sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Graça Infinita e chá de hortelã - parte 2 (plus: paradas)


Yo, ímpios, de volta aqui para nosso encontro semanal pra falarmos de livrinhos maneiros. 
Já começo dizendo que não atingi as 110 páginas dessa semana, como previamente combinado, mas por uma - na verdade duas - boas razões. 
Primeiramente, eu tô adorando Infinite Jest. Sim, é um lívro que, como disse alguém num vídeo review da obra que eu vi, não é muito gentil com o leitor. As vezes mesmo eu, que estou interessado, me perco um pouco nas cenas descritivas aqui e ali. Mas Jesus do céu, "Graça Infinita" tem umas passagens absolutamente lindas. Vou falar mais disso adiante, mas, em virtude disso, acabo reduzindo a velocidade, a tal da "pressa em terminar". Vi outro vídeo da Tatiana Feltrin falando do tijolão e, de fato, é uma história que demanda um tempo impreciso, só dela. Eu tô lendo a bagaça e me pego voltando pra reler passagens que ficaram confusas ou outras que só soam mais claras conforme vc avança na trama. Tem o lance de querer situar a história cronologicamente, fora as notas de rodapé gigantes e tudo isso é tão legal. Então, não só li menos essa semana - umas 60 páginas - mas acho que essa é a média que voi manter daqui pra diante. Entre 50 e 70 páginas semanais, sem correria. Vai levar mais tempo pra obra terminar mas isso aqui não é uma prova de resistência. Se o fruir do negócio não for apreciado da forma que merece, pra que fazê-lo, né?
E segundamente, pq eu peguei outros livros pra ler além dele. As tais "paradas" no título desse post. Comento sobre mais pra frente.
Bom, de volta à "Graça Infinita": desde o ultimo texto, vi uma longa conversa entre Hal e seus buddies sobre o futuro, outro momento tenso de interação entre o agente Steeply e Rémy Marathe, um membro do exército separatista de Québec, relatos sobre a primeira incursão romântica de Mario Incandenza, a introdução de um novo personagem (um guru fitness extremamente creepy) e o longo e fascinante e sinistro relato de "este que vos fala" (é o nome dele) sobre uma noite envolvendo drogas, Chinatown e Roy Tony, de que os senhores devem se lembrar da passagem de Clenette, algumas páginas antes. 
Okay, pelo começo: estamos num ponto em que está claro que o tal "entretenimento" do qual o oficial da CIA se refere é o último filme de James Incandenza, obra que nomeia o livro do qual falamos aqui. Mas, surpresa, surpresa, agora descobrimos que pode existir um "antídoto" pra ele. 
Além disso, a trama segue em seu tom de melancolia: o tema dos vícios permanece constante e vemos que, como eu disse no post anterior desta série, ele é de fato uma resposta ao clima de desesperança reinante naquele mundo. A conversa de Hal com os amigos é algo desesperadora, ao questionarem a solidão inerente daquele local, em que, esportistas em um jogo individual, todos ali competem contra todos, incluindo seus melhores amigos. Qual a lealdade que pode existir num ambiente darwiniano em que seu objetivo é ser o melhor mesmo que isso signifique ter que concorrer com seus amigos próximos? E além disso: é doloroso o momento em que um dos garotos afirma que o futuro não vai ser muito melhor. Esses meninos estão se colocando em situações de extrema pressão para saírem do colégio como profissionais apenas para terem como "recompensa", uma vida inteira de pressões ainda maiores para se manterem no topo dos rankings do tênis. 
Isso é sobre tênis esportivo mas, na real, vale pra qualquer profissão: anos e anos correndo contra o tempo numa faculdade pra obter o direito de fazer o mesmo num ambiente ainda mais competitivo. E, no caso deles, com o agravante de que sua carreira é gigantescamente mais curta que as demais, já que em algum momento, o corpo pede arrego. 
O momento mais marcante desse diálogo, pra mim, ocorre quando Hal explica a idéia das 3 possibilidades de quando um atleta atinge seu ponto de rendimento máximo, seu platô:
- Ele pode, percebendo que atingiu seu limite, apenas desistir.
- Ele pode tentar superar essa condição via treino e esforço, onde normalmente, o resultado é puxar os limites um tiquinho too much e terminar com uma lesão permanente e, na pior das hipóteses, uma aposentadoria precoce.
- Ele pode se manter confortável, resignado de que atingiu seu rendimento máximo, o que vai resultar nele sendo superado por qualquer atleta com um desempenho melhor.
Não exatamente um cenário dos mais otimistas, em que as opções que se apresentam são um caso de "escolher a menos pior". 
O futuro não é promissor, com a promessa de mais esforço e mais pressão em que mesmo a recompensa máxima, o topo da montanha - e dos rankings - é algo fugaz, que virá e irá embora na mesma velocidade. 
Os guris - e é importante lembrar que estamos falando de crianças entre 11 e 14 anos aqui - acabam encontrando algumas respostas confortadoras, a respeito dos aspectos de sacrifício e disciplina do esporte e de como não podendo mexer no "hardware", o lance é adaptar o "software" do atleta, sua consciência, a relação dele com a competição em si e o lance da auto-superação, como uma das vias de escape dessa visão mais cínica dos seus próprios futuros.
E aqui cabe um comentário: eu não gosto de tênis, mas Jesus do céu, como é bonito ver David Foster Wallace falando do esporte. Okay, a discussão acima levanta alguns pontos complicados da vida de um tenista profissional mas logo depois disso os meninos vão ver vídeos de partidas para estudarem movimentos e jogadas e, preciso dizer, a descrição dos movimentos tem algo de poético, de balé, de operístico nela. Já disse que DFW tem um talento absurdo para descrições, para falar da beleza e da miríade de detalhes que repousam em um mísero segundo e ele usa isso de forma sublime pra descrever toda a beleza da infinitude de coisas ocorrendo entre um saque e uma recepção. De novo, eu acho tênis um saco mas, como vcs sabem, eu sou completamente fanático por pro-wrestling. 
Foda-se que é pré-determinado e tals, o lance é que a gente, DESSE LADO, absorve a coisa como um esporte e, como tal, é lindo olhar com os olhos de Wallace pra luta-livre, apreciar aqueles segundos que separam um movimento do outro. Apreciar não só um finisher bonito mas aqueles segundinhos que antecedem o primeiro movimento que vai levar até aquele catártico golpe. 
Apreciaar as infinitudes de segundos em que, por exemplo, Ospreay vai pra um "Oscutter" ou em que PAC vai se lançar aos céus em seu belíssimo "Red arrow". Reconhecer a poesia nessa dança entre os lutadores. Vcs sabem exatamente do que eu tô falando. Pra este escriba, aquele RKO do Randy no Seth Rollins no Wrestlemania 31 é tão lindo quanto a vitória do SPFC sobre o Liverpool em 2005 no Japão pra um apreciador de futebol.
Resumindo, pra um fã do "desporto chutebola" como diria João Carvalho, isso aqui


é tão emocionante e tão desencadeador de lágrimas quanto, pra mim, foi isso aqui


Sério, eu chorava de soluçar. Tentei ser o mais discreto mas falhei miseravelmente, acordando a namorada que dormia ao lado, por causa do meu arfar e respiração pesada. 

...

O que? Hey, eu não gosto de futebol mas eu sou um cidadão do mundo, ímpios. Não vivo numa bolha, eu sou manjão das paradas. :-)

Enfim, já disse que seja o Milton Neves quase saindo no tapa com algum outro comentarista no seu "terceiro tempo" (eu adoro, ADORO programas de mesa redonda sobre futebol), sejam os caras do Top Gear falando de motores e máquinas e veículos tunados, seja a Paola falando no Masterchef sobre infância e de como "A festa de Babette" a inspirou como cozinheira, eu ADORO gente apaixonada pelo que faz falando de seu objeto de paixão. E, voltando ao livro, David Foster Wallace faz isso como poucos e de uma forma tão hipnótica que te pega, mesmo se vc, como eu, nunca tiver dado meia foda para Tênis esportivo. 
Tem tb uma passagem em que Steeply e Marathe discutem sobre as diferenças do amor romântico e do amor revolucionário, da capacidade de doação para uma causa maior que vc mesmo, que pqp.....espero um dia escrever algo tão denso e ao mesmo tempo caloroso. 
O livro segue incrível..... APESAR de alguns probleminhas. E me refiro à tradução.
Mano: eu sempre ouvi falar que o tradutor desse livro era fodão e tals, o cara traduziu Joyce, cacete. Então, doeu na vista quando eu vejo um "Você pode fazer diversão disso quanto quiser" e imediatamente, de bate pronto, sacar que foi uma escolha infeliz de tradução para a expressão "You can make fun of.....". Fora outras escolhas como o negócio do "ano do chocolate dove tamanho boquinha" como tradução pra "year of dove bar - trial size" e uma ou outra escolha que saltou aos olhos. Não é ser chato, sabe, mas te catapulta pra fora do livro, né?
Mas enfim, salvo essas reclamações, a obra continua bem legal. 
É isso sobre ele.
Vou reduzir o ritmo de leitura mas continuo vindo, semana a semana falar dele aqui.

Sobre as tais "paradas" no título desse post: tô intercalando leituras pq "that's how I roll" e peguei duas outras obras pra ler.


Uma que tava na minha prateleira há milênios e que eu estou adorando é o "A contra-cultura através dos tempos" de Ken Goffman e Dan Joy, lançado aqui pela Ediouro. Caralho, que leitura deliciosa, que flui, sabe?
Tô no início dele mas já achei foda que os autores começam situando o conceito de contra-cultura e apresentando suas raízes mitológicas, separadas em duas correntes: a Prometéica, vinda do deus Prometeu e a de Abraão, aquele da bíblia, antes de entrar nas descrições dos grupos contra-culturais per se. 
Mitos sempre serviram para explicar, coletivamente e por meio de analogias, metáforas e tals, aqueles grandes conceitos da existência humana, então há de se entender o valor do mito para as tradições de cultura anti-mainstream existentes funcionado como a base conceitual ideológica que oferece sustentação para elas dentro do imaginário coletivo. A história de Prometeus é um conto de rebelião, de certa soberba mas também de empatia e doação, de auto sacrifício. Ao oferecer o fogo - e em maior escala a tecnologia aos humanos - ele cometeu um pecado contra a providência divina, essa força estática e imóvel e opressora. Da mesma forma, segundo os autores, toda contra-cultura tem esse elemento marginal e anti-establishment. Toda contra cultura é maldita diante dos olhos da cultura mainstream, sejam elas prometéicas (que abraçam a tecnologia, como a cultura hacker) sejam as anti-prometéicas (que rejeitam a tecnologia humana e anseiam por um retorno à natureza, como são os hippies). Abraão, por sua vez se insere aqui por seu paradoxo: é o pai de uma cultura monoteísta e portanto, q tem como parâmetros uma ideologia estabelecida numa figura autoritária e com leis pétreas que vão determinar o status quo daquela comunidade. Mas ao mesmo tempo, ele traz o lance de rebeldia contra a autoridade estabelecida da época ao negar seus costumes e se permitir viver à margem daquela sociedade ("Eu caminho entre vcs mas eu sou um estrangeiro"). Essas duas linhas vão determinar quase todas as correntes contra-culturais do futuro e foi bem interessante entender essa gênese histórica do negócio, anarquista que sou. E tudo muito bem escrito, com um texto agradável. 
Tem toda cara de virar uma bíblia pessoal, daqueles livros que eu carrego pra todo lado e que cito passagens inteiras de olhos fechados. 


Por fim, falando de leituras agradáveis, chegou ontem minha cópia do "Viva la vida tosca", biografia da lenda João Gordo, de autoria do próprio juntamente com outros dos meus heróis pessoais, André Barcinski
Ainda tô no começo, que, como toda biografia, aproveita pra situar a história de família do biografado. Normalmente essa é uma parte desse tipo de livro que nunca me interessa muito, mas aqui é tão bem escrito que vc acaba se pegando fascinado pela jornada de vida dos pais e avós do vocalista do Ratos de Porão. O livro é da Darkside e pqp, que livro maneiro. Eu nunca tive essas frescuras de bibliófilo mas cacete, eu adoro essa cara de "fanzinão" que esse livro tem, assim como outros da editora trazem também (os títulos sobre Evil Dead, Twin Peaks e Back to the Future, só pra ficar naqueles que eu possuo aqui nas estantes de casa). Fotos pra caralho, flyers de show, papel simples, sem firula que só serve pra encarecer a obra. O tipo de edição punk que a obra pede. 
E o texto flui, bem coloquial, quase uma conversa com o protagonista da obra. Tem cara de ser daqueles livros que tu devora em 2, 3 dias

Encerro aqui esse post com esse combo de coisinhas legais. Volto semana que vem pra falar mais do que ando lendo, enquanto sorvo goladas generosas de chá (e informo q o estoque caseiro de chá de hortelã tá bem abastecido, apenas para quaisquer ímpio lendo isso que tenha se sentido traído por eu beber chá mate com limão no post da semana passada. Sem mais licenças poéticas, prometo. :-) )

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