sexta-feira, 14 de abril de 2023

Em rumo a Krakoa: Atos e consequências.


Eu vou começar esse texto com uma contradição: este é, ao mesmo tempo, um evento bem importante pro lore mutante e um dos arcos menos bombásticos na história do título. Faz algum sentido?

A queda de mutantes é menos um evento coeso perpassando todos os x-títulos dessa época e mais um conceito: uma saga que deixaria, em seu final, os 3 times em uma situação radicalmente diferente da anterior. Sem adentrar demais em detalhes, mas o X-Factor sai desse arco com o time original reunido após maquinações de Apocalipse trazerem Warren Worthington II, o Anjo, agora Arcanjo, de volta dos mortos. Além disso, eles terminam como heróis ao olhar público, enquanto ganham uma nova base operacional, na forma da nave senciente de En Sabah Nur. Enquanto isso, menos afortunados, os Novos Mutantes terminam sua passagem por esse evento traumatizados (ainda mais) após a morte de Doug Ramsay. Os garotos terminam desiludidos com o comando de Magneto, na época, responsável pelo time. E por fim, o próprio mestre do magnetismo termina questionando seu papel e impacto na vida dos adolescentes. 

Inclusive, puxando pela memória, creio que já na época em que li o arco, reunido em um encadernado publicado por aqui nos anos 90, ainda na época do formatinho da Abril, achei as tramas do x-factor e dos new mutants mais interessantes. Relendo agora, de fato, a trama principal é meio batida. A idéia do trickster cósmico brincando com o destino da Terra já não era particularmente original nos anos 90. Décadas antes, a clássica Clash of the champions já trazia premissa semelhante. De qualquer forma, o vilão do arco, o Adversário, está aqui mais como forma de fazer a trama andar. O foco da ação aqui, no entanto, vem das subtramas e de como ele, de fato, altera de forma significativa o status quo do time principal dos alunos de Charles Xavier. 


Reagindo às maquinações do Adversário enquanto, ao mesmo tempo, tentam localizar Ororo e Forge, desaparecidos na edição anterior como parte das ações da deidade sinistra, os mutantes terminam sob encalço da Freedom Force, agora também com Stonewall, Crimson Commando e Speed Freak em suas fileiras, originalmente composta por Mystique, Sina, Blob, Avalanche, Espiral e Pyro. No meio da porradaria, a tessitura cósmica começa a se desfazer e o local é invadido por criaturas de outros períodos históricos. E novamente, este é o elemento MENOS interessante da história. 

Enquanto isso, Ororo e Forge são mantidos em uma dimensão paralela, deixados lá para..... eu não sei?


A idéia é que o Adversário precisa deles como oponentes, para manter o jogo vivo porque...bom, porque esse é o hobby dele. "Os caminhos dos deuses são tortuosos" e tals, yadda yadda yadda. 

Enfim, o casal é deixado neste universo pocket para seguir com suas vidas e repopularem o planeta, se assim quiserem. 

A "carne" desse arco figura exatamente aí, nos dois decidindo se esse pequeno paraíso feito especificamente para eles é o suficiente ou não. Ao mesmo tempo, um time de jornalistas vai cobrir os eventos se desenrolando em Dallas e a partir do olhar deles, temos um sub-plot sobre a percepção que o universo Marvel "normal" tem dos mutantes e como os eventos, o heroísmo e a proximidade com os personagens transforma a opinião deste grupo de pessoas normais. De fato, é um olhar meta, dos personagens podendo LITERALMENTE olhar para a câmera e falar sobre suas motivações, o que achei bem esperto por parte do roteiro, até porque a idéia desse arco é servir como porta de entrada para novos leitores. 


"Então, porque você está gastando caracteres falando dessa história, tio Hak?" vocês me perguntam, jovens padawans. 

Bom, esses momentos menores dentro da história, esses detalhes são bons o suficiente e contribuem para o crescimento dos personagens de tal forma que eu acho interessante mencioná-los. E, de fato, ao final da trama, o cenário vai estar pronto para um dos períodos mais interessantes da era Claremont. 

Primeiramente, falemos de Forge.

O shaman, o "the maker", o "fazedor de coisas" dos X-Men, figura pivotal na história mutante. Um personagem fascinante principalmente pela sua imperfeição. Tal qual Tony Stark, um "iron monger" usando seus talentos para homens com propósitos sinistros. O responsável pela perda dos poderes da Tempestade, a mulher que, ironicamente, ele ama. E um dos motores dessa trama. 

Essa trama em 3 partes tem alguns temas recorrentes, o principal deles sendo "Expiação". "Acerto de contas". Reconhecimento dos próprios pecados como forma de superá-los. 

Já sabíamos, por histórias prévias, que Forge tinha seus traumas decorrentes de suas incursões ao Vietnam, local que lhe custou uma perna. O que não sabíamos é que o mutante desencadeou eventos em um momento de fúria que custaram dezenas de vidas, incluindo inocentes do lado adversário. 

Ferido, ele utilizou seus conhecimentos místicos para abrir um portal e invocar demônios que passaram feito um trem por seus inimigos. Quando o massacre pareceu fugir de seu controle, ele deu autorização para um bombardeio que, como ocorrem nesses eventos, não distingue entre QG de inimigos e prédios civis. E este portal aberto foi o meio que o Adversário usou para invadir nosso plano de realidade. 

Ao mesmo tempo, a ele é reservada a opção de ignorar seus pecados e viver em seu pequeno Eden particular com a mulher que ama. Mas em um simulacro de realidade desprovido de alma e longe de tudo e todos com quem se importam. 

Enquanto isso, outra cena particularmente importante nem envolve os mutantes diretamente. Á luz da crise ocorrendo, um grupo de indígenas da mesma tribo de Forge reconhece as ações do Adversário e vem em socorro dos mutantes e da Freedom force, agora em trégua diante da crise cósmica. Isso para, logo em seguida, o grupo ser exterminado por um grupo de policiais e demais humanos armados. Agora, vejam bem: o homem que motivou os disparos se revela o próprio deus sinistro, infiltrado em meio aos demais personagens. Mas os demais atiradores eram apenas pessoas que "foram no embalo". 




O que leva à seguinte reflexão por parte de Crimson Commando: 


Claremont não tem pudores em mostrar a humanidade como os vilões da história e que bom que seja assim. Ao mesmo tempo, os personagens reforçam como naquele contexto, a luta dos humanos, mutantes e demais grupos envolvidos, é uma luta só e que qualquer diferença pessoal é um detalhe menor diante da crise e esse é o ponto que me fez querer falar um pouco da "queda dos mutantes". É nesse turvar de fronteiras entre heróis e vilões e pela postura dos x-men de abraçar o sacrifício em prol das vidas inocentes que vemos mais um passo dos personagens no grande arco que permeia toda esse período, onde o time procura redefinir seu papel no universo 616. 

E não tenham dúvidas: essa é uma história sobre decisões e sacrifícios. A decisão dos mutantes de seguirem lutando, mesmo depois de Destiny avisá-los da ameaça iminente. A decisão de deixarem suas diferenças de lado, em prol do bem maior. A decisão de Forge e Ororo de abrir mão do pequeno paraíso em que foram aprisionados. A decisão dos X-Men de se sacrificarem. para deterem o Adversário.

Todas estas vindo, como consequência, da decisão e do sacrifício de um homem, Forge, anos antes. Uma decisão que trouxe sombras ao mundo e que pode ter lhe custado a alma. Que encontra paralelos na escolha que faz ao final da trama, de usar as energias vitais dos X-men para criar um portal e aprisionar o vilão da trama dentro dele. Enquanto o primeiro sacrifício, no Vietnam, veio de um desejo egoísta de vingança, este é altruísta, ainda que igualmente doloroso. Assim, Forge completa seu arco, curando o mundo das chagas que ele mesmo lhe causou, além de finalmente conseguir, em parte, alcançar alguma harmonia entre suas habilidades como cientista e seus conhecimentos místicos. Da tensão, do atrito entre ambos, veio o caos. Da harmonia entre tais conceitos, do equilíbrio, vem a ordem.



E por fim, trazidos de volta à vida por Sina, há também a decisão dos heróis de manterem a ilusão de que estão mortos para protegerem seus entes queridos e poderem, ao mesmo tempo, operar de forma mais decisiva ente seus adversários. 

Mais uma decisão e mais um sacrifício, mais um entre tantos já feitos e que antecipa dezenas de outros adiante. Aqui, os personagens terminam diante de um novo começo. Começo este que antecipa vitórias obtidas a muito custo, além de algumas das derrotas mais brutais de suas vidas.

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