terça-feira, 10 de novembro de 2020

and now for something completely different....


Então....Trish Adora....
Dona do title belt mais bonito do pro-wrestling atualmente....


sábado, 24 de outubro de 2020

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 


E já que falamos de política....

Arte absolutamente linda de Cristiano Siqueira

Em rumo a Krakoa: "When the shit goes down*....


Eu confesso que eu não sabia bem o que esperar quando, depois de passar por dezenas e dezenas de edições individuais de X-Men, New Mutants e X-Factor, cheguei no primeiro evento mutante sob o comando de Chris Claremont: O Massacre de Mutantes.

O arco é um clássico inquestionável dos personagens, já tendo sido republicado em tudo que é forma, lá fora e aqui no Brasil. Meu primeiro contato com a história já foi num encadernado especial lançado pela Abril no final dos anos 90, reunindo toda a storyline em um lugar só.  "Massacre..." acontece simultaneamente nos 3 títulos mutantes citados acima, além de reverberar nas HQs do Demolidor, Thor e do Power Pack (ou Quarteto Futuro). De memória, no entanto, eu lembro que, por mais que meu eu adolescente tenha se sentido satisfeito ao terminar a leitura, confesso que também havia.... não sei se "frustração" era a palavra. Talvez "confusão" represente melhor meus sentimentos naquele momento. 

Na minha cabeça, eventos de quadrinhos tinham uma estrutura bastante segura: você tem o título principal, normalmente uma mini-série, onde o corpo da história se desenrola, e os tie-ins, onde os títulos mensais já publicados reagem e se adaptam às consequências daquela saga. E o Massacre de Mutantes é..... "quase" isso. 


Publicada em 1986 e abrangendo as edições 210 a 214 de UXM, 9 a 11 de X-Factor, 46 de New Mutants, 238 de Daredevil, 373 e 374 de Mighty Thor e 27 de Power Pack, a história, concebida por Claremont e Louise Simonson, mostra a comunidade mutante reagindo ao tal "massacre" do título, onde os Morlocks são caçados e exterminados por um exército mutante conhecido como os Marauders, agindo sob as ordens de uma figura misteriosa. 

Reli as edições compilando o evento pela primeira vez em anos e desta vez, tendo lido também os números prévios dos títulos mutantes que convergiam para este momento, o que me deu certa perspectiva que minha visita original ao "Massacre" não tinha. E, mais importante, entender o papel da saga dentro do cenário que o autor queria criar em UXM. 

Novamente: eventos de quadrinhos tem começo, meio e fim. Crise nas Infinitas Terras, Guerras Secretas, Guerras Secretas II. Normalmente, os estragos sofridos nestas tramas reverberam por alguns meses nos títulos principais, mas salvo alguma mudança grande aqui e ali, esse é o ciclo vital de tais arcos. Não no caso do "Massacre". Dizer que ele é um evento de "cauda longa" seria um eufemismo. 

Lembrando que ele é o primeiro destes eventos de resolução de plot lançados anos antes pelos criadores, o que é uma marca deste momento nos discípulos de Xavier. Claremont é um mestre em desenvolver storylines de longa duração, lançando tramas que só viriam a ser concluídas - e satisfatoriamente concluídas, devo ressaltar - meia década depois. Os Morlocks aparecem pela primeira vez na edição 169, para se tornarem o motor da história nesta aventura, publicada 40 números, mais de 3 anos depois. 

De volta àquela sensação de confusão inicial: É um arco onde os vilões não são particularmente desenvolvidos. Os Marauders matam Morlocks porque a) esta é a ordem recebida e b) eles gostam do que fazem. A violência não é exatamente gráfica, mas texto e arte sabem vender seu peixe, garantindo que a tensão permaneça alta o tempo todo. O que é apenas "sugerido" aqui já é poderoso o suficiente para garantir que possamos entender o quanto os riscos são altos. Além disso, nenhum lado termina como "vitorioso". Os vilões são derrotados mas fogem para "lutar num outro dia". Mas os heróis? Eles terminam quebrados, com 3 dos seus membros inutilizados (Noturno e Colossus em coma, Kitty aprisionada em seu estado etéreo). Warren termina tendo que optar por amputar suas asas ou morrer de infecção generalizada. O Power Pack e os NM não saem com feridas físicas, mas, novamente, estes times formados por crianças são expostos a horrores que vão lhes marcar para sempre. Mesmo Thor não sai sem cicatrizes do evento, e tudo que pode garantir aos mortos é um "funeral" digno. O que nos traz ao ponto principal do evento: os heróis FALHAM. Eles salvam alguns Morlocks, mas uma fração pequena quando comparada ao número de mortos, entre eles mulheres e crianças. 

O que nos ajuda a responder uma pergunta atrelada a tal confusão da qual venho falando: sobre o que é o "Massacre de Mutantes"? Chris Claremont é um escritor que já provou ser digno de nossa confiança neste momento, depois de quase uma década escrevendo UXM e NM, então, se os vilões são rasos, provavelmente é porque o autor não quer que prestemos atenção a eles. E de fato, o foco da história não é na dicotomia "heróis X vilões". Quando os combates acontecem, boa parte do estrago já está feita. 

Um momento da trama, uma passagem que poderia passar despercebida, me ajudou a entender sobre o que o criativo queria falar.


Os personagens descobrem que os habitantes dos esgotos estão sendo exterminados e, diante desta revelação absurda, Wolverine questiona Ororo "a gente se envolve?". 

"A gente se envolve?". Imaginem isso: diante do extermínio de qualquer minoria, o segundo em comando de uma organização de defesa deste grupo específico chega para seu líder e pergunta a mesma coisa. Percebem o bizarro? É uma questão de humanidade, não apenas de super-heroísmo. Que em algum momento Logan tenha sentido a necessidade de perguntar se o grupo se envolveria, principalmente considerando que Ororo É, de fato, a líder dos Morlocks, é algo notável. O quão distantes estes "heróis" estão, a ponto de isso ser uma questão? Tempestade responde com um "é claro", mas ainda assim, Deus e o demônio vivem nos detalhes. Um dos principais temas deste arco é o papel dos líderes mutantes. Liderança num geral. O que é ser, de fato, um líder? Daniela, Scott e Ororo, os líderes dos 3 times principais, são levados ao seu limite na guerra contra os Marauders. Mesmo Alex, o "líder" do Power Pack, termina inseguro. Magneto termina considerando uma aliança com o clube do inferno. Força através dos números.  Os paradigmas precisam ser revistos






Nem tudo é horror: o time principal termina com 3 novas adições em suas fileiras: Psylocke, Cristal e Longshot (inclusive, a mini em que ele aparece pela primeira vez também vai ganhar texto aqui, logo, logo). Mas no geral, os heróis terminam quebrados, suas convicções em crise e seu papel diante da nova realidade enfrentada, em dúvida. E nesse momento, a tal confusão se desfez, porque ficou claro o que os autores queriam. O motivo da estranheza que o "Mutant Massacre" causa vem de uma confusão do leitor e não da inabilidade dos artistas no comando: a história é menos, de fato, um evento e mais um marco na jornada, um ponto de ruptura. Começamos este momento específico da HQ achando que estávamos diante de um gibi de super heróis, de uma saga de tons aventurescos quando, na verdade, estes 17 anos de Chris Claremont nos x-gibis é uma missão de resgate e, mais que isso, uma saga de origem. 

De tempos em tempos, roteiristas entendem que o resto da Marvel é formado por super-heróis mas os mutantes são uma besta completamente distinta. Como eu já disse antes, a equipe criativa do quadrinho tem injetado política e "mundo real" desde o final da fase Claremont-Byrne, com a introdução de elementos como os próprios Morlocks e o Hellfire club. Mas o fato de ser um gibi da Marvel, introduzido num contexto voltado a adolescentes, poderia nos levar a crer que, apesar do tom punk, X-Men ainda era o que inicialmente pretendia ser em sua origem nos anos 60: algumas alegorias mas, no geral, escapismo. A fase de Claremont é uma tentativa de resgatar os personagens dessa postura e transformá-los em símbolos de fato e para isso, a lógica de "heróis e vilões" precisa ser superada





Num artigo científico que li recentemente, enquanto pesquisava para a confecção deste texto, Neil Shymisnky afirma que os X-men durante anos adotaram o discurso de líderes e funcionaram como alegoria para minorias em geral mas que, de fato, o grupo pode ser descrito como "contra-revolucionário", servindo para garantir a continuidade do status quo dos humanos diante de possíveis ameaças de grupos de mutantes subversivos. 

Claremont, portanto, tenta recondicionar estes símbolos e este discurso e de fato, torna-lo parte da estrutura fundamental deste universo. Por isso a discussão de lutas de classe no gibi. Por isto o distanciamento da fase de uniformes coloridos. Por isso o afastamento da dicotomia simplista de bem e mal. Não era apenas uma questão de colocar a Tempestade de moicano para adotar a indumentária punk mas transformar o título em algo o mais contra-cultural possível. A Irmandade de mutantes trabalhava do lado da lei. Os heróis da "vida real" são líderes políticos que não hesitaram em adotar a desobediência civil como arma, sendo chamados de subversivos e anti-´patriotas em mais de uma vez e não raramente, terminando mortos por defender tais convicções. Neste momento, os heróis terminam, como parte da ação dos inimigos, caindo em desgraça sob o olhar público, mas futuramente, no arco de Genosha, eles vão, de fato, por escolha própria, desafiar a soberania de uma nação para defender a comunidade mutante local. O papel se inverte e os heróis se tornam, para todos os efeitos legais, os "vilões", dispostos a trazer o sistema abaixo em prol da sua causa. 

O "massacre de mutantes" e a pesada derrota sofrida na série é o primeiro passo fundamental nessa direção, mostrando aos heróis que sua alienação e a tentativa de funcionar "segundo as regras" estabelecidas vai resultar apenas em morte, real ou metafórica. No nosso mundo, todas as minorias já tentaram em algum momento, funcionar "dentro do sistema". Aquilo de "quer ser viado, seja dentro do quarto, não na frente de todo mundo". 

Em sua série documental Killer Mike abre o episódio de estréia com uma das frases mais potencialmente desastrosas da história: "a segregação racial nos EUA foi ruim, mas...." mas passa os próximos minutos esclarecendo que a única coisa boa da severa divisão racial legalizada que houve durante a primeira metade dos séc. XX é que, neste contexto de estabelecimentos comerciais que só poderiam atender negros quando geridos por negros, o dinheiro acabava circulando dentro daquela comunidade, o que gerava um contexto auto-suficiente e, dentro das limitações da época, estável. Isto permitia, por exemplo, o surgimento de oásis como Tulsa, trazida aos olhos públicos na série de Watchmen. A cidade do estado de Oklahoma começou a atrair empreendedores e comerciantes negros e a se tornar um polo econômico local da comunidade, em virtude do enriquecimento local depois da descoberta de poços de petróleo nessa área. Enriquecimento que também atingiu algumas famílias negras que ali residiam.  Essa prosperidade e a predisposição a "jogar dentro das regras do capitalismo' não salvou a comunidade local quando os brancos racistas usaram um episódio isolado como desculpa para uma onda de massacre que, segundo notícias, pode ter resultado em dezenas ou centenas de mortos, onde os negros foram as principais vitimas e, numa distorção de justiça típica - não apenas daquela época -, considerados responsáveis. Malcolm X afirmava que "não existe capitalismo sem racismo". Indo mais longe, não existe capitalismo sem racismo, sem homofobia, sem machismo, sem xenofobia. 

Mesmo na ficção, Blade Runner e Matrix mostram que a convivência pacífica do diferente e de qualquer alteridade que possa ameaçar o hetero-patriarcado dentro do contexto capitalista NÃO é uma opção, sendo tolerada até um certo ponto. 


Obviamente, existe um limite até onde o criativo do título pode levar o gibi nessa direção, mas ninguém pode dizer que o time responsável não forçou essa barra até onde deu. Não existiria "New X-men" sem a fase de Claremont, da mesma forma que não existiria a fase atual, sob o comando de Jonathan Hickman, sem esse período como guia. Momentos em que os artistas no comando da série podem abandonar a estética super heróica e admitir que os mutantes são - e deveriam ser -  "mais que isso". São experimentos fadados a falhar, porque existem num contexto de mídia de massa voltada para o publico médio, dentro de uma corporação que, como todas, é fundamentalmente conservadora. Mas, novamente, é algo que existiu e sorte nossa que estes momentos existam. 

Eu oscilei entre títulos para esta seção do blog. Durante um tempo, confesso que tinha carinho pela sonoridade lisérgica de "Set the controls to the heart of X". Mas de fato, estamos numa jornada. Krakoa atualmente é esse símbolo de uma soberania mutante, de fato criando ondas e afetando o mundo ao seu redor, não mais se adaptando às regras do opressor, mas ditando novas regras, sem se preocupar com o quão confortáveis elas vão soar ao ouvido dos humanos. O arco que comento neste texto é uma de suas pedras fundamentais. 

"O massacre de mutantes" é a derrota essencial, aquele choque de realidade que os heróis precisavam para abandonar a própria letargia. A época de lutar entre si acabou. O inimigo real paira sobre heróis e vilões, esperando para exterminar ambos. Uma era sombria espera os mutantes e agora, cientes disso, só lhes resta mudar e adaptar-se a elas ou morrer. Seguir lutando, no entanto, oferece sua cota de riscos. Sobreviver demanda se tornar algo diferente, melhor e para isso, era fundamental estabelecer o papel que estes personagens pretendiam exercer e, no processo, o que eles NÃO queriam ser.

Claremont acreditava que a figura do "super herói" não era o bastante. Era hora dos X-men de fato, abandonarem velhos paradigmas confortáveis e se tornarem algo superior. 



Outras reflexões: 


- Warren é outro que achou que conseguiria adequar a missão do seu time em um contexto quase "empresarial". Pior: achou que poderia de fato, usar o ódio anti-mutante a seu favor. E o quão simbólico é o fato dele ser uma das baixas sofridas do lado dos protagonistas? Aquele que podia alcançar aos céus, tendo suas asas literalmente arrancadas. Dessa forma, a triste jornada do Anjo me soa parecida tematicamente com o arco de Stringer Bell em The Wire. Não adianta tentar injetar ordem num contexto que, por si só, tende ao caos. Não adianta tentar usar lógica empresarial num ambiente de "natureza selvagem". Conceitos do tipo são um "acordo de cavalheiros", que só funcionam se todos os "jogadores" concordarem em jogar sob as mesmas regras. Em caso contrário, o resultado é um e um apenas. 
- O líder dos Marauders é um sujeito cujo codinome é "Caçador de escalpos". Pensem nisso.


- A imagem mais icônica da série, imagino, seja a do selvagem confronto entre Wolverine e Dentes de Sabre. Isso posto, Colossus totalmente berserk disposto a matar um por um dos oponentes é algo que fica na memória depois da leitura. E percebam o detalhe de que o momento mais sombrio do personagem, logo depois de ter consciente e voluntariamente matado um inimigo que já não representava ameaça, ocorre enquanto ele olha para a nossa direção. O mundo dos X-Men não é um lugar que recompensa inocência e quando você olha para o abismo... 

*".... ya better be ready". Ou em bom português, "quando a merda vem abaixo, é melhor você estar pronto". 

Run the Jewels lutando o bom combate


Eric Andre. Killer Mike. El-P. Adult Swim. Ben & Jerry's. Juntos, em uma apresentação épica para convencer a população americana a participar das eleições nacionais que acontecem agora e, juntos, tirarem aquela aberração laranja da cadeira presidencial. 

Aqui em terras tupiniquins, também estamos perto de eleições - até ordem em contrário, salvo os tempos "coronísticos" em que vivemos. Independente do processo eleitoral municipal ser adiado ou não, façam sua parte, senhores e se informem. Pesquisem os melhores candidatos. Procurem informações sobre aqueles que querem ocupar o cargo de prefeitos e vereadores. Google está aí pra isso. 

Sim, eu sei, minhas convicções anarquistas me fazem ter bem pouca fé em todo o processo político que temos aí, mas, sendo bem prático: a revolução não vai rolar nas próximas 24 horas, é o que temos para hoje, esses são os nossos limões, então, façamos a melhor limonada possível deles. 

Escolham de forma consciente, pesquisem. E façam a diferença. Aos poucos, tomamos o país de volta da escória pentecostal-neo-fascista que tomou o poder. 

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Em rumo a Krakoa: Sangue novo.


 Star Trek tem "Star trek: The new Generation"

Star Wars tem o trio de protagonistas dos filme 7, 8 e.... ugh... 

Os X-Men, por sua vez, tem os New Mutants. Surfando a onda de sucesso de seu período no título dos mutantes, Claremont recebeu carta branca do editorial para um spin off sob sua tutela. Ao invés de se repetir, ele decidiu tomar uma abordagem fresca: como é ser um adolescente mutante neste contexto de ódio racial? Como é ser a geração seguinte a de ativistas? Como é ter que continuar a luta sob a sombra de gigantes? E, afinal, como ocorre com toda história de fantasia focada na perspectiva de jovens protagonistas, como é "aprender" a ser um super herói?

Como no texto anterior, eu vou falar por cima sobre questões de classe aqui, já que este é um ponto importante no lore deste título. Até porque, num primeiro momento, o Clube do Inferno também funciona como os principais antagonistas destes personagens.

Então, Novos Mutantes. Surgidos inicialmente na graphic novel "New Mutants: Renewal" de Setembro de 1982. Os X-Men, novamente, haviam sido dados como mortos, desaparecidos numa missão e o Prof. X decidiu que era hora de seguir adiante e abraçar um novo grupo de mutantes precisando de sua ajuda, grupo este formado por Sam Guthrie (Cannonball), Dani Moonstar (Mirage), Rahne Sinclair (Wolfsbane), Roberto DaCosta (Sunspot), Xi'an Coy Mahn (Karma) e, mais adiante, Warlock, Amara Aquilla (Magma), Douglas Ramsey (Cypher) e Illyana Rasputin (Magik/Darkchyld). 

Primeiro comentário e aquilo que mais salta aos olhos na leitura desse gibi: a quase completa ausência da "fase de encantamento". Pensem em Luke Skywalker, na primeira vez que pegou num sabre de luz. Harry Potter, da primeira vez que entrou em Hogwarts. Aquele momento em que a história permite que o protagonista - e a gente junto dele - enxergue aquele contexto com um olhar de fascínio, onde  tudo é novo e mágico. 


Aqui, isto é negado aos personagens. Mal chegam no Instituto Xavier e eles já são confrontados com perigos que tornam aquelas paredes mais claustrofóbicas do que convidativas. O colégio é um esconderijo, mas não um lugar seguro. E de fato, os riscos estão ao redor dessas crianças o tempo todo, como lobos em busca de carne fresca, o que nos traz ao principal tema da série: pais. Maus pais. 

New mutantes é uma série dominada por personagens que vão se apresentar para os protagonistas como figuras paternas em potencial, até o óbvio momento em que eles se revelam como ameaças de fato, o que, num primeiro momento, inclui o próprio Professor Xavier - aqui, possuído por uma larva de uma raça alienígena, a Ninhada. Pensem nos face huggers de "Alien". Superado esse desafio inicial, o contexto não é particularmente amigável (pelas minhas contas, são 21 edições até esses guris aparecerem fazendo coisas típicas da idade, como participando de festas com os amigos e coisas do tipo). 

Dos 5 originais, 4 deles são orfãos. A exceção é Roberto mas mesmo este não esta em condição confortável em comparação aos demais. Sua mãe é uma arqueóloga, constantemente em viagem. Seu pai, um magnata brasileiro emocionalmente distante (e que, spoiler alert, vai se revelar um adversário). 

Falei no começo do texto sobre a questão de classe no gibi e se já tivemos uma mudança de paradigma do time original pro de "giant size x-men", aqui a coisa é ainda mais óbvia: Rahne foi criada por um pastor ultra radical, o que implica uma vida regrada. Samuel tinha um futuro brilhante pela frente, podado pela morte do seu pai, o que lhe condenou ao papel de provedor da casa, trabalhando nas mesmas minas de carvão que mataram o patriarca da família. Dani é criada pelo avô numa reserva indígena e Xi'an tinha que cuidar dos dois irmãos menores, enquanto ela e seu irmão mais velho tinham que sobreviver obtendo o que podiam por meio de seus poderes. 


De novo, crianças (Karma - 19 anos de idade - sai cedo do título, deixando pra Sam o papel de mais velho do grupo, com 16 anos. Os demais tem 14 anos, com Rahne como a mais nova com 13), em condições financeiras que orbitam entre o estável e o "complicado", deixados sob os cuidados de um benfeitor rico, constantemente em situações de risco com outros tentando ocupar a vaga de tutores para uso de seus poderes em benefício próprio. 

Inicialmente, Manuel DaCosta. Depois, o líder de Nova Roma e Selene. Na minissérie que mostra os eventos ocorridos com Illyana durante sua passagem no limbo, Belasco via ocupar esse papel. A seguir, Emma Frost. De novo e de novo, esses adolescentes vão tentar confiar em adultos, apenas para serem traídos. Obviamente, o custo emocional disto nessas mentes em formação vai ser devastador. 


Aliás, um aviso: este é um gibi difícil de ler. Exatamente porque o criativo faz um excelente trabalho em nos deixar apegados a estes protagonistas e, ao mesmo tempo, ao expor os jovens a pressões que quebrariam adultos com décadas de experiência. É ligeiramente doloroso avançar na leitura deste título. Como eu disse no twitter, é como se Harry Potter começasse direto em "O cálice de fogo", em que as trevas sobre Hogwarts roubam a escola de seu papel como "lugar seguro". 



 O que nos traz ao segundo grande tema de New Mutants, que dialoga lindamente com o anterior: a relação daquelas crianças com Deus. Como eu comentei no twitter, NM é sobre adolescentes, o que faz com que também seja sobre pais. E Deus é o ultimate pai, não? Dizem que a imagem que temos de Deus é diretamente consequência da relação que tivemos com nossos pais. Filhos de lares estáveis imaginam Deus como uma entidade de amor. Filhos de lares complicados, como um Deus como o do velho testamento, austero e assustador. De fato, principalmente com a chegada de Bill Sienkiewicz como desenhista regular da série, essa metáfora vai ser usada direto, principalmente na forma como o artista retrata Xavier. É curioso notar essa dicotomia: se nesse momento do título principal, Charles é um homem fragilizado depois de um ataque sofrido, aqui, ele sempre aparece como uma força da natureza soberana. Só que um Deus ausente e falho. Primeiro, introduzido como ameaça. Depois, ausente por causa de eventos que o forçam a se refugiar com Lilandra no espaço. E por fim, como um deus quebrado, no arco mais famoso destes personagens: a saga de Legião. 

As metáforas cristãs já estão aqui desde o começo: os Novos Mutantes são crianças recrutadas num contexto de guerra, quase pré-apocalíptico e serão submetidas a horrores indescritíveis pelo bem de sua raça, quase como cordeiros de sacrifício, retomando a idéia do sacrifício da inocência que vem da história de Abraão e Isaque. Legião, na verdade David Haller, manifestou sua esquizofrenia depois de atacar terroristas que visavam mata-lo e a sua família. Ou seja, o filho de Xavier sofreu por toda uma vida por um ato de heroísmo que lhe custou tudo. Familiar?

Quando o prof. X, confrontado com a própria morte, transfere o comando do Instituto Magneto, ele aparece como uma voz no céu, novamente retomando imagens que remetem ao Deus do velho testamento. 

Esse elemento que vem como tema se manifesta literalmente quando os jovens vão para Asgard, em decorrência de eventos desencadeados por Loki. Nessa utopia, nessa terra de fantasias, eles são tentados - como Cristo no deserto - com tudo aquilo que mais querem. Pertencimento, amor, companhia. Ser parte de um todo. Pelo bem da causa, obviamente, eles terminam negando isso, e o espectro de tudo que perderam vai atormenta-los pelo resto da série.

O que nos traz ao clímax de NM: o encontro com o Beyonder. Na época, a Marvel publicava a saga Secret Wars II que mostrava o personagem - Beyonder significando "the one beyond" ou "aquele que está além" - como a manifestação senciente de um universo inteiro. Tendo adquirido consciência e como consequência do seu contato inicial com a humanidade nas Guerras Secretas originais, ele vem até a terra tentar entender a idéia de "existência" e as particularidades da humanidade. Com a consciência, vem as frustrações e não demora muito para a entidade abandonar a postura de curiosidade. Como eu disse outro dia: Ele NÃO é um deus de amor. 

Sem rodeios: todos, exceto Roberto que nesse momento não fazia mais parte do time, são mortos e apagados da existência. Posteriormente, são trazidos de volta, mas com a memória dos eventos sofridos.

Jovens na guerra. Jovens expostos a um trauma absurdo. E obviamente, jovens com síndrome de stress pós traumático. 

Eu não sei como era a relação de Claremont com o editorial da Marvel na época, mas acho curioso olhar que a idéia do Beyonder é representar o próprio criativo da Marvel e, ao mesmo tempo, a gente. Secret Wars II é um momento meta em que aqueles heróis percebem a fragilidade da própria existência, onde toda sorte de dor e sofrimento existe para nossa satisfação, num ciclo sem fim de violência para nosso deleite e diversão. 


Num dos twists particularmente sagazes da série, é curioso notar que num cenário cheio de homens com fala mansa e postura educada mas que não demoram a se revelar como os lobos em pele de cordeiro que são, são dois "vilões", Magneto e Emma Frost, que vão funcionar como âncoras emocionais e tratar os traumas emocionais dos jovens heróis. Yin e Yang. "Aftermath", o arco que narra tais eventos, termina com a possibilidade dos jovens de ingressarem de vez no colégio dirigido por Frost, na verdade, uma fachada do Hellfire Club. E se, sim, ela é de fato um oponente e usa de meios excusos para garantir que os guris terminem sob seus cuidados, sua preocupação com eles parece legítima, principalmente porque em um determinado momento, ela é a unica pessoa que de fato sabe a o que aqueles jovens foram submetidos, iniciando aí o processo que vai culminar, anos depois, com a Rainha Branca trocando de lado e assumindo seu papel no Instituto Xavier. Claremont sempre foi incrível nesse processo de longas storylines com pay offs lá na frente e é extremamente satisfatório - como no caso do arco de redenção de Magneto - ler o gibi sabendo como isso vai ser retomado futuramente. 

 

Que Chris Claremont tenha conseguido fazer tudo que fez nessa HQ ENQUANTO escrevia Uncanny X-Men, é algo absurdo de se pensar. Conceitos fascinantes sendo criados, personagens novos, velhos personagens sendo definidos pra sempre a partir da caracterização que ele adotou. Loas também, obviamente, para a equipe de arte. Óbvio, ÓBVIO que Sienkiewicz é um monstro, mas os demais artistas que passaram por estas 40 edições da série também merecem elogios, considerando que muito da nossa empatia pelos NM vem da forma como a arte os retrata, como cada desenhista (Bob  McLeod,o sempre brilhante Roger Stern na minissérie "Magick") soube retratar a montanha russa emocional que é estar nessa posição, neste não-lugar entre a infância e a vida adulta e sendo expostos a pressões insanas. As expressões e principalmente os olhos desses personagens tem que exprimir uma quantidade absurda de emoções com a mesma velocidade que elas são processsadas pela mente de um jovem, cheia de inconsistências e mudanças súbitas e não é qualquer desenhista que consegue transitar entre emoções e estados de espírito de forma tão ágil, então, é incrível como todos aqui mantiveram a barra o mais alto possível. 


New Mutants é uma série que oscila entre o horror existencial e o coming of age com a sensibilidade um filme do Miyazaki. Horror e fascínio, dor e alegria, altos e baixos. Um retrato profundamente adulto da adolescência. Um feito para poucos. Num universo em que coisas sobre e para jovens geralmente nivelam o mais baixo possível, como se a adolescência fosse um constante episódio de série da CW ou um capítulo de Malhação, é fascinante observar como Claremont, McLeod, Stern e Sienkiewicz souberam retratar as luzes, trevas e tons entre um e outro dessa fase com tamanha maestria.

Ah, um último comentário:  


Pobre Rahne!!!. 


terça-feira, 13 de outubro de 2020

Em rumo a Krakoa: Heróis da classe trabalhadora


Bom, como dito ontem, quase 100 edições de gibis mutantes foram consumidas por este relativamente humilde escriba, nas ultimas 3 semanas. O que eu tirei disto?

Inicialmente, falemos do título principal, Uncanny X-Men. Decidi que meu ponto de entrada seria a edição 169, primeira aparição dos Morlocks no universo mutante, exatamente pela memória que tinha deles, por seu papel dentro do lore e por achar que essa edição confirmaria uma hipótese que eu carregava naquele momento. Hipótese que se provou correta, devo afirmar: Chris Claremont, como disse outro dia, foi o escritor que transformou estes personagens no que eles são hoje. Alguns declararão que a afirmação é exagerada, mas sinceramente não acho que é o caso. Não sozinho, já que temos aí Byrne nos roteiros, até um ponto, além de todos os desenhistas que passaram pelo título, de Romita Jr. a Jim Lee. Mas confesso que, com todos os méritos à fase em que ele co-escreveu o gibi com o roteirista canadense, a parte suculenta do lore vem do seu vôo solo. 

"E o que ele adicionou a esse lore?", vocês me perguntam. 

Vamos por partes: Claremont chega no título na edição de número 94, de Agosto de 75. Seis edições depois, ele introduz a Fênix, que faz sua gloriosa aparição inicial no número 101. 

Quase todos os elementos que o fandom ama nesses personagens, vem dos seus 17 anos no título.

Mas novamente, não se trata apenas dos personagens que o roteirista criou, mas do como, do tom daquelas histórias, das metáforas ali contidas. Mais uma hipérbole que provavelmente vai ser contestada aqui e ali mas: Claremont tornou os discípulos de Xavier no símbolo de minorias que são hoje. Não que o elemento do preconceito não estivesse ali desde as primeiras edições de UXM, como já apontamos nos textos anteriores desta série do blog. Mas antes, era sutil, delicado.

Aqui, não. O subtexto vira "sobre"texto. O nêmesis dos personagens não é mais Magneto, que aqui ganha ares de líder mutante e ativista, mas o preconceito racial. O arqui-inimigo destes heróis deixa de ser uma figura personificada e passa a ser um conceito abstrato. 


Além disso, o criativo do gibi soube aproveitar e captar muito bem o "espírito" de sua época: Uncanny X-men é um quadrinho punk, desde sua arte até seus temas. Anti-establishment até a medula: o governo, antes formado por "algumas maçãs podres" agora é retratado em sua maioria como o "inimigo". Fantasmas como a "lei de registro de mutantes" pairam o tempo todo sobre os residentes do Instituto Xavier. Quando pessoas comuns são retratadas, a multidão normalmente aparece como um bando de racistas, preconceituosos, aproveitando o comportamento de turba pra expressar seu ódio. Novamente: as maçãs podres viraram maioria. Ainda é sobre "nós vs eles", onde o gibi ainda toma a postura segura - alguns diriam ingênua - de achar que o leitor vai se identificar mais com o "nós", vítima do ódio das massas, do que com o "eles" lançando pedras e ofensas com a mesma ferocidade. Novamente, não alienar o público leitor e ainda assim criticar a sociedade de forma menos superficial é uma linha fina, sobre a qual poucos tentam orbitar. Claremont, dotado da coragem de alguém que sabe que o título ia mal nas vendas e que, portanto, o editorial estava aberto a certos riscos, vai sem dó. 

O que nos traz a um elemento que me parece fundamental pra explicar o porquê do sucesso deste título: Claremont introduz a luta de classes, o conceito de classe social, na HQ. Até então, se tratava de heróis versus vilões. Os vilões variavam, indo desde o sujeito procurando uma oportunidade num mundo hostil até o vilão milionário de monóculo que anseia pela dominação mundial como forma de conter seu ennui. Com o tempo, no entanto, a equipe criativa do título introduz um grupo de coadjuvantes e antagonistas que vão borrar essas linhas e acrescentar alguns tons de cinza nelas. 

Os dois extremos disto são os Morlocks de um lado e o Hellfire club do outro. 


Os Morlocks são um grupo de párias mutantes que vivem nos esgotos. Quando o gene-x se ativou neles, suas mutações alteraram seus corpos de forma brutal, não deixando a eles a possibilidade de passarem despercebidos pelas pessoas "normais" como acontece com a maioria dos X-Men, restando a eles apenas o exílio social. Liderados por Calisto, tais mutantes encontram força na idéia de comunidade e conseguem sobreviver coletivamente.




O Clube do Inferno, em oposição, é um clube de elite formado secretamente por mutantes ricos, usando seu poder ($$$) e seus poderes para penetrarem nos círculos de influência da sociedade. Imaginem algo tipo aquela sociedade secreta de "De olhos bem fechados". Incluindo a parte do sexo, ainda que isso não seja retratado já que é um gibi para crianças (mas não é uma coincidência que Selene e Emma usem trajes de fetiche como seus "uniformes", enquanto as serviçais adotem roupas de "maiden" francesas). Num mundo pós-reabilitação de Magneto, o clube liderado por Sebastian Shaw vai funcionar como os antagonistas de fato dos heróis, inclusive assumindo aquele trope típico do vilão que é o extremo oposto do seu adversário, também funcionando como um colégio para mutantes, tal qual o Instituto Xavier. Dessa forma, Shaw seria o prof. X reverso, também utilizando poder e influencia para secretamente garantir a própria existência, mas onde Charles faz isso de forma abnegada, o vilão o faz por pura sede de poder, a ponto de permitir anti-mutantes como Donald Pierce e figuras de moral questionável como o jovem "Empata" entre suas fileiras. 

Em ambos os casos, temos o elemento da existência num contexto capitalista sendo introduzida na história. Na história de estréia, os Morlocks sequestram Warren Worthington III, o Anjo dos X-Men, porque Calisto quer se casar com ele. Falando dessa forma, parece uma trama superficial, digna de episódio dos Super-Amigos. Ledo engano: Worthington é, nesse momento, um dos poucos mutantes "fora do armário", tendo declarado publicamente a respeito de sua mutação. Além disso, como o sobrenome pomposo indica, ele é herdeiro de uma família de elite. Além disso tudo, seu codinome é "angel", um símbolo cristão. Seu poder, permite que, tal qual Ícaro, ele voe "próximo a Deus". Calisto deixa claro que o que ela quer não é "um marido", mas tudo que Warren representa. Porque alguns mutantes podem sair ao sol enquanto ela e os seus tem que se conformar em literalmente sobreviver nos esgotos?



 Mesmo "Masque", o morlock mais retratado, nesse momento, em tons vilanescos: a fonte do seu ódio vem do fato de que seu poder permite que ele altere o rosto alheio da forma como ele bem entender, podendo moldas as feições de terceiros como se fosse argila. A ironia, no entanto, é que ele é profundamente deformado e seu poder não funciona nele mesmo. Novamente, o ódio vem daquilo que os outros possuem e que lhes é arbitrariamente negado. 

Voltemos ao Hellfire Club e, sob o mesmo prisma, vamos nos concentrar no seu grupo de líderes, o "círculo interno". 

Sebastian Shaw tem o poder de absorver a energia cinética dirigida ao seu corpo e usa-la de volta contra seu oponente. Emma Frost é uma telepata sem muitas limitações morais a respeito do uso indiscriminado de seus poderes. Harry Leland pode controlar a massa de seus oponentes, tornando-os leve como o ar ou pesados como titânio. Selene é literalmente uma vampira, uma parasita vivendo sugando energia vital de terceiros. Jason Wyngarde pode gerar ilusões telepáticas, podendo aparecer como quiser diante das pessoas e fazendo-as ver o que ele quiser. Donald Pierce é um humano normal mas que ganha habilidades super-humanas depois de se tornar um ciborgue. 

Novamente, Shaw usa aquilo que lhe foi direcionado contra seus opositores. Emma e o Mestre Mental são ilusionistas controlando a percepção pública. Leland é alguém pateticamente inseguro (e simbolicamente, seu poder remete a idéia de transformar pessoas em "pesos"), Pierce é um hipócrita, gritando por pureza sendo, ele próprio, algo "supra-humano". E, sem medo de me repetir: Selene é LITERALMENTE um parasita. 

Claremont não estava preocupado em ser sutil aqui. 

No meio do caminho, estavam os X-Men. Futuramente, eu comento sobre os Novos Mutantes, mas nos focando apenas no time principal: é interessante como, do time original para este, temos uma transição em termos de estabilidade financeira. Os 5 originais são quase todos vindos de família estáveis, com Warren se destacando como o mais abastado entre eles. Já o segundo grupo: Wolverine é alguém quase desapegado completamente de necessidades materiais. Ororo era vista como uma deusa entre os locais na Africa, mas na infância teve uma vida de miséria, tendo que recorrer a pequenos roubos sob a tutela de Amahl Farouk, o Shadow King. Noturno e Proudstar vinham de situações relativamente estáveis. Piotr era um trabalhador numa fazenda coletiva na União Soviética. As exceções eram Solaris, de uma nobre linhagem japonesa e Banshee, ex-policial e ex-agente da Interpol, de onde podemos concluir que ele deve viver confortavelmente. Mesmo assim, é uma transição interessante. Curiosamente, os mais abastados destes se afastam para suas vidas pré-heróicas. Os demais, aceitam a vida na mansão do benfeitor rico. No entanto, com o afastamento de Xavier em decorrência de um ataque sofrido por uma turba anti mutante e uma série de outros eventos, os mutantes terminam quebrados, tendo que pedir refugio com colaboradores na Austrália e, em uma circunstancia específica, com os Morlocks, nos esgotos. 

Estes não são heróis que, tal qual Tony Stark, vão em missão entre um banho de jacuzi e outro, oscilando entre a persona heróica e o playboy bon vivant. Os X-Men do Claremont são figuras urbanas, que vivem naquela zona cinzenta pela qual Batman e os demais apenas transitam ocasionalmente entre um combate e outro. Como já dito, eles são punks, contra-culturais, anti-establishment (ou o mais nessa direção que um material de cultura pop voltado para a mídia mainstream pode ser). E por que não seriam? Lembremos: este é um momento em que os membros da "Brotherhood of EVIL mutants" foram assimilados por este mesmo establishment, trabalhando para o governo agora sob o nome de "Freedom Force". O establishment é responsável pela lei de registro e pelo financiamento do programa de desenvolvimento de sentinelas. O mesmo governo que financiou e usou uma arma que foi responsável pela perda dos poderes de Tempestade. O establishment não é e NUNCA FOI amigo das minorias, estas sendo obrigadas a se reafirmarem como seres humanos e como consumidores para poderem existir (Porque lembremos, historicamente, minorias só foram socialmente reconhecidas - leia-se "toleradas" -  por seus opositores quando se provaram financeiramente hábeis. Vide a situação atual da comunidade queer e toda a questão envolvendo o "pink money"). 




Este tema vem como um fantasma pairando sobre os personagens e é tornado plot point na primeira incursão dos personagens à cidade-estado de Genosha (esta passagem em si vai ganhar um texto só pra ela futuramente). Não podendo retratar os EUA como o inimigo - de novo, limitações de um quadrinho mainstream - Claremont cria um lugar fictício onde ele pode mostrar esse processo de desumanização da figura do outro sem medo de críticas. 

Pra efeitos de concisão, esta é a principal dicotomia, desenvolvida pelo criativo neste momento, que funciona como a base fundamental de tudo que vai ser feito com os mutantes nas décadas seguintes: o governo não é um aliado, a sociedade não é uma aliada e o sistema capitalista funciona contra você, numa imagem que pode ser resumida na arte de capa da edição número 208. 


X-men à esquerda. Urbanos, desafiadores, sozinhos contra o mundo e com os punhos em riste. 

O clube do inferno à direita. Ricos, poderosos mas patéticos em seus trajes clássicos tentando evocar um ar de burguesia francesa, em mais um típico exemplo da cafonice dos afortunados.

No meio, entre ambos, Nimrod, um sentinela, a personificação do ódio e do preconceito racial.

O único poder, a única força de fato - desconsiderando, obviamente seus poderes mutantes - vem da comunidade, da união entre estes marginalizados, numa situação em que o simples ato de existir é, em si, um ato de protesto.