segunda-feira, 24 de abril de 2017

Sobre "A Patrulha do Destino" e o orgulho em ser estranho....



"Eu fico pensando naquela história do rei que sonha que é uma borboleta e aí acorda e não sabe se é um rei que acordou do sonho de ser borboleta ou a borboleta sonhando ser rei. 

Eu fico pensando: eu sou o rei? Sou a borboleta?

Ou eu sou o sonho?"

Não sei quanto a vcs, mas minha coisa favorita do Spotify é a lista personalizada de músicas que o programa concebe semanalmente, com novos sons selecionados a partir dos meus hábitos no uso do serviço. Desse jeito eu acabo achando coisas parecidas com o que eu normalmente ouço, mas que por uma razão ou outra acaba não orbitando dentro do meu radar. 
Foi assim que, hoje mais cedo, no caminho pro trabalho, achei essa musiquinha estranha e única e semi-esquizofrênica e igualmente caótica e sublime.... 


Um doom metal que subverte a própria estrutura (e as expectativas de quem tá ouvindo) e vira um indie meio techno meio metal meio raivoso meio música pra chill out.... Labirintos lendários convivendo com uma letra sobre amor e emoções.
Épico e o cotidiano convivendo um com o outro. Não se sobrepujando canibalisticamente, mas fusionando, virando algo maior que a soma de suas partes individuais.

A mão da sincronicidade se fazendo notar, já que esta música (de um artista chamado Jogger. Não conheço sua obra mas li alguns comentários de fãs dizendo que o resto da obra do grupo é completamente distinto dessa canção, o que faz com que ela seja a UNICA música deles com essa estrutura e a única que soaria tão desconjuntadamente harmoniosa e, consequentemente, apropriada) tocou exatamente quando eu adentrava o ultimo número do ultimo TPB reunindo as aventuras da Doom Patrol concebidas por Grant Morrison.

Gibi novo pós DC-Rebirth escrito por Gerard Way, um dos novos nomes mais promissores da industria de quadrinhos (me cobrem um dia pra falar sobre "the Umbrella Academy"). Todo mundo falando bem....  Meu TOC no entanto não me permitiria começar o gibi novo sem conhecer o material do qual ele vai mais diretamente derivar. So, Panini lançando esse material no Brasil (em 6 encadernados) com um bom preço e boa edição (bem feitinho mas sem essas frescuras de "edição de luxo"), chance de ouro de poder acompanhar a série....

fade in

fade out

Outubro de 1999

Minha namorada na época, Gutha, chega em Avaré. A gente se conheceu num chat de HQs dos primórdios da internet (ou pelo menos, da versão mais popularizada dela em terras nacionais). A gente passa uma semana num hotel na parte no centrão da cidade interiorana e, dentre vários presentinhos que ainda me são particularmente caros (uma camiseta com o rosto de Brandon Lee no filme "O corvo", um Ankh de prata e o "Bloodflowers" do The Cure, entre outros que já se perderam nas areias do tempo), tava a primeira edição da versão PT-BR de Doom Patrol, lançada no país pela Metal Pesado/Heavy Metal/Qualquer nome que não importa atualmente. 

Esse pequeno exercício de reminiscência foi só pra lembrar que desse encontro e dos efeitos posteriores a ele, resultou o homem que eu sou hoje. O namoro não durou, óbvio. Hoje em dia eu mal lembro do rosto da menina. Mas as bandas e gibis e coisas legais e completamente mind fuckers que ela me apresentou? São a quintessencia deste que vos tecla. 

E também cito este pequeno evento disruptivo pra mente de um guri que, de outra forma, provavelmente teria se contentado com uma vida fácil e previsível numa cidadezinha pequena pq...you know....eu sou uma bitch pra ciclos. 

Quase 20 anos desde meu primeiro contato com o grupo liderado por Niles Caulder. E hoje mais cedo, finalmente li "Empire of chairs". E admito que cheguei à ultima página da história com lágrimas nos olhos, o que não quer dizer grandes merdas pq quanto mais velho eu fico, mais fácil é me fazer chorar. Mas mesmo assim. 
Outra história do Morrison sobre o que os gibis se tornaram e o quão melhor eles poderia ser, caso não caíssem nas mãos de gente querendo injetar "mundo real" em tramas passadas em dimensões que permitem que sapos se transformem em deuses e a existência de planetas sencientes.



Desculpem o umbigocentrismo: Doom Patrol, no recorte que nos interessa aqui, foi publicado entre fevereiro de 89 e Janeiro de 93. Depois de 18 edições roteirizadas por "who cares?", Grant Morrison assume o comando do gibi e boy, oh boy..... O escocês decide abandonar o máximo possível da idéia do grupo como "super heróis" no sentido tradicional da coisa e abraçar o tipo de estranheza que foi a base do gibi em sua concepção original (criado por Bruno Premiani, Arnold Drake e Bob Haney em 63). Ainda um time de super humanos, mas reunidos pela série de infortúnios que os transformou em párias, mesmo num mundo em que existe o Superman ou J'onn J'onnz. Com o Professor Niles Caulder funcionando como a cola que mal e porcamente mantém o grupo junto, temos Crazy Jane, Dorothy Spinner, Rebis, Tempest e, meu favorito, Cliff Steele, o Homem robô, enfrentando toda sorte de abstração senciente que os senhores puderem imaginar, fazendo conceitos como Mr. Mxzyptlk ou o Mojoverse dos X-Men parecem idéias "pé no chão".
"Empire of chairs", sendo o mais evasivo possível pra não soltar spoilers, subverte tudo isso ao apresentar o grupo lidando com um dos conceitos mais perigosos para os quadrinhos apresentado em anos recentes: o "reducionismo" pseudo adulto. Num mundo não muito diferente do nosso, Crazy Jane é confrontada com a possibilidade de que as aventuras que passou não tenham sido mais do que devaneios de uma mente doente. Tudo que era mágico é transformado em algo leviano, infantil, escapista. Mas, ao final da trama, é justamente Cliff, o mais relacionável do grupo para gente, aquele que funciona como o olhar do leitor diante daquele mundo de criaturas alquimicamente perfeitas e deidades psicóticas, que vem ao resgate da moça para lembrar que sim, ela é quebrada e diferente e fora do "normal" e que TUDO BEM. Que é possível abraçar o que te faz especial. Que no final, existe  (ou, vá lá, "pode ser que exista") um "mundo bem melhor". 
E o nome dele é Danny. :-)



Não sei se esse é meu título favorito do Morrison, considerando que o mago caoísta é o responsável por pérolas como "Os Invisíveis", "All Star Superman" e "Flex Mentallo".
Mas DEFINITIVAMENTE era o que eu precisava ler. O quadrinho certo na hora certa.

Pra quem quiser ler um texto (em inglês) lotado de spoiler, esse sim discorrendo sobre os pormenores da trama de sua edição final, é só clicar aqui. 

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