quinta-feira, 3 de maio de 2018

"The Last Jedi" e a ilusão da nostalgia.

"If you meet buddha on the road, kill him"



Eu lembro como se fosse hoje. Não o dia, exatamente, pq minha memória não é mais tão boa quanto já foi. Das agruras de se atingir certa idade, imagino. Enfim, tava no twitter, o trailer de "The force awakens" tinha saído já há algumas horas e eu leio, não lembro precisamente quem, dizendo a seguinte frase: "o trailer do ep. 7 tem tudo que um filme de Star Wars tem que ter. A millennium falcon, sabres de luz, x-wings e Chewbacca"

Ali, no exato instante em que terminei de ler esse tuíte, nesse exato momento, eu sabia, vejam bem, não "suspeitei", não "tinha certeza": eu SABIA que eu não ia gostar desse filme. 
Dito e feito. Em retrospecto, tendo visto o ep 8, dá pra dizer que o filme anterior melhora após ter visto sua sequência, mas quando terminei "o despertar da força", não suspeitava que o próximo capítulo da saga dos Skywalkers seria tão disruptivo. 
Tanto é que só fui pegar pra ver o filme hoje cedo, quase 5 meses depois de seu lançamento, como consequência do quão pouco eu gostei de "TFA". Aí, li uns textos aqui e outros acolá e comecei a levantar a sobrancelha, curioso.
Aí baixei o bichinho e botei pra rodar. Terminei duas horas e meia depois, completamente encantado. Não só com o quão bom é o longa, mas como alguém permitiu que ele existisse. Um filme que critica toda a nostalgia que é combustível pra franquia existir como existe hoje em dia, you know?  Um filme que critica o conceito de "vacas sagradas", um filme iconoclasta pra caralho, que abandona a idéia de nostalgia, sentimento que, nunca nos esqueçamos, é "coisa pra gente sem futuro" como muito bem colocou Kieron Gillen em seu "Phonogram". 
Nada aqui é território nunca dantes explorado, considerando que mesmo tendo pouco conhecimento do universo expandido de SW, já tive contato com materiais que exploravam temas parecidos.
Mas boy, oh boy. o UE de Star Wars é coisa pra nicho. O legal é ver essas idéias sendo exploradas num longa como esse e com as expectativas associadas a ele, tanto do fandom quanto de quem produziu o negócio. 
Apertei o play e fui, meio de má fé, embarcar no filme: Han Solo continua morto, os rebeldes continuam levando surra atrás de surra (na verdade, em um determinado momento, fiquei meio confuso com o grupo sendo chamado de rebeldes já que, em tese, eles são o governo estabelecido. Mas detalhes explicados no filme passado e que eu só fui lembrar depois). O grupo, liderado pela General Leia, segue tirando vitórias das garras da derrota, aqui e ali, graças a coragem de soldados como Poe Dameron. Rey continua tentando começar seu treinamento jedi, após encontrar o recluso Luke Skywalker e Finn.... oh man, Finn. 
E aí, eu me toco do exato momento em que o filme quebra qualquer resistência que eu tinha até então: começo do filme, Poe e o resto do grupo está em missão pra explodir uma nave inimiga particularmente fodona. A frota de naves bombardeiros foi quase totalmente dizimada, exceto por uma, que tem sua carga entregue apenas pelos vastos esforços de uma guria. 
Completamente desconhecida.


Ela não é uma Solo, Skywalker, Organa ou qualquer outra grande "linhagem" dos longas anteriores. Ela não tem uma face reconhecível e nem, pelo menos nesse momento, sabemos seu nome. E ela, sozinha, literalmente sozinha, salva a rebelião e garante que eles possam viver pra lutar outro dia. 
Nesse momento eu soube que eu tava diante de algo especial, quando não veio nenhuma cena conectando ela a algum dos personagens que nos são familiares. A partir daí, são duas horas e uns quebrados detonando cada crença do fandom e quase todos os clichés que esperávamos de um longa do tipo, 
A questão dos pais da Rey, a real natureza do Supremo líder Snoke, as motivações de Kylo Ren, o próprio rumo da guerra e, claro, o papel a ser desempenhado pelo lendário Luke. 
E o termo "lendário" não foi escolhido aqui de forma aleatória.

"Let the past die. Kill it, if you have to".

Eu sempre quis me aprofundar no lore de Star Wars que passa após os eventos de "O retorno dos Jedi". Meu problema fundamental é que, em sua gigantesca maioria, todo esse material gira em torno dos mesmos personagens que já vimos antes nos filmes. Vc acha coisa de até 1000 anos narrando aventuras dos descendentes dos Skywalker. De Boba Fett a Jabba, passando por Darth Maul e até os aliens aleatórios que são fregueses frequentes em Mos Eisley, todo mundo ali tem pelo menos meia dúzia de gibis ou livros narrando suas aventuras. Mas partir desse eixo....aí complica. 
De cabeça, lembro daquela menina jedi de Clone Wars, Ashoka (mas mesmo essa tinha sua vida conectada a de Anakin). Se desconsiderarmos participações especiais e tals, sobram ela, os protagonistas de Rogue One e, meus favoritos, os personagens da animação Star Wars Rebels. Largar o osso é um treco tão traumático que só uns bons anos depois foram criar oponentes pros heróis da série que fossem completamente desvinculados da imagem do Império (os Yuuzhan Vong).
E pq isso? pq é o que as pessoas querem ver. Em "Dark Empire", gibi da Dark Horse que chegou a ser publicado aqui na metade dos anos 90 pela Abril, Tom Veitch bota os rebeldes recém saídos da batalha de Endor e tendo recentemente sobrevivido diante das estratégias do Almirante Thrawn, pra lidar com... Palpatine.... e de novo, e de novo, num exército de clones. E com gigantescas naves capazes de terraplanar um planeta, descritas na hq como "piores que as Death Stars". 
Isso não é um gibi, isso é uma profecia do que iríamos ter diante de nossos olhos por anos...e anos...e anos...
Aí, um dia, Rian Johnson, com carta branca da Disney, pensou "nah, foda-se". E fez um filme que crítica o protecionismo dos fãs que não deixam a franquia abandonar seus elementos mais familiares pra poder crescer e seguir adiante, tocando novos fãs do mesmo jeito que nos tocou em algum momento do passado (hey, eu falo mal dos filmes mas tenho guardadinho, embaixo do meu box de dvds de matrix, os três filmes originais na ultima versão lançada em dvd aqui). E sem nenhum constrangimento da parte dele. Fiquei com a nítida impressão que as caretakers, raça alienígena que cuidava do irmão de Leia em seu exílio, tavam ali pra simbolizar o fandom, já antecipando o mimimi que viria. 



Imaginem: eu sou o cara hipotético que comprou todos os livros licenciados da franquia, incluindo tolices como aqueles "o caminho dos sith" e "o tao dos jedi" ou qualquer que sejam os nomes dessas obras e aí me deparo com a cena de Yoda ateando fogo nos "textos sagrados" da ordem. 

"not a page turner, they were"

Claro, OBVIAMENTE que eu vou "xingar muito no twitter" e fazer abaixo assinado pedindo pra tirar o filme do cânone da cinessérie. Because that's how I fucking roll... 

"all in the game, yo"
            Omar Little, The Wire

Quase nenhum personagem raso. O único ali, mais superficial, Snoke, é eliminado sem dó do longa. Qualquer peso do personagem morre com ele, e tudo bem, pq quem ele é, quais suas motivações: nada disso NUNCA teve importância (salvo pros fãs). O supremo líder era apenas o motor da história que iria colocar os personagens realmente relevantes da trama em seus respectivos lugares e em seus respectivos papéis de poder. O conflito sempre foi geracional. Passado versus presente. O material das lendas versus a fria realidade prática. Os heróis míticos, deificados de longe, e suas versões reais, cheias de defeitos e falhas. Velhas idéias versus novas idéias. 

"That Force does not belong to the Jedi. To say that if the Jedi die, the light dies, it's vanity."

Esse texto está meio randomico pq as minhas impressões do filme ainda estão muito frescas, mas preciso comentar duas coisinhas antes de encerrar.
Primeiro, Kylo Ren. Pra alguem descrito como um "garoto mimado" no filme anterior.... falemos de desenvolvimento de personagem, não? Sim, ele é um garoto tentando brincar de big evil guy o tempo todo, mas tb é o reflexo sombrio da Rey. Vilão sim, mas também tridimensional. Autor do ato mais monstruoso do filme anterior, visto até então como pura maldade mas que ganha novos ares aqui.
O que parecia um ato de loucura contra uma das figuras mais queridas do rol de personagens de SW, na real, era uma versão extreme do corte do cordão umbilical. Negar o peso de ser um Solo, um Skywalker ou mesmo, aqui, um novo Vader. Vou dizer que, ao final do filme, por mais que eu ame aquelas figuras mitológicas em tela, parte de mim tendia a concordar com Ben Solo. Se contarmos o material expandido, são milhares de anos, literalmente MILHARES DE ANOS, presos na mesma Star War. Muda-se o rosto do inimigo, mas o pew pew pew e vibrar de lightsaber continuam. Como se presos em âmbar, rebeldes de um lado, sith/império do outro. 
Kylo, ao final de "The Last Jedi", é a terceira força, surgindo pra chutar o tabuleiro e queimar ambos os lados pra ver o que surge no lugar. Num cenário estéril como é o dos personagens, seria isso tão ruim assim? Não tô defendendo nenhum ponto, só levantando perguntas. 


E, em segundo mas interconectado com o primeiro lugar, Luke. O herói jedi e tal qual seu pai, tb um jedi em desgraça. Já disse isso antes aqui, mas a única coisa da qual eu genuinamente gosto nas prequels é que elas mudam a dinâmica da trilogia original. Os 3 filmes, eps. 4, 5 e 6, eram inicialmente, sobre a guerra civil intergaláctica e a ascensão de Luke como o ultimo dos jedi.
Colocando os eps. 1, 2 e 3 na conta, o que temos são 6 filmes que, na verdade, são sobre a ascensão, queda e redenção de Anakin Skywalker. Da mesma forma, a hubris de Luke, a mesma que derrubou a antiga república e que cegou a ordem jedi para as maquinações de Palpatine que levaram ao absurdo ganho de poder dos Sith, o levou a se julgar digno de decidir pelo futuro do universo, o que o levou a tentar executar Ben Solo e...bom, deu no que deu. O sacrifício ao final do filme foi poético pq, durante os dois últimos longas, ele foi visto como o messias que iria, com um gesticular de mãos, salvar o universo. Absolutamente poético que, no final, seu papel seja o parecido ao de um ilusionista, voltando a atenção da First Order (e a nossa, no processo) para um lado, enquanto a história avança (com a fuga dos rebeldes) de outro. O cavaleiro jedi simbolizava uma ilusão de um deus ex machina que surgiria e iria liberar a galáxia dos grilhões do fascismo. Na realidade, seu ultimo ato de sacrifício foi um gigantesco "eu fiz a minha parte mas vcs vão ter que salvar vcs mesmos". Os antigos heróis se foram. O passado é passado e o futuro é uma tela em branco esperando ser preenchida. Se o imprevisível é assustador, ele também traz o frescor do novo, de um novo futuro construído não mais em cima de antigos dogmas. 
Aquele garotinho no final do filme olhando pras estrelas foi muito discutido pelo fandom, de quem é, de qual seu papel. Na real? Eu acho que ele não é ninguém importante e, paradoxalmente e exatamente por isso, ele é a pessoa mais importante da trama. Pq esse filme mostrou por meio da Rose e de sua irmã, da revelação sobre os pais da Rey, do sacrifício da Almirante Holdo, que vc não precisa fazer parte de uma linhagem de sangue nobre e lendária pra mudar seu contexto. "Qualquer um pode cozinhar", já dizia o chef Gusteau em Ratatouille. A lição do "The Last Jedi" é que qualquer um, dotado das ferramentas certas e, mais importante da vontade para tal, pode mudar o mundo. 
Aquele garotinho, tal qual Rey, não é um chosen one, mas ele, ao carregar o espírito da aliança rebelde, tb é uma nova promessa de futuro, de um novo amanhã. De uma nova esperança.



"Godspeed, rebels"

Ah sim, só pra não dizer que eu não espalhei meu amargor aqui: Já vi que Rian Johnson não vai dirigir ou escrever o ep. 9. E já passei, na ultima hora, pelos 5 estágios do luto. Perdi o tesão de ver o próximo filme, mas tudo bem. Ainda tem a promessa de uma nova trilogia de filmes sob a batuta de Johnson e, mesmo que não role, ele já entregou o melhor filme da franquia (pronto, falei, agora é oficial). Não só a rediscussão do papel de heróis e mitos que a gente precisava nesses dias sinistros em que vivemos, mas tb, a que a gente merece. 

Ah sim.... consegui fazer um texto desse tamanho sobre o ep. 8 e não mencionei os Porgs nenhuma unica vez. Hah.... 

And also: o fato de ter tido uma agradável surpresa com esse longa não significa que eu pretenda repensar minha filosofia pra com blockbusters em geral, so, FUCK grandes franquias, FUCK The Infinity War, FUCK the mainstream e nenhuma lição foi aprendida aqui. 

E alguém me dê meu café...... :-)

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