sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Graça infinita e chá de hortelã - parte 3


Okay........... eu tenho 40 anos de idade e estou tentando de qualquer jeito mudar minha vida. E isso dá um medo absurdo. Não que não teria tal efeito em mim se eu tentasse mudar de vida aos 20 ou aos 30. Aliás, eu tentei - e fui bem sucedido, diga-se de passagem - fazê-lo nessa idade - vim de Avaré pra SP pra tentar passar no vestibular com 22. E eu tive um medo absurdo.
Já disse antes que eu tenho um plano, né? Vir pra SP, fazer vestibular num curso que não demande muito trabalho, me formar, trabalhar num trabalho que não demande muito esforço e usar o $$$ disso e a liberdade de ser um, como já dito, trabalho que não demanda esforço, pra estudar e me aprimorar naquilo que eu, de fato, quero fazer.
Simples, certo?
Mas aí vem as bolas curvas que te pegam de jeito: o salário é bom. E o dinheiro vai fácil nos livros, jogos, bonequinhos e restaurantes. E vc começa a ficar confortável. E tipo, o que vc acha que sabe, na moral, SABE fazer bem envolve se jogar num oceano cheio de predadores, alguns mais novos, tentando se provar, outros mais velhos, versados no jogo, querendo se manter nadando pelo máximo de tempo possível. Aí vc perde o tesão. Normal. O problema é a vozinha na cabeça te dizendo que o tempo tá passando e que o talento.....bom, esse é o ponto em que esse preâmbulo revelador se conecta ao real foco desse texto: as mais de 50 páginas lidas, entre semana passada e essa, de Infinite Jest. Nesse ponto do livro, teve bem pouco world building, mas CACETE, como esse texto é bom. Ao invés de apresentar o mundo, esse excerto que li traz textos que são quase artigos - e alguns são de fato, ensaios e relatórios escritos pelos personagens - onde podemos ver suas opiniões e, no processo, a de Foster Wallace sobre temas como tênis (onipresente), expectativas, talento e como gerações inteiras foram estragadas por Marlon Brando e James Dean. 
Sério, tem passagens aqui - e dessa vez eu realmente pus notinhas e marquei páginas e foram várias e várias - que eu vou lembrar pelo resto da vida. 
Em um artigo, Hal cita as diferenças fundamentais dos heróis clássicos e das versões destas já inseridas no pós-modernismo e na era desconstrutivista dos anos 80, a partir da comparação dos protagonistas de Hawaii 5-0 e Chumbo Grosso.

"Steve McGarret não sofre impedimentos causados pelas tarefas administrativas de um chefe-oficial-de-polícia, nem por mulheres, nem amigos, nem emoções, nem por nenhum tipo de exigência que exija sua atenção. O seu campo de ação fica livre de entulhos que o distraiam. (...) Por outro lado, o Capitão Frank Furillo é o que se costumava chamar de um herói pós-moderno (...), um herói cujas virtudes são as que competem a uma era mais complexa e capitalista. (...) Um herói de reação."

De fato, achei muito pertinente a colocação de que a diferença fundamental dos dois é que o herói clássico, se pensarmos numa manada de animais levados por um pastor, ocupa a função do pastor em si, distante dos demais por sua retidão mortal e fortitude ética. Já o herói pós-moderno, onde se encaixam tb Rambo, John McClane, o Batman do Frank Miller, etc., é, nessa metáfora, um dos animais no meio do rebanho, tentando guiar seus semelhantes a partir da própria força de vontade, tateando no escuro e improvisando sempre que der. 
Mais a frente, num relatório sobre o fracasso dos videofones nesse universo, rola algo mágico: começamos um texto extremamente frio e cheio de termos técnicos e, quando menos esperamos, caímos numa reflexão extremamente humana sobre vaidade e a nossa necessidade de atenção. 

"Uma conversa tradicional somente áudio deixava você entrar no desligamento semiatento e hipnótico de uma autoestrada: enquanto conversava, você podia olhar em volta da sala, rabiscar, criar haicais de bloco de anotações (...). No entanto, na mesma medida em que você dividia a sua atenção entre a chamada telefônica e tudo quanto era atividade ociosa e desligamentística, por algum motivo você nunca se via assolado pela suspeita de que a atenção da pessoa do outro lado da linha pudesse estar dividida de maneira similar. (...) Durante uma chamada tradicional, por exemplo, enquanto digamos, realizava uma detida análise tátil de suas imperfeições no queixo, você de modo algum se via oprimido pela idéia de que a sua contraparte fônica talvez estivesse devotando uma bela percentagem da sua atenção a uma detida análise tátil de imperfeições. Era uma ilusão e a ilusão era auditiva e auditivamente sustentada.(...) A videotelefonia tornou a fantasia insustentável"

A seguir, o autor nos mostra uma conversa entre um jovem James e seu pai, onde o velho Incandenza revela ao garoto sua paixão pelo tênis e parece que a conversa vai ser sobre isso, quando, subitamente, ele decide abrir o coração e descrever o momento em que ele deixou de ser um atleta para virar apenas mais um exemplo de potencial perdido - e sim, isso vai se relacionar diretamente com a relação crescente de maus pais encontrados nas páginas de Graça Infinita meio que num esquema tipo "ciclo da escrotidão"

"O cliente do meu pai que disse 'Mas cacilda, Incandenza, como é bom esse teu garoto'."
"'É, mas ele nunca vai ser grande"
"É culpa minha, Jim. Tanto tempo em casa (...) com medo de dar ao meu último talento a chancezinha que ele exigia. O talento é a expectativa do próprio talento, Jim: Ou você vive o talento ou ele te acena de lencinho, pra sempre se afastando.  É teu ou adeus. Eu....eu só tenho medo de ter uma lápide que diga AQUI JAZ UM VELHO PROMISSOR. Ter potencial pode ser pior que a falta dele, Jim". 

Isso e a frase do pai de James dizendo que nos enxergamos nossos pais como móveis, que sempre estiveram e sempre estarão aqui ao nosso lado cortou fundo em mim, confesso. 
E por fim, voltamos a Hal, agora num discurso escrito por ele e Mario, onde o guri dá a sua perspectiva a respeito da idéia de talento, mas agora descrevendo a visão de dentro da coisa, e como aquilo que chamamos de talento tem muito mais a ver com sacrifício e trabalho duro e uma quantidade obscena de dor física e emocional.

"Dê uns mil saques. Depois de cada saque você tem que quase cair de cara na quadra e num único gesto fluido se dobrar e catar as chaves com a mão esquerda. É assim que você se treina para subir pra rede depois do saque. É assim que você segura a raquete. (...) Aperte a bola de tênis ritmicamente mês após ano até você não senti-la mais do que sente o coração espremendo o seu sangue e o seu antebraço direito estar três vezes maior que o esquerdo (...). É assim que você enverga um agasalho vermelho e cinza da ATE e corre em grupo 40 km por semana (...) mesmo que você preferisse tocar fogo no cabelo que correr num grupinho. Correr é doloroso e inútil, mas não é você quem dá as ordens. Tenha um pai cujo próprio pai perdeu o que estava lá. Tenha um pai que viveu tudo o que prometia e depois ficou encontrando cada vez outra coisa em que atingir e depois ultrapassar as expectativas do que prometia nelas e que depois não parecia nem a pau mais feliz ou menos despirocado que o seu próprio pai fracassado o que te deixa numa espécie de estado selvagem e tomado pela velocidade do fluxo no que se refere ao talento. É assim que você evita pensar em qualquer dessas coisas treinando e jogando até que tudo corra no piloto automático e o exercício inconsciente do talento se transforme numa maneira de escapar de você mesmo, um longo sonho desperto de puro jogo". 

A questão se aprofunda: se potencial desperdiçado e a ausência deste são mortificadores, aparentemente o potencial concretizado também pode provocar mais angústia existencial e dor do que necessariamente felicidade e contentamento. (sobre isso, inclusive)
Sério, esses textos, conjuntamente, formam um mosaico fascinante de visões de mundo sobre talento e as oportunidades da vida, as que aproveitamos e as que não, as chances concretizadas, os momentos de sucesso e aqueles que deixamos escapar, que viraram situações hipotéticas, daquelas que vislumbramos entre sonhos, horas perdidas e devaneios sobre o que poderia ter sido. Além disso, tb é sobre aqueles momentos em que nos perdemos fazendo aquilo que amamos e quero dizer nos perdemos MESMO, em que abandonamos aquilo que somos, deixamos nosso "self" ao léu, como um barco abandonando o porto e abraçamos a totalidade daquilo que temos como paixão. No caso de Hal, o tênis. No meu, consumir e escrever sobre cultura pop. No caso de um pintor, as tintas, as telas, o ato de se se esquartejar em forma de arte. Tocar o sublime. E nem falo de fazer isso de forma excelente, mas apenas de fazer, do ato de se perder em si. As comparações com o resto do mundo virão, como o mais novo dos Incandenza afirma, seja com os que são melhores que vc, seja com os piores. Em ambos os casos, um espelho, e, em ambos os casos, assustador.  


De dentro desse abismo de miséria existencial, a única saída é rir, a principal forma de rebeldia diante de um universo frio e de um contexto de mundo desalentador e, sabendo disso, DFW oscila entre esses momentos de truth bombs e outros de comédia rasgada, que, no ponto em que estou da obra, se concentram no tb aluno de Enfield Michael Pemulis, tenista e traficante de substâncias ilegais. Substâncias estas que acabam sendo uma das únicas fontes de algum alívio pra esses personagens, cuidando de todas as suas dores, não apenas as físicas. No capítulo protagonizado pelo rapaz, conhecemos uma prática bastante comum nesse ambiente: o tráfico de urina para testes anti-dopping que conta com o hilário slogan "se mijando de medo? mije com nossa urina". 
Nesse ambiente desesperador que é um colégio para esportistas de elite, inserido, por sua vez, num mundo em frangalhos como é o cenário distópico em que se passa a história, essas risadas trazidas das pequenezas cotidianas são o que acabam motivando aquelas figuras. 
Enfim, a leitura segue incrível, o texto é maravilhoso (sério, tem páginas que são blocos e blocos de texto, um parágrafo por página e quando vc vê, já foi e vc devorou o negócio em minutos que, na real, pareceram segundos). 
Num primeiro momento ele pode, de fato, parecer um tanto assustador mas creiam-me, Graça Infinita tem, em sua alegria e em sua tristeza, sido uma experiência absolutamente recompensadora. 
Semana que vem eu volto com mais, ímpios. 

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

terça-feira, 27 de agosto de 2019

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

sexta-feira, 23 de agosto de 2019


Whoop Whoop, motherfuckers!!!
Respect!!!!

"Risco é parte do jogo": "Gunning for hits" e "Ballers" S01

“If you are playing the game without wounds, you are not playing the game, you are watching the game. If you are playing the game with wounds, you are not playing the game, you are mastering the game”

Yo...eu tenho tanto amor quanto qualquer pessoa dotada de algum bom senso por frases motivacionais. Ou seja, muito pouco. But again yo: Se vcs lerem a frase acima com o devido cuidado, vão perceber que o autor fala de JOGAR o jogo e se aperfeiçoar. Mas nada garante que vc vá GANHAR o jogo apenas pq vc joga bem. 
Also: manjam aquela frase sobre salsichas e política? Eu botaria arte nesse bolo também. E é sobre isso que as duas paradas maneiras que eu vi e li recentemente giram em torno. Livros, jogos, gibis, séries, essas paradas que falam sobre coisas geralmente focam nos heavy gamers. Obras sobre artistas focam, obviamente, nos artistas, nos músicos, nos pintores, nos escritores. Obras sobre esportistas? Nos jogadores e, quando muito, nos técnicos.
Mas quem conhece um pouquinho as paradas, sabe que esses "jogos" tem dois lados. O legal, que recebe os holofotes e os bastidores, o lado atrás das cortinas. E é disso que ambas as obras das quais falo nesse post vão se focar. Onde as fucking salsichas são feitas.


Tomemos "Gunning for hits", por exemplo e a indústria da música. Temos o artista, compositor e o resto de sua banda. Uma vez que eles conseguem um contrato - escrito por um advogado - eles estão financeiramente ligados à uma gravadora. Gravadora essa que tem um diretor e vários setores, de marketing até a parte de produção musical em si, passando pelo já citado setor legal, a parte de logística dos shows, etc., etc., etc. A história começa em 1987 onde, até o pescoço nessa cadeia produtiva, Martin Mills é um caçador de talentos, o cara que fazia o meio de campo entre os artistas e a gravadora. No começo da trama, ele está tentando fechar um contrato com a banda Stunted Growth, liderada por Billy e, alguns diriam, Diane, sua namorada e manager. Paralelo a isso, o lendário Brian Slade, estrela dos anos 70, mas que parece ter atingido certa falência criativa, está em busca de um novo contrato com alguma major. Quando todos esses personagens se juntam, o resultado é caos, puro e simples.
Also, Mills pode ter certas sombras no passado que vão ter que ser resgatadas no meio desse clusterfuck. Fim do resuminho, podemos ir pra parte que interessa: Que gibi foda. QUE GIBI FODA.
Dois motivos simples: roteiro e arte. :-)
Obviedades à parte: O texto da minissérie é de Jeff Rougvie e aqui eu faço uma pausa. O cara pode ser um quadrinista sem muitos títulos no catálogo, mas seu expertise no assunto desse gibi, música e os meandros da indústria musical, vem dos anos e anos dedicados à ela. Entre os diversos papéis que exerceu nessa área - incluindo produção e talent manager, tal qual o protagonista da hq -, ele tem uma passagem pela Rykodisc's onde atuou na obtenção de direitos de material clássico para posterior remasterização pro lançamento em cds. Nisso, ele lidou com o acervo de bandas como Meat Puppets, Devo, Dead Can Dance, Elvis Costello, Bootsy Collins, Mission of Burma, os cds de comédia de Bill Hicks e...... 16 dos discos clássicos de não outro senão DEUS em pessoa. O que me leva, obviamente a aquilo que me fez prestar atenção nesse gibi, num primeiro momento, antes de saber de tudo isso sobre arte, texto e os cacetes...


Familiar? Pois é. Brian Slade é DEUS em pessoa. E isso nem é disfarçado, não apenas pq Moritat, o artista responsável pelos desenhos de Gunning for Hits concebeu o personagem com as feições de vcs-sabem-quem, mas pq o nome, Brian Slade foi inspirado do clássico Velvet Goldmine, filme de 1998 de Todd Haynes que narra as aventuras de um jornalista musical na caça de um artista  britânico desaparecido a anos que tem esse nome.
Foto do rapaz


Familiar? Esse filme tb tem o Ewan Mcgregor atuando como Iggy Pop Curt Wilde, parceiro de Slade e que.....como direi..... fazia um monte de coisa com o cara. Incluindo arte. 
So.... anyways, falei do roteiro, voltemos ao traço de Moritat: a arte do cara é tão bonita mas, além disso, TÃO refrescante. Tipo, uma versão mais fanzinão punk do traço Tex Avery de Kyle Baker, as expressões oscilam entre o minimalista e, quando a trama pede, o larger than life. E os rostos são tão distintos uns dos outros, um treco tão raro em gibis serializados. 
Considerando seu passado, não é surpresa nenhuma que Rougvie desfila toneladas de detalhes sobre as engrenagens da indústria fonográfica americana e como as grandes majors funcionam e, de novo, tudo é novo e único e tem aquela capa ultra-pop que vc em obras tipo Wicked + Divine e Sandman, sabe? Esse é um gibi que eu consigo fácil ver fugindo do gueto do fã de quadrinhos e atingindo aquele pessoal cool que vai pra balada na Augusta e lê Vertigo de tempos em tempos. O roteiro abraça os "horrores" da indústria num nível literal, equilibrando a trama sobre música com os elementos sórdidos do passado de Mills. A conclusão é incrível, onde os dois elementos que constroem essa história (crônica sobre a indústria musical + thriller) colidem de forma perfeitamente harmoniosa. Fiquei animadaço com o anúncio do final da sexta e ultima edição, prometendo uma nova série nesse mesmo universo, mas mudando o gênero. As guitarras e baterias dão lugar aos mics, deejays, ritmo e poesia e mano, considerando que eu tenho, talvez, ouvido mais rap do que rock ultimamente, já fico no aguardo ansioso pela sequência. 



"'Cause the players gonna play, play, play, play, play
And the haters gonna hate, hate, hate, hate, hate"
Taylor Swift, "Shake it off"

Ainda sobre os bastidores de uma indústria de entretenimento gigante, saímos da música e vamos para o esporte: Devorei essa semana os 10 episódios da primeira temporada de "Ballers", série da HBO protagonizada por Rock "The Dwayne" Johnson e Rob Corddry como gerentes financeiros de grandes atletas do futebol americano. The Rock aqui é Spencer Strasmore, ex jogador de futebol profissional que se aposenta depois de um acidente durante um jogo que acabou com a carreira de um dos membros do time adversário e passa a ser financial manager de atletas dessa indústria, junto com seu parceiro, Joe Krutel, ambos funcionários da Anderson Financial, comandada pelo linha dura Brett Anderson. O programa vai mostrar o dia a dia de ambos lidando com as criaturas instáveis que são os atletas em ascensão do esporte número um dos EUA, entre eles Ricky Jarret e Vernon Littlefield.


Além deles temos também personagens como Charles Greane, ex jogador de sucesso que se aposentou mas pode estar planejando um retorno aos campos e Reggie, amigo pessoal de Vernon e rêmora que orbita ao redor dele o responsável pelas finanças do colega até a chegada de Spencer. Molecada jovem com fama e uma tonelada de dinheiro, obviamente acabam fazendo muita merda e os episódios mostram Spencer e Joe pulando de crise em crise. O tom é de comédia com pitadas de drama. O drama é realmente tocante e a comédia....sério, ri alto várias vezes durante a temporada. 
A série me lembra uma versão de luxo (ou seja, uma versão HBO) de shows como "House of Lies" ou "Black Monday", mas melhor (apesar de, ao contrário das duas acima citadas, ter a falha de não trazer Don Cheadle no elenco). Ainda é uma série claramente voltada pro público masculino, trazendo os vícios típicos de um produto desse tipo (carrões, muita balada maior que a vida, um monte de mina nua ou de traje curto) mas com uma boa cota de subversões desses clichês (as mulheres da série transcendem os clichês de serem apenas interesses sexuais ou antagonistas, como ocorre em alguns casos de programas do tipo). 


Ainda tem muito daquilo de fantasia masculina de riqueza e poder, mas tem alguns elementos dramáticos em que assuntos como saúde mental e toxicidade masculina são trazidas pros holofotes, quase como um mea culpa do programa, usando tais tropes enquanto os desconstrói de leve.
Gostei bastante, apesar de achar que o final da temporada termina um pouco feliz demais. 
Vou continuar vendo com certeza e falo mais conforme for avançando.
E caso alguém esteja se perguntando: sim, The Rock consegue convencer que aquela montanha de músculos é, de fato, alguém trabalhando de terno e gravata numa empresa do ramo financeiro. 
E isso não é pouca coisa. :-)

Graça Infinita e chá de hortelã - parte 2 (plus: paradas)


Yo, ímpios, de volta aqui para nosso encontro semanal pra falarmos de livrinhos maneiros. 
Já começo dizendo que não atingi as 110 páginas dessa semana, como previamente combinado, mas por uma - na verdade duas - boas razões. 
Primeiramente, eu tô adorando Infinite Jest. Sim, é um lívro que, como disse alguém num vídeo review da obra que eu vi, não é muito gentil com o leitor. As vezes mesmo eu, que estou interessado, me perco um pouco nas cenas descritivas aqui e ali. Mas Jesus do céu, "Graça Infinita" tem umas passagens absolutamente lindas. Vou falar mais disso adiante, mas, em virtude disso, acabo reduzindo a velocidade, a tal da "pressa em terminar". Vi outro vídeo da Tatiana Feltrin falando do tijolão e, de fato, é uma história que demanda um tempo impreciso, só dela. Eu tô lendo a bagaça e me pego voltando pra reler passagens que ficaram confusas ou outras que só soam mais claras conforme vc avança na trama. Tem o lance de querer situar a história cronologicamente, fora as notas de rodapé gigantes e tudo isso é tão legal. Então, não só li menos essa semana - umas 60 páginas - mas acho que essa é a média que voi manter daqui pra diante. Entre 50 e 70 páginas semanais, sem correria. Vai levar mais tempo pra obra terminar mas isso aqui não é uma prova de resistência. Se o fruir do negócio não for apreciado da forma que merece, pra que fazê-lo, né?
E segundamente, pq eu peguei outros livros pra ler além dele. As tais "paradas" no título desse post. Comento sobre mais pra frente.
Bom, de volta à "Graça Infinita": desde o ultimo texto, vi uma longa conversa entre Hal e seus buddies sobre o futuro, outro momento tenso de interação entre o agente Steeply e Rémy Marathe, um membro do exército separatista de Québec, relatos sobre a primeira incursão romântica de Mario Incandenza, a introdução de um novo personagem (um guru fitness extremamente creepy) e o longo e fascinante e sinistro relato de "este que vos fala" (é o nome dele) sobre uma noite envolvendo drogas, Chinatown e Roy Tony, de que os senhores devem se lembrar da passagem de Clenette, algumas páginas antes. 
Okay, pelo começo: estamos num ponto em que está claro que o tal "entretenimento" do qual o oficial da CIA se refere é o último filme de James Incandenza, obra que nomeia o livro do qual falamos aqui. Mas, surpresa, surpresa, agora descobrimos que pode existir um "antídoto" pra ele. 
Além disso, a trama segue em seu tom de melancolia: o tema dos vícios permanece constante e vemos que, como eu disse no post anterior desta série, ele é de fato uma resposta ao clima de desesperança reinante naquele mundo. A conversa de Hal com os amigos é algo desesperadora, ao questionarem a solidão inerente daquele local, em que, esportistas em um jogo individual, todos ali competem contra todos, incluindo seus melhores amigos. Qual a lealdade que pode existir num ambiente darwiniano em que seu objetivo é ser o melhor mesmo que isso signifique ter que concorrer com seus amigos próximos? E além disso: é doloroso o momento em que um dos garotos afirma que o futuro não vai ser muito melhor. Esses meninos estão se colocando em situações de extrema pressão para saírem do colégio como profissionais apenas para terem como "recompensa", uma vida inteira de pressões ainda maiores para se manterem no topo dos rankings do tênis. 
Isso é sobre tênis esportivo mas, na real, vale pra qualquer profissão: anos e anos correndo contra o tempo numa faculdade pra obter o direito de fazer o mesmo num ambiente ainda mais competitivo. E, no caso deles, com o agravante de que sua carreira é gigantescamente mais curta que as demais, já que em algum momento, o corpo pede arrego. 
O momento mais marcante desse diálogo, pra mim, ocorre quando Hal explica a idéia das 3 possibilidades de quando um atleta atinge seu ponto de rendimento máximo, seu platô:
- Ele pode, percebendo que atingiu seu limite, apenas desistir.
- Ele pode tentar superar essa condição via treino e esforço, onde normalmente, o resultado é puxar os limites um tiquinho too much e terminar com uma lesão permanente e, na pior das hipóteses, uma aposentadoria precoce.
- Ele pode se manter confortável, resignado de que atingiu seu rendimento máximo, o que vai resultar nele sendo superado por qualquer atleta com um desempenho melhor.
Não exatamente um cenário dos mais otimistas, em que as opções que se apresentam são um caso de "escolher a menos pior". 
O futuro não é promissor, com a promessa de mais esforço e mais pressão em que mesmo a recompensa máxima, o topo da montanha - e dos rankings - é algo fugaz, que virá e irá embora na mesma velocidade. 
Os guris - e é importante lembrar que estamos falando de crianças entre 11 e 14 anos aqui - acabam encontrando algumas respostas confortadoras, a respeito dos aspectos de sacrifício e disciplina do esporte e de como não podendo mexer no "hardware", o lance é adaptar o "software" do atleta, sua consciência, a relação dele com a competição em si e o lance da auto-superação, como uma das vias de escape dessa visão mais cínica dos seus próprios futuros.
E aqui cabe um comentário: eu não gosto de tênis, mas Jesus do céu, como é bonito ver David Foster Wallace falando do esporte. Okay, a discussão acima levanta alguns pontos complicados da vida de um tenista profissional mas logo depois disso os meninos vão ver vídeos de partidas para estudarem movimentos e jogadas e, preciso dizer, a descrição dos movimentos tem algo de poético, de balé, de operístico nela. Já disse que DFW tem um talento absurdo para descrições, para falar da beleza e da miríade de detalhes que repousam em um mísero segundo e ele usa isso de forma sublime pra descrever toda a beleza da infinitude de coisas ocorrendo entre um saque e uma recepção. De novo, eu acho tênis um saco mas, como vcs sabem, eu sou completamente fanático por pro-wrestling. 
Foda-se que é pré-determinado e tals, o lance é que a gente, DESSE LADO, absorve a coisa como um esporte e, como tal, é lindo olhar com os olhos de Wallace pra luta-livre, apreciar aqueles segundos que separam um movimento do outro. Apreciar não só um finisher bonito mas aqueles segundinhos que antecedem o primeiro movimento que vai levar até aquele catártico golpe. 
Apreciaar as infinitudes de segundos em que, por exemplo, Ospreay vai pra um "Oscutter" ou em que PAC vai se lançar aos céus em seu belíssimo "Red arrow". Reconhecer a poesia nessa dança entre os lutadores. Vcs sabem exatamente do que eu tô falando. Pra este escriba, aquele RKO do Randy no Seth Rollins no Wrestlemania 31 é tão lindo quanto a vitória do SPFC sobre o Liverpool em 2005 no Japão pra um apreciador de futebol.
Resumindo, pra um fã do "desporto chutebola" como diria João Carvalho, isso aqui


é tão emocionante e tão desencadeador de lágrimas quanto, pra mim, foi isso aqui


Sério, eu chorava de soluçar. Tentei ser o mais discreto mas falhei miseravelmente, acordando a namorada que dormia ao lado, por causa do meu arfar e respiração pesada. 

...

O que? Hey, eu não gosto de futebol mas eu sou um cidadão do mundo, ímpios. Não vivo numa bolha, eu sou manjão das paradas. :-)

Enfim, já disse que seja o Milton Neves quase saindo no tapa com algum outro comentarista no seu "terceiro tempo" (eu adoro, ADORO programas de mesa redonda sobre futebol), sejam os caras do Top Gear falando de motores e máquinas e veículos tunados, seja a Paola falando no Masterchef sobre infância e de como "A festa de Babette" a inspirou como cozinheira, eu ADORO gente apaixonada pelo que faz falando de seu objeto de paixão. E, voltando ao livro, David Foster Wallace faz isso como poucos e de uma forma tão hipnótica que te pega, mesmo se vc, como eu, nunca tiver dado meia foda para Tênis esportivo. 
Tem tb uma passagem em que Steeply e Marathe discutem sobre as diferenças do amor romântico e do amor revolucionário, da capacidade de doação para uma causa maior que vc mesmo, que pqp.....espero um dia escrever algo tão denso e ao mesmo tempo caloroso. 
O livro segue incrível..... APESAR de alguns probleminhas. E me refiro à tradução.
Mano: eu sempre ouvi falar que o tradutor desse livro era fodão e tals, o cara traduziu Joyce, cacete. Então, doeu na vista quando eu vejo um "Você pode fazer diversão disso quanto quiser" e imediatamente, de bate pronto, sacar que foi uma escolha infeliz de tradução para a expressão "You can make fun of.....". Fora outras escolhas como o negócio do "ano do chocolate dove tamanho boquinha" como tradução pra "year of dove bar - trial size" e uma ou outra escolha que saltou aos olhos. Não é ser chato, sabe, mas te catapulta pra fora do livro, né?
Mas enfim, salvo essas reclamações, a obra continua bem legal. 
É isso sobre ele.
Vou reduzir o ritmo de leitura mas continuo vindo, semana a semana falar dele aqui.

Sobre as tais "paradas" no título desse post: tô intercalando leituras pq "that's how I roll" e peguei duas outras obras pra ler.


Uma que tava na minha prateleira há milênios e que eu estou adorando é o "A contra-cultura através dos tempos" de Ken Goffman e Dan Joy, lançado aqui pela Ediouro. Caralho, que leitura deliciosa, que flui, sabe?
Tô no início dele mas já achei foda que os autores começam situando o conceito de contra-cultura e apresentando suas raízes mitológicas, separadas em duas correntes: a Prometéica, vinda do deus Prometeu e a de Abraão, aquele da bíblia, antes de entrar nas descrições dos grupos contra-culturais per se. 
Mitos sempre serviram para explicar, coletivamente e por meio de analogias, metáforas e tals, aqueles grandes conceitos da existência humana, então há de se entender o valor do mito para as tradições de cultura anti-mainstream existentes funcionado como a base conceitual ideológica que oferece sustentação para elas dentro do imaginário coletivo. A história de Prometeus é um conto de rebelião, de certa soberba mas também de empatia e doação, de auto sacrifício. Ao oferecer o fogo - e em maior escala a tecnologia aos humanos - ele cometeu um pecado contra a providência divina, essa força estática e imóvel e opressora. Da mesma forma, segundo os autores, toda contra-cultura tem esse elemento marginal e anti-establishment. Toda contra cultura é maldita diante dos olhos da cultura mainstream, sejam elas prometéicas (que abraçam a tecnologia, como a cultura hacker) sejam as anti-prometéicas (que rejeitam a tecnologia humana e anseiam por um retorno à natureza, como são os hippies). Abraão, por sua vez se insere aqui por seu paradoxo: é o pai de uma cultura monoteísta e portanto, q tem como parâmetros uma ideologia estabelecida numa figura autoritária e com leis pétreas que vão determinar o status quo daquela comunidade. Mas ao mesmo tempo, ele traz o lance de rebeldia contra a autoridade estabelecida da época ao negar seus costumes e se permitir viver à margem daquela sociedade ("Eu caminho entre vcs mas eu sou um estrangeiro"). Essas duas linhas vão determinar quase todas as correntes contra-culturais do futuro e foi bem interessante entender essa gênese histórica do negócio, anarquista que sou. E tudo muito bem escrito, com um texto agradável. 
Tem toda cara de virar uma bíblia pessoal, daqueles livros que eu carrego pra todo lado e que cito passagens inteiras de olhos fechados. 


Por fim, falando de leituras agradáveis, chegou ontem minha cópia do "Viva la vida tosca", biografia da lenda João Gordo, de autoria do próprio juntamente com outros dos meus heróis pessoais, André Barcinski
Ainda tô no começo, que, como toda biografia, aproveita pra situar a história de família do biografado. Normalmente essa é uma parte desse tipo de livro que nunca me interessa muito, mas aqui é tão bem escrito que vc acaba se pegando fascinado pela jornada de vida dos pais e avós do vocalista do Ratos de Porão. O livro é da Darkside e pqp, que livro maneiro. Eu nunca tive essas frescuras de bibliófilo mas cacete, eu adoro essa cara de "fanzinão" que esse livro tem, assim como outros da editora trazem também (os títulos sobre Evil Dead, Twin Peaks e Back to the Future, só pra ficar naqueles que eu possuo aqui nas estantes de casa). Fotos pra caralho, flyers de show, papel simples, sem firula que só serve pra encarecer a obra. O tipo de edição punk que a obra pede. 
E o texto flui, bem coloquial, quase uma conversa com o protagonista da obra. Tem cara de ser daqueles livros que tu devora em 2, 3 dias

Encerro aqui esse post com esse combo de coisinhas legais. Volto semana que vem pra falar mais do que ando lendo, enquanto sorvo goladas generosas de chá (e informo q o estoque caseiro de chá de hortelã tá bem abastecido, apenas para quaisquer ímpio lendo isso que tenha se sentido traído por eu beber chá mate com limão no post da semana passada. Sem mais licenças poéticas, prometo. :-) )

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

quarta-feira, 21 de agosto de 2019


Interrompemos a programação para um serviço de utilidade pública


Ow, véio, sérião agora, receita do meu snack favorito nesses últimos tempos, principalmente desde que decidi virar mezzo-vegetariano (maldita animação do Ferdinando huahauahauhau): 
Pega um tomate cereja (ou tomate grape se o supermercado/hortifruti perto da tua casa for fresco), enrola ele numa folha de queijo e cobre com algum molho (eu taco um fiozinho de um molho com pimenta e alho que a gente tem aqui em casa que é o catiço) e aí é só mandar pra dentro numa bocada só.
Puta mano, esse treco vicia. 

Voltemos agora à nossa programação normal......

"The last X-Men story": Uncanny X-men de Matthew Rosenberg


É possível que "Uncanny X-Men" seja o gibi mais auto-consciente que eu me lembro de já ter lido, tipo, na vida. Penso em Watchmen, penso em Cavaleiro das Trevas e, mesmo se formos singrar pelas turbulentas águas do universo mutante, posso citar os New X-Men de Grant Morrison como exemplos de obras que sabiam pisar fundo no elemento "meta" e olhar pra dentro dos tropes e vícios típicos do fato de serem obras sobre obras serializadas que existem há décadas e décadas. Mas isso posto, a série recente dos x-heróis tem o fato de falar de coisas que estão muito frescas na memória dos fãs. Pq a hq é meio que estruturada como uma elegia ao universo dos discípulos de Charles Xavier. A trama se passa após os eventos de "X-men disassembled", onde quase todos os genes-x do planeta são dados como mortos, sobrando uma meia dúzia de gatos pingados. Dentre estes, um ressurrecto Scott Summers que, vislumbrando o fim dos Homo Superior, decide que, se vão morrer, vão cair com graça, e decide eliminar os vilões mutantes ainda em atividade no mundo, uma forma de garantir algum legado positivo para a iminentemente defunta espécie. 
A partir daqui entramos fundo nos eventos da hq e eu vou spoilar o negócio sem dó nem piedade, então, fica o aviso: 


As cenas de ação meio que são detalhes aqui, com a "carne" da trama, de fato, mais concentrada nos diálogos e, principalmente, no tom. De novo: é uma história sobre finais, sobre extinção e sobre todos esses personagens absolutamente cientes da proximidade desse fim. O sonho está morto. So, essa hq é sobre isso tudo, mas não apenas: é sobre cada arco ruim e vilão tosco, sobre como os mutantes ganharam o universo com a popularidade adquirida nos anos 90, sobre como cada fase antológica da série foi seguida por trabalhos medíocres e, claro, sobre o processo de gentrificação Inumana promovida editorialmente pela Marvel, num momento em que conseguir de volta os direitos dos X-Men para inclusão destes no MCU parecia impossível. 
Esse gibi se passa bem depois de todo mundo ouvir sobre a compra da Fox pela Disney, portanto, todos sabiam que não era o fim de fato. Mas o tom vende bem a idéia de que poderia, sim, ser a última palavra a respeito daquelas criações e, se fosse, seria um final digno.
A série gira em torno, como já dito acima, de Scott e Logan reunindo o que sobrou da comunidade gene-x e caçar os traidores da raça o que, em tese, é o que os humanos estiveram fazendo durante sua vida toda. E o problema é exatamente esse.



Wooooow



I mean.... OUCH!!!! A verdade dói, né?

Parece algo cruel de se afirmar a respeito de uma mitologia tão rica, mas de fato, enquanto a maioria dos heróis caça vilões, os mutantes caçam mutantes, quer seja pra parar os desgarrados, quer seja pra assimilar os novos membros da raça, surgidos dia após dia, num ciclo de violência sem fim. De fato, alguém mais crítico poderia afirmar que os personagens parecem tão enfiados nesse ciclo perpétuo quanto o Batman, na DC, eternamente em sua cruzada de enterrar seus adversários no Arkham apenas para estes fugirem de novo e de novo e de novo. Eu entendo pq, num primeiro momento isso soa quase como desconstrutivista, como aquela crítica frequente de gibis de super heróis estarem presos contando as mesmas histórias de novo e de novo. Mas eu gosto de como o quadrinho foge do cinismo puro ao fazer o que a franquia faz de melhor: aproximá-los das minorias perseguidas da vida real. A metáfora do "se vc pudesse deixar de ser gay tomando uma pilula, vc tomaria?" é tornada plot point através da vacina anti-mutante. 
Tal qual no nosso mundo, existem reuniões anti-Homo Superior onde preconceituosos podem destilar seu ódio a céu aberto. Em determinado momento, uma personagem - e uma personagem feminina, isso é importante - é espancada até a morte, mesmo tentando viver à margem da sociedade, escondendo tudo aquilo que faz dela alguém extraordinária. 
A decisão editorial de silenciar os mutantes ironicamente espelha muito o que qualquer minoria que fuja da norma, no mundo real, experimenta dia após dia. Os discípulos do prof. X se perguntam mais de uma vez qual o melhor caminho: Se esconder dos "normais", uma possibilidade apenas para os que podem passar por "normais", aos demais restando apenas se juntar aos Morlocks e, literalmente, viver dos esgotos da sociedade. Se isolar, num gueto, como aliás já fizeram antes em Genosha ou Utopia. Ou cair lutando e deixar sua marca, nem que seja como uma cicatriz no mundo, um after thought coletivo. Em tese, essa ultima opção carrega certa bravura, até percebermos que, novamente, caímos no caminho viciado dos dedos de uma mesma mão lutando entre si


Não é uma coincidência que os mutantes, nesse momento em que escolhem voltar para as missões de combate, estão usando uniformes que remetem a seus dias de glória. Como toda história sobre morte, a raça tb vai passar pelos estágios que antecedem a morte e um deles é a negação. Esse caminho não funciona mais, mas eles precisam abraçá-lo uma última vez. 


Curiosamente, são os vilões que vão apontar a falácia na jornada dos heróis e destacar o quão, por falta de um termo melhor, vulgar é repetirem o traumático ciclo novamente, diante do fim. Lutando por visibilidade diante de um grupo que os odeia da única forma que podem: se vestindo de "super-heróis" e indo contra os "super-vilões". 


O curso de ação tomado por Shinobi Shaw vem menos do desespero e mais da rebeldia, tal qual ocorreu com Killmonger em "Black Panther", quando ele diz que era melhor enterrá-lo com seus ancestrais que pularam dos navios negreiros pq sabiam que "morrer é melhor que viver como um escravo". Quando ele afirma que matou alguns mutantes pra protegê-los do ciclo sem fim dos X-Men, soa, pra nós, leitores de longa data, como algo real. Num mundo de pessoas com habilidades espetaculares, viver em silêncio para não incomodar quem não as possui NÃO é uma opção. Viver escondendo tudo que faz de vc diferente apenas para não ofender quem te odeia não é vida de fato, mas um não-viver, apenas sobrevivência, letargia. Como disse Blindfold no começo da trama, profetizando os eventos vindouros, "This is Forever" e é dessa maldição que Shaw e seus associados (não coincidentemente, um bando de vilão bucha vindo de lá dos anos 90) está livrando os sobreviventes da espécie. 


Então....é isso? Tudo é amargura e só resta viver nas sombras ou a liberdade do suicídio?
Nope. Ao final, algo vai salvar os personagens, mas já já chego nesse ponto. Antes, no entanto, queria só comentar: caralho, eu entendo o papel de Alex Summers na trama, mas pqp, que personagem irritante. Okay, é de propósito: ele é a âncora da história, o personagem ainda preso dentro da mentalidade do "gibi de herói". Creiam-me, eu já fui em fóruns de hq uma ou duas vezes e já lidei com esse tipo de gente. Ele não é muito distante do cara que diz que "bom mesmo é o hulk verde antigo", que defende "menos política nas minhas historinhas", que acha que "bom mesmo é a série dos anos 90": o sujeito que não sabe como deixar o passado pra trás, sabe? LET IT GO. Não é pra menos que em um momento ele diz condenar a "revolução" que Scott promoveu, antes de morrer e em outro, ao final, ele se sacrifica pelo mesmo irmão que criticava edições anteriores. Ele é a personificação do tipo de mentalidade, dentro e fora dos gibis, que aprisionava a série, tolhendo o real potencial sci fi - revolucionário, de fato - que ela poderia ter. Ler esse gibi imediatamente antes de começar a nova e excelente fase de Jonathan Hickman é algo fascinante, já que a morte de Destrutor simboliza a série, meta linguisticamente rompendo seus grilhões e se permitindo ir além dos tropes de "gibi de heróis", unica forma de real liberdade daquele ciclo. 

So.... o fim... Emma e os mutantes, incluindo os que foram dados como mortos e que estavam num outro plano de realidade (um dia comum na vida desses indivíduos) tem uma opção. Continuarem em seu ciclo de lutar por aceitação apenas para serem cada vez mais odiados até que sejam efetivamente extintos ou..... tentar algo novo. 
Não sem assumir suas cicatrizes.


E não sem, ainda, repetir alguns vícios pq, afinal, pós-humanos ainda são falhos (o beijo entre Ciclope e Jean). Mas ainda assim, algo novo. 
Abandonar o confortável e se permitir desafiar de novo o fandom, mesmo sabendo que a rejeição parcial vai vir e tudo bem com isso já que toda nova idéia tem seus detratores. Pq, considerando que tudo tentado até aqui resultou em fracasso, que opção sobra senão tentar um caminho diferente?




O lance aqui é potencial. O real e o desperdiçado. Okay, isso vem como uma necessidade da Marvel e da Disney de reintroduzir esses personagens relegados à periferia do universo 616  num passado recente antes de introduzí-los no MCU. Mas ainda assim, se o efeito disso é finalmente vermos uma quebra de paradigmas, hey, muito bem vinda.
Os mutantes, desde suas origens na década de 60, sempre foram o maior ponto de conexão da Marvel com o mundo real e onde a casa das idéias permitia de forma mais aberta essa intersecção entre cultura pop escapista e política. Não coincidentemente, a série sempre foi abraçada por quaisquer minorias, como um porto seguro. Como sempre vai ocorrer com qualquer minoria, sempre haverá uma guerra pq sempre haverá gente querendo que os diferentes voltem para as sombras. Vemos todo dia isso nos jornais. O Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo. Todo dia temos notícias de pessoas negras sendo mortas em periferias. Muçulmanos (ou qualquer pessoa que tenha feições árabes) são hostilizadas. Todas as religiões não-cristãs são vistas como erradas pela escória neo-pentecostal. O fascismo ganha força novamente. E os governos de direita avançam, tentando desfazer conquistas que alguns dos grupos acima levaram eras para conseguir, não sem uma quantia obscena de suor e sangue derramado. 
O final traz um lampejo de esperança (reforçado pelos rumos de House of X/Powers of X) de um ciclo terminando e outro nascendo. Não mais super. Ainda em guerra pq, afinal, o preço da liberdade é a eterna vigilância e os dedos esqueléticos do reacionarismo e do obscurantismo sempre vão estar lá nas sombras, planejando um retorno. Mas dessa vez, contra os inimigos certos. 



Não sei o quanto o final de Rosenberg foi pensado já tendo em mente a fase de Hickman, mas gosto como o autor deixa a série com um final redondinho, em tabula rasa, tela em branco, pronto pras regras serem reescritas, o que já ocorre na primeira PÁGINA de House of X #1, numa transição completamente tranquila. Com um último olhar pro passado, antes de finalmente, os X-Men rumarem em direção à um futuro novo (sério, eu lembro do papel da Moira em HoX e abro um sorriso como isso dialoga perfeitamente com os conceitos desenvolvidos aqui). 


Sobrevivência é muito pouco. Existência harmoniosa idem. A evolução é agressiva e os personagens, tal qual a série em si, decidiram se adaptar diante da extinção. Chega de migalhas e de oferecer a outra face ao opressor. 
"Evolução ou morte". Summers e seus aliados fizeram sua escolha. 
Agora, o mundo que se adapte a eles. 

Relicário - sobre homens e monstros

O relicário é a seção fixa do blog em que eu olho pro passado e revisito alguns gibis, tanto pérolas das eras de ouro, prata e bronze, quanto novos clássicos lançados há não tanto tempo

Johny Cash - I see a darkness (roteiro e arte de Reinhard Kleist)



Aqui não tem muito segredo: Reinhard Kleist é um monstro nesse tipo de gibi biográfico e, da mesma forma que ele fez contando as histórias de vida de gente tipo Fidel Castro e Nick Cave, ele mergulha fundo na vida de um dos maiores nomes da música pop de todos os tempos. Quem já leu "Mercy on me", biografia quadrinizada sobre a vida do líder dos Bad Seeds, vai reconhecer a estrutura: excertos da vida de Cash, misturado com passagens de suas músicas, onde as linhas separando arte, ficção e vida real ficam nubladas. E com um traço particularmente bonito. Sinto que a obra funciona bem melhor que "I Walk the line", filme tb sobre a vida do Man in black com Joaquim Phoenix e Reese Whiterspoon nos papéis principais. Os vícios do cantor, tal qual como no filme, ocupam um lugar importante na trama, mas Kleist encontra um equilíbrio que, talvez, tenha faltado no longa de James Mangold (e vejam bem, falo isso mas adoro aquele filme).  Além deste, outros momentos importantes da vida de Cash são abordados, de suas origens humildes até a consagração, culminando na apresentação em Folsom.  A conclusão vem, melancólica, já focando nos anos finais de músico, numa passagem particularmente tocante em que o vemos conversando com Rick Rubin, produtor de seu álbum "American Recordings", disco de covers lançado em 1994 e que reintroduziu o Homem de Preto para toda uma nova geração. O gibi é extremamente tocante e consegue passar toda a "gravitas" característica da história de um dos maiores nomes de qualquer gênero musical que já passaram por essa terra e o faz sem precisar daquela estrutura engessada de biografias hollywoodianas. Kleist o faz com poesia e graciosidade, conferindo à vida de Johnny Cash o ar de obra de arte que ela, de fato, foi. 

Rock Bottom (roteiro de Joe Casey e arte de Charlie Adlard)



Esse segue na mesma linha do "O que aconteceu ao homem mais rápido do mundo", onde Dave West e Marleen Lowe perguntam: o que aconteceria se alguém apresentasse poderes ou características que só vemos em gibis de super heróis, mas no mundo real? No gibi acima citado, um jovem desenvolve super velocidade. Aqui, Joe Casey e Charlie Adlard evocam o espírito do membro mais carismático do Quarteto Fantástico e filho mais famoso da Yancy Street e nos mostram alguém que, literalmente, está se transformando em pedra. A trama, pesada (sem trocadilhos) como seria de se esperar, usa esse elemento fantástico pra falar de doenças degenerativas e sobre a nossa relação não apenas com a morte, mas com a decadência física. O protagonista, Thomas, tem apenas 32 anos (8 anos mais novo que eu), ainda naquele ponto da vida que vc acha que é imortal e que "velhice" está há milênios de distância, então quando a verdade vem, ela vem com força. Nesse ponto, a graphic novel se aproxima de outra pedrada (novamente, sem trocadilhos) em forma de gibi: Rugas de Paco Roca, também sobre gente tendo que conviver com o fato de que seu corpo está definhando muito rapidamente. O traço de Adlard é lindo e o gibi é todo desenhado em preto e branco, trazendo tons de cinza apenas para representar o avanço da doença no protagonista.
Um bom gibi, com um tom intimista e que traz reflexões interessantes sobre a condição humana e seu inevitável final. A conclusão, apesar de trágica, traz algum conforto. Podem ir sem medo de ficarem deprimidos pq, apesar de tratar de assuntos complicados como morte, aborto e o direito de escolher como e quando morrer, o quadrinho o faz de forma muito delicada e com o devido cuidado.


Dark Ark - (Roteiro de Cullen Bunn e arte de Juan Doe)



Esse é um gibi que me pegou pela estranheza de seu roteiro: a idéia aqui é que, quando Deus decidiu dar reset na sua criação da forma mais razoável possível, ou seja, afogando geral num dilúvio que durou mais de 40 dias, não uma, mas DUAS arcas partiram levando sobreviventes. Uma carregando os filhos do mundo "natural" e outra carregando os seres sobrenaturais. Vampiros, lobisomens, toda sorte de monstros e todo tipo de criatura mitológica que vcs puderem pensar. Convocando pelo demônio, cabe ao mago Shrae e sua família garantir a ordem do navio e de sua carga sinistra e extremamente, EXTREMAMENTE instável. Além da inventividade do roteiro, o que tb me pegou aqui é que eu adoro esse trope do "base under siege", quando um grupo de personagens ficam isolados num canto qualquer tendo que sobreviver a toda sorte de misérias tentando entrar no lugar onde estão. Com o twist aqui de que a "miséria" em questão é literalmente tudo do lado de fora da arca sombria. A arte de Doe funciona perfeitamente pra esse gibi, com os humanos sendo retratados de forma minimalista enquanto os monstros são desenhados com maior riqueza de detalhes, para demonstrar o grau de complexidade daquelas criaturas, o real foco da ação aqui conforme a viagem avança e, como os senhores podem imaginar, a comida dentro do navio vai escasseando.
Através dessa dinâmica dos humanos tentando lidar com aquele bando de besta fera ensandecida, o gibi lida com questões sobre como a humanidade sabe ser igualmente monstruosa quando questões como sobrevivência estão envolvidas, não deixando pra trás tb uma crítica aqui e ali aos buracos de roteiro bíblicos e outras questões complicadas envolvendo a mitologia cristã (não é pra menos que temos aqui, em determinado momento, como rola direto na bíblia, o corpo feminino sendo usado como moeda de troca e objeto pra remediar um momento particularmente tenso da viagem). A série termina no número 15, mas com uma sequência (Dark Ark: after the flood) já engatilhada pra estrear em Outubro. Eu gosto do final, acho adequado pro resto da trama, então fico meio com pé atrás de saber que Bunn ainda vai continuar com a série pq vc nunca sabe se é, de fato, ele querendo desenvolver melhor aquele mundo ou se é só o roteirista sofrendo de "síndrome de Kirkman", aquela doença que afeta escritores que simplesmente não sabem quando terminar uma história. Mas o que eu vi até aqui me interessou o suficiente para, pelo menos, dar o benefício da dúvida para a futura continuação da aventura dos humanos pós-diluvianos e seus vizinhos das sombras. 

Lindo ver uma lenda nível Art Spiegelman mandando a real sobre os super heróis. Falei um pouco sobre essa postura "não vamos ofender ninguém" da Marvel nos meus posts sobre Secret Empire e, mais recentemente, no texto sobre Brightburn, mas é legal ver validação vindo de um dos gênios da indústria. Super heróis não surgiram do nada em 38 e não ressurgiram - e ganharam o mundo via cinema - do nada no começo dos 2000. Ignorar isso, e como consequência, todo o subtexto político que tais personagens trazem com eles é só estúpido. E não é pq vivemos em tempos estúpidos que precisamos aceitar isso de forma resignada. Arte É política e decidir adotar uma postura "isenta" atualmente É estar do lado errado da História, essa com "H" maiúsculo. 

terça-feira, 20 de agosto de 2019


Laerte mandando a real.....

segunda-feira, 19 de agosto de 2019


"Porra, isso daria uma camiseta legal".  Não precisam nem sair googlando, atrás do negócio: Tio Hak deixa o link aqui procêis. Divirtam-se.

Maratona "Missão: Impossível" - Parte 1


So, Pq? Bom.... pq não?
E afinal, com 6 filmes na conta, a maioria deles sendo muito bem vista pela crítica, acho que a saga protagonizada por Tom Cruise já cravou seu lugar na cultura pop, certo? E são filmes de espião. Como diria Sterling Archer, o que é mais cool do que ser um espião? So..... here we go...

Mission Impossible (1996)




Algum tempo atrás eu revi toda a franquia Fast & Furious com meu sobrinho de 15 anos (na verdade, ele é irmão de Stella, portanto, seria meu cunhado. Mas eu chamo ele de sobrinho pq quando eu penso num garoto de 15 anos de idade muito gente boa, a última coisa que me vem a mente é a imagem de um "cunhado". Cunhado pra mim é aquele agregado de família nível Agostinho Carrara) e essa revisita à franquia narrando as missões do crew liderado por Dominic Toretto veio à memória enquanto via a primeira incursão cinematográfica de M:I já que, tal qual ocorre ali, aqui tb, tudo que vc precisa saber não apenas sobre esse longa mas sobre todo esse novo universo no qual a gente, como espectador, está imergindo pela primeira vez, tá ali, nos primeiros 5 minutos de projeção. Agentes espionando gente. Alta tecnologia. Máscaras que emulam perfeitamente o rosto humano. Tudo ali, preparando o terreno pros eventos a seguir. E sim, o filme subverte muito disso antes da metade, mas não vamos nos adiantar.
A obra narra as aventuras da equipe liderada por Jim Phelps e que conta com Ethan Hunt como agente de campo, Jack como cara do TI, Clare como............ ou não?
Né?



Pq aí, como eu disse, em 30 minutos, Brian De Palma tira o chão de baixo dos pés do público, matando quase todo o time de espiões white hat. Resta apenas Ethan que acaba descobrindo que foi acusado de ser um agente duplo infiltrado no serviço secreto norte-americano. O resto é basicamente o agente tentando livrar a cara e capturar os responsáveis.
Supondo que vcs sejam como eu, alguém que nunca viu a série de Tv que inspirou a cine-franquia, e que vieram aqui apenas atrás de um filme de ação maneiro, preciso dizer: Mission Impossible sobreviveu muito bem ao tempo. Achei que fosse ver apenas um filmão sessão da tarde, mas ele se sustenta bem. A direção é competente, o roteiro, apesar de convoluto como seria de se esperar desse tipo de história, não se perde em nenhum momento. Visualmente, a obra continua linda. A cena passada dentro da sede da CIA continua belíssima.
Uma das minhas curiosidades em conhecer a franquia foi ver como o imaginário americano mudou em todo esse tempo, já que o primeiro M:I já tem 23 anos de idade passando por uma América pré e pós 11 de Setembro e com tudo que veio nesse período. Isso posto, não me escapou o fato de que toda a trama do longa gira em torno de um rogue agent que decidiu vender segredos pq, basicamente, não tinha mais o que fazer depois do fim da guerra fria. Vejam bem: Mil novecentos e noventa e seis, 5 anos antes das torres gêmeas virem abaixo. Clinton é eleito pro seu segundo mandato. A gente tá no meio daquele estado de Pax Americana, aquele período entre a dissolução da URSS e o ataque ao WTC em que os EUA reinavam absolutos no topo da montanha, aquele falso período de tranquilidade que, pra geração que nasceu e cresceu no final dos anos 80, parecia que ia durar pra sempre, salvo pequenas crises ocasionais, aqui e ali (96 foi o ano do estouro da bolha do ponto com, o país do tio Sam ainda estava enfiado em crise com o Iraque e Taiwan e, cereja no topo do bolo, esse foi o ano em que vimos a prisão do Unabomber). Nesse estado de "paz perpétua" qual a necessidade de um espião? Quem iria querer espionar a América? Quem era, de fato, ameaça ao país? E pq os donos do planeta teriam qualquer interesse em espionar nações alheias que não representavam qualquer perigo, manjam? Nesse mundo de pujança perpétua, um agente como Phelps não tinha mais lugar por representar uma nação em paranóia que, de acordo com a fantasia alimentada na época, não existia mais. Não é um acidente que, ao procurar por um inimigo, a nação americana do filme é obrigada a olhar pra dentro.



O próximo é o ultimo da série antes do 9/11 e, não apenas, tem um hiato de 6 anos entre esse e o terceiro. Vai ser fascinante olhar como um mundo pós Al-Qaeda vai afetar as missões de Ethan Hunt.
Por hora, no entanto, vale dizer que o longa de De Palma é muito legal, extremamente competente em estabelecer as regras daquele mundo e as cenas de ação sobrevivem bem ao teste do tempo (a do túnel dá uma agonia absurda. E hey, primeira vez na vida que eu vi uma representação remotamente realista de gente andando em cima de um trem).

Mission Impossible II (2000)




"Honouring their saints by setting them on fire. Let's you know what they think of saints, doesn't it?"




So, se o anterior foi mais cabeçudo, ainda que uma trama de ação, esse é o seu irmão mais novo e waaaaaaaaaaaaaaaaay mais cool. De novo, o preâmbulo que abre M:I 2 serve como introdução para as novas regras que vão valer pra esse longa: toda a tecnologia e gadgets maneiros que faziam parte do acervo disponível ao time dos mocinhos no primeiro Missão: Impossível agora tb fazem estão nas mãos dos evil guys o que acrescenta um nível a mais de paranóia na trama (e isso dos heróis e vilões usando máscaras é muito bem utilizado no decorrer da obra). O nível da ameaça tb cresce. Se no anterior, tudo girava em torno de agentes corruptos e Ethan tentando salvar a própria pele, aqui temos o destino de um país inteiro girando em torno do sucesso das ações dos membros da Impossible Mission Force (que, agora, ganha um nome oficial de fato). Os vilões: outro rogue agent que vem acompanhado de uma das piores e mais diabólicas entidades existentes na face da terra, a indústria farmacêutica norte-americana. Esse eu lembro de ter visto na época (lá por final de 2000. Não tinha cinema exceto por UMA sala lá em Avaré, então eu tinha que esperar os filmes saírem em VHS e DVD), inclusive acho que ainda tenho a revista SET com matéria de capa sobre o longa. Ainda se mantem bom, apesar de pesar a mão em alguns momentos e alguns probleminhas, a maioria ignorável. Plasticamente, o longa-metragem é lindo.



John Woo, né? Tudo é menos sutil e mais grandiloquente nesse aqui, o que tem seus méritos. Achei elegante  tirar 20 minutos de suas duas horas pra introduzir decentemente a personagem da Nyah e a cena em si, intercalando a apresentação de flamenco e os dois personagens na sua "dança" de aproximação ficou muito legal (percebam como os passos de dança e a música se adaptam à velocidade da ladra se infiltrando na mansão). O problema é que eles meio que mentem pra gente, né? A primeira idéia é que Ethan está montando um time pra resgatar informações sobre um item chamado Chimera (que, posteriormente saberemos se tratar de um vírus mortal, tipo, uma mega gripe) e precisa da moça por suas habilidades como ladra, quando, na real, o lance é que ela teve uma relação amorosa com o rogue agent e vilão de M:I 2, Sean Ambrose. Ou seja, 20 minutos nos dando a impressão de que ele vai se concentrar no cérebro da guria, quando na real, o foco vai ser em atrair o agente traidor com seus "charmes femininos". Hey, falem o que quiserem de Fast and Furious mas desde o primeiro ep. da franquia, a Letty tá lá, sujando as mãos e queimando combustível, sendo tão badass quando os caras do time. Nyah é bem importante pra história, mas passa a maior parte dela no papel de "dama em perigo". Uma pena. Also, certos plotholes que me incomodaram, o maior deles sendo COMO CARALHOS ETHAN VAI PRAQUELE JOQUEI CLUB PRA PASSAR INFORMAÇÃO PRA NYAH SEM NENHUMA MASCARA, CONSIDERANDO QUE AMBROSE CONHECIA O ROSTO DELE?
Bom, pra citação á F&F não ficar solta: aqui tb temos um lore em desenvolvimento. Volta Luther, o "cara do TI" do episódio anterior, acompanhado do australiano Billy Baird, o "cara dos transportes" do time.



Isso posto, nos concentremos no positivo: a ação. O diretor chinês é um mestre nesse tipo de filme e não deixa nada a dever aqui. Por ser um conto sobre espiões, a obra toma seu tempo, com paciência, antes de deixar as balas voarem, afinal, é sobre gente que trabalha nas sombras e de forma stealth. Mas quando começa, benzadeus. A sequência dentro do laboratório é um festival de chumbo voando (inclusive com uma evolução da cena da corda do primeiro "Mission: Impossible"). E claro, a catártica parte final de M:I 2, incluindo a mega famosa  "justa de motos".
Shout outs tb para a ponta de luxo de Anthony Hopkins como o novo superior do agente Hunt.
Curioso tb notar certa presciência do longa, já que o executivo da corporação bioquímica responsável por todo esse clusterfuck é estranhamente parecido com Donald Trump.
Falei do filme quanto obra. Continuando a minha jornada pela franquia enquanto a situo como uma construção típica do seu tempo, temos de volta o lance dos EUA olhando pra dentro atrás de seus filhos perdidos e, junto disso, certo elemento de fin de siecle, daquele mal estar típico de períodos de fim de século e/ou milênio em que coletivamente esperamos pelo fim do mundo. Woo usa desse elemento e brinca com ele: primeiro com a idéia do vírus letal, algo meio bíblico, como a mão de Deus vindo do nada pra nos extinguir como espécie. Segundamente, com os elementos mitológicos, Quimera e Belerofonte, esse simbolismo religioso típico de histórias brincando com esse trope do fin de siecle. Podemos ver tb um outro elemento típico da mitologia grega, a crítica à húbris e ao desejo tipicamente humano de se igualar aos deuses na figura do doutor Nekhorvich, criador do vírus e de seu antidoto. Em nenhum momento ele é retratado como um individuo ruim, mas é aquilo da estrada do inferno e de boas intenções. Por ultimo, sacada inteligente que o lance do vilão não é soltar o vírus no mundo por motivos de dominação mundial ou qualquer porra do tipo. O lance dele é vender de volta o antídoto da bagaça pra empresa que o criou mas, antes, soltar o vírus numa área populosa da Austrália e investir nas ações da companhia, sabendo que, únicos proprietários da cura pra essa doença, o preço dos seus papéis na bolsa vai subir horrores. Pior que um traidor e um psicopata? Um uber-capitalista. Junto da mão onipresente de Deus, Ethan e a IMF tem como adversários, tb, a mão invisível do mercado.
Enfim, cool pra cacete, longe de ser perfeito e um tantinho inferior ao anterior, mas ainda assim bem divertido (e com uma trilha sonora boa pra cacete).

Missão Impossível III (2006)




"You can always tell someone's character by the way they treat those they don't need to treat well."

Como vcs viram, nos dois textos acima, eu venho tentando situar cada filme dentro do período específico em que eles surgiram, o que eles querem dizer, qual a motivação secundária que motivou sua existência (pq a primeira é sempre $$$). Bom....ainda bem que eu adotei essa abordagem pq, jesus do céu. Eu imaginei que os atentados contra o WTC deixariam suas marcas na franquia, considerando que ela gira em torno de espionagem, mas eu achei que viria de forma sutil.
Well. Nope. Sutileza é pros fracos. O que JJ Abrams faz aqui é quase terapia coletiva em forma de cultura pop. Catarse, pura e simplesmente. Um pouco MENOS sútil e teríamos visto Ethan Hunt enfiar uma bala na cabeça de Bin Laden.
O terceiro filme da franquia já abre com um flashfoward (JJ Abrams, afinal, pq, como diria um sábio, "somente os tolos são escravizados pelo espaço tempo") mostrando o vilão da vez, Owen Davian ameaçando matar a esposa de Hunt caso ele não devolva o mcguffin oficial desse longa, algo chamado "the rabbit's foot". As quase duas horas restantes explicam como diabos chegamos até ali: depois de uma missão de reconhecimento mal sucedida que resultou na captura de uma agente, Ethan, agora um professor treinando novos operativos, decide voltar a campo atrás dela, o que vai leva-lo a um ponto de colisão com o já citado Davian, um traficante de armas extremamente perigoso.
"M:I 3" tem duas metades distintas. Na primeira, temos um vislumbre do que geralmente esperamos desse tipo de aventura: alguma tragédia e dificuldade mas o "final" mostra os white hats bem sucedidos, o bad guy capturado  e tudo na santa paz de Deus, com direito a cena com todo mundo de óculos escuro, cooler than being cool, andando de barco em um cenário paradisíaco na Itália.



Então, do nada.....vem a tragédia. Um avião. Explosões. Destroços e fumaça pra caralho. Tiroteio não discriminando quem é alvo de fato e quem é só vítima no fogo cruzado. Violência estúpida, sem aviso, sem explicação. Pessoas desesperadas correndo tentando salvar os inocentes e fazendo o máximo de contenção de danos que a situação permitir. O pós 2000 com seus terroristas e mass shootings derrubou as portas da quarta parede e invadiu o universo de M:I. E nada vai ser novamente como antes. Mission Impossible 3 é, antes de tudo, um filme sobre expiação, sobre reparação. Feridas existem e estão abertas e uma hora, isso iria voltar pra morder os pés de todos ali. E nenhuma hora é melhor que agora: Hunt tem que pagar por achar que pode ter uma vida normal e ser um agente ao mesmo tempo. Paga pela húbris também: Toda a segunda metade do longa não aconteceria se eles não estivessem tão confortáveis e arrogantes com o aparente sucesso da missão a ponto de aparecem de cara limpa e usando os próprios nomes na frente de Davian. E não esqueçamos do momento em que ele tortura o vilão. O agente permitiu que os tons de cinza da vida real o atingissem. Ele convidou o mundo pra dentro daquele universo e, uma vez lá dentro, tal qual um vampiro, não tem como mandá-lo de volta.  O infiltrado dento da IMF (evitando spoilar isso), por sua vez, paga por achar que controlar os demônios que vc solta pelo mundo é algo possível indefinidamente, do mesmo jeito que o governo dos EUA do nosso mundo aprendeu, a duras penas há 18 anos, que se vc alimentar e soltar uma fera no mundo, as vezes elas voltam pra devorar a mão que lhe deu comida.  A trama, pros fãs de quadrinhos lendo esse texto, me lembrou um dos arcos clássicos recentes do Batman, "War Games", onde o morcego comete exatamente o mesmo erro: decide botar alguém subordinado a ele como líder do crime organizado de Gotham, tentando ter algum controle sobre aquele mundo. Até que dá merda. Nem ele conseguiu. E ele é o fucking Batman. As mentiras e os pecados passados voltam com força pra atormentar o time de protagonistas e boy, oh boy, as escalas nunca estiveram tão altas.
Primeiramente, falemos da ação: atipicamente, o filme não vai naquele crescendo de stealth, como nos anteriores e, antes de 15 minutos, já temos uma cena bem legal envolvendo o resgate da agente Farris. Obviamente, o ponto alto é a cena da ponte, por nos pegar de surpresa. No final, temos a invasão ao prédio onde o Rabbit's foot está e achei esperto da parte de Abrams que, sabendo que seria dificílimo fazer algo que superasse a invasão do prédio do longa anterior, ele decidiu subverter isso e nem tentar: ao invés de nos mostrar os pormenores do roubo, a ação se concentra no antes e principalmente, no depois. Pegar o objeto não foi complicado. O difícil vai ser escapar com vida.



Falemos de Davian: jesus do céu, Philip Seymour Hoffman era um monstro, né? Cacete. Eu passei a gostar um pouco menos do vilão do filme anterior depois de ter visto esse aqui. Percebam como tudo que Sean Ambrose tinha de histriônico, Davian tem de sutil. Raramente levantando a voz pq sabe que não precisa. Perpetuamente em controle da situação. Calculista as hell. Na cena em que ameaça matar Julia, mantem o tom sempre baixo pq ele não é um personagem de cinema querendo impressionar o público. Ele não é um palestrante tentando impressionar as pessoas ao redor. Ele é um homem, em uma sala com 3 pessoas e seu interlocutor está imediatamente na sua frente. Ele só precisa se fazer ouvido. E mesmo quando ele levanta a voz, é mais como consequência as reações de Hunt do que da necessidade de se fazer dramático. Poucos atores saberiam passar tanto de forma tão sutil e Hoffman era um desses mestres na arte que praticava. Quando ele revela que sabe o nome do agente, sério, eu senti um calafrio.



O ator faz tanta falta, né? Principalmente nos dias atuais, em que arte é tão necessária como forma de conforto pra nos fazer esquecer o quanto o mundo anda estúpido e embrutecido e ignorante. 
Voltando: a trama não era um mar de rosas antes da cena na ponte, já que a morte da agente Farris é mostrada com uma brutalidade e riqueza de detalhes absurda. Mas dá pra dizer que o tom era o tipo de coisa que se esperava. A partir daquele ponto, no entanto, o paradigma muda e o tom é sombrio. O trauma é permanente, o desespero, marcado inclusive nos cortes rápidos, nos filtros de cor passando uma impressão de opressão, claustrofobia e tensão. Algo se perdeu, potencialmente pra sempre. 
O que nos traz a minha ÚNICA crítica: Julia tinha que ter morrido no final.
Desculpem, eu sei que eu sou tipo "No fun Hak", o cara que gosta de, como diria Maristela, "filme desgracento". Ou como diria a mãe dela, "... que faz mal pra alma". Eu sou o cara que trouxe pra dentro de casa obras como "Hotel Rwanda", "Dear Zachary", "O túmulo dos vaga-lumes", "The act of killing" e outras pérolas da miséria, daquelas que te deixam mal pra sempre, causando verdadeiras cicatrizes emocionais. Mas vejam bem e me digam se eu estou errado: É UM FILME SOBRE PERDAS, sob o efeito que o 11 de Setembro teve no imaginário coletivo. É o primeiro longa da série que abertamente cita grupos terroristas árabes como potenciais inimigos, é sobre pecados passados e sobre reconhecê-los e pagar por eles. De que forma isso combina com Hunt terminando casado e feliz, com todo mundo rindo e ceninha "final do He-Man", sabe? Um monte de gente perdeu entes queridos naquele dia e nenhum deles era um vilão usando máscara. A perda é permanente. Os efeitos dela também. Achei meio covarde e, de certa forma, desonesto devolver a moça pro protagonista. Eu entendo que ele já tinha visto uma pessoa querida morrer no começo da história e talvez, fosse too much, principalmente pq vc não pode aleijar emocionalmente o herói da sua franquia, franquia essa que deve durar por mais uma dezena de continuações. E afinal, vc quer que as pessoas saiam com algum alivio do cinema. Entendo, vejam bem. Demandas de ser uma obra de arte mainstream. Mas ainda assim, fico pensando o quanto Missão Impossível 3 poderia ter sido mais corajoso e, vejam bem, honesto com o trauma representado.



Tudo isso posto, ainda é meu favorito da franquia até agora. O primeiro era cerebral. O segundo, uma aventura adolescente, massavéio pra cacete. Esse terceiro é o ponto em que a franquia fica adulta e abraça as sombras do mundo real. Em M:I 2, vc podia aparecer na frente do criminoso psicopata sem temer retaliações pq era apenas cool fazer isso. Agora não. Os riscos estão mais altos. Atos tem consequências e vai ser interessante, caso mantenham esse tom (e seria um erro não fazê-lo), ver como esse diálogo entre ficção e mundo real vai afetar o resto da série. Ah, um ultimo toque: senti falta do Billy e seu sotaque australiano. Tomara que o atual time, formado por Ethan, Zhen, Declan, Luther (LU-THEEER!) e Benji, se mantenha nas próximas missões.

Por hoje é isso, ímpios.
Volto ainda essa semana com a parte 2 e final dessa maratona, cobrindo a segunda metade da franquia.