas ainda assim, vale a observação. Com os anos, a situação no Tibet só ficou mais e mais tensa.
Paralelo a isso, algumas informações a respeito do autor da obra desconhecidas na época do lançamento, vieram a tona, jogando algumas sombras sobre sua jornada (me refiro a revelação de que Harrer pode ter sido um membro do partido nazista durante a década de 30). Se isso invalida sua jornada rumo a uma suposta "iluminação" ou só mostra o poder que sua viagem teve em um processo de torna-lo um ser humano melhor, deixo que a História e os senhores julguem. 

Sobre a música: "Seven years..." berra anos 90. O começo tranquilo e a súbita mudança para um som que é praticamente uma parede de guitarras berra indie rock noventista (Pixies é o nome que mais salta a memória, além de seu "sub-produto estilístico" mais famoso, o nosso adorado grunge). Além disso, essa foi a década onde vimos o ocidente vocalizando de forma mais explícita sua voz sobre a questão Tibetana, então, acho justo declararmos a canção de hoje como uma filha perfeita de sua época. 
Faixa quatro do disco "Earthling", de 1997, esse é um dos trabalhos tardios da produção Bowieana dos quais eu mais gosto e uma das minhas portas de entrada para esse multiverso que é sua discografia. São 14 linhas de letra antes da música se entregar a repetição (mantra?) das frases
"I praise to you. Nothing ever goes away". Uma invocação em meio ao caos sonoro. Um sutra sobre a finitude das coisas e a permanência de.... algo.  Budismo techno-punk

Como vai ser o seu dia: Segue seu caminho. Construa sua história. Componha sua narrativa da forma que melhor lhe convier. Só lembra que "memento mori". Tudo morre. YOLO. 
Ou, citando Mia Matangi, talvez, TALVEZ, YALA (You always live again). Mas na dúvida, viva uma vida da qual você possa se orgulhar. Mas..... adentremos os paradoxos aqui, okay?
Mesmo com as melhores intenções, ainda é um produto comercial, como toda a arte sendo vendida (e isso não é intrinsecamente ruim, só deixando claro). Um cântico de ordem em meio ao caos de guitarra, bateria, sax, teclado e demais sons eletrônicos. O livro também, coordenava o tal olhar de fascínio com os elementos mais cotidianos, pueris e mundanos daquela sociedade, retratando o custo pessoal daquela busca por elevação espiritual numa comunidade inserida dentro de um mundo capitalista. Meu ponto aqui? Eu não sei se tenho um. E na verdade, acho que este é o ponto da música. Carnal e espiritual, físico e arcano, dialeticamente convivendo e se chocando.
Lembrei de uma sequência em "Invisíveis" do Grant Morrison, onde os personagens discutem o paradoxo do rio Ganges: segundo os mitos locais, mergulhar naquelas águas vai te trazer iluminação espiritual. Morrer enquanto está mergulhado nelas, segundo eles, vai te tirar imediatamente do ciclo de reencarnação. Mas claro, porque, afinal, não existe almoço grátis, há também o fato de que o  Ganges é bastante poluído. Então, é possível que esse processo de limpeza espiritual vá resultar em uma ou duas viroses e talvez alguns parasitas nesse veículo imperfeito que usamos para existir nesse plano de realidade. 
O personagem da canção é alguém literalmente morrendo. O horror dos momentos finais vem mas com o conforto da possível transubstanciação, da sublimação do físico. Paz e terror, de mãos dadas. 
Dicotomia. 
Então, busque a perfeição mas entenda que talvez, no caminho, um ou dois improvisos mais profanos vão se fazer necessários. A jornada até o paraíso envolve descer ao inferno. Confuso? Bom, essa é a filosofia que te questiona sobre o som de uma mão solitária batendo palma. O que você esperava?

Frase do dia:

"The stars look so special 
And the snow looks so old 
The frail form is drifting 
Beyond the yoga zone"


ah sim, um aviso: eu disse que a seção seria de segunda a sexta mas esqueci que quarta eu praticamente não entro na internet (salvo uma ou outra espiadinha em alguma rede social porque ninguém é perfeito e eu gosto de acompanhar nossa coletiva descida ao inferno em tempo real) para passar o dia vendo seriados e filmes com Stella. Então, minhas sinceras desculpas, meus Bowieanos e Bowieanas que já constroem todo seu dia a partir das pérolas de sabedoria que este moderadamente humilde urso compartilha com vocês nesta coluna bloguística, mas.... vocês que lutem. 
São 24 horas, vocês vão sobreviver.
E caso eu esteja errado....bom.... YALA, eu imagino. 
Nos vemos na quinta.