segunda-feira, 24 de junho de 2019

Doom Patrol s01e15: "Ezekiel Patrol" - "When the shit goes down ya better be ready"


So....this is it.... the end.
O fucking final.
Curioso pensar que agora, enquanto escrevo esse texto encerrando a série de recaps cobrindo o show, eu não consigo me lembrar qual foi o gatilho que desencadeou meu interesse inicial no programa. 
Eu lembro de ler comentários, aqui e ali, lembro de ter asco da idéia de assistir Doom patrol por causa da associação com a série dos Titans, uma das piores coisas que resultaram desse casamento entre tv e quadrinhos (e vejam bem, eu vi aquele desastre que foi a season 2 de Demolidor). Eu lembro de ver as pessoas erradas elogiando o show (o tipo de gente que ainda vê Arrow e  que curtiu Defensores e que vai bater palma pra qualquer coisa com o selo "nerds" pq esse é o parâmetro que elas usam pra se definirem como indivíduos). Mas aí, eu tenho vaga lembrança das pessoas certas elogiando o show. E começaram boatos sobre Flex Mentallo e Danny, the Street. E as pessoas certas começaram a falar mal do show (as mesmas descritas 4 linhas acima). E aí alguém mandou uma comparação com Legion. E quando eu vi, eu estava fisgado. 
O piloto foi bem decente. "Vamos ver qual é que é".
Quinze episódios depois, eis-me aqui, dotado daquela perspectiva que o tempo nos dá, capaz agora de olhar pra temporada de estréia da série à uma dimensão de distância, tal qual o próprio Mr. Nobody faz. E minha opinião dessa história, agora dotado da ciência de pra onde os roteiristas queriam ir e tals?
Eu gostei............ em partes. 
Partes do final funcionaram perfeitamente em mim. Uma parte dele, uma particularmente grande, devo dizer, não muito. Primeiramente, lidemos com o fallout do ep. anterior: como tencionava o Mr. Nobody, o time foi completamente destruído. Larry e Rita terminam morando juntos, num arremedo de vida "normal". Cliff segue aos trancos e barrancos. Jane procura alívio em drogas, completamente entorpecida em seu safe space. Ciborgue continua  no bom combate, mas em uma escala menor, menos "JLA" do que a que ele pretendia no começo da série. E é isso. Até que a força das circunstâncias - e um karaoke particularmente tosco de Eugene - reúnem aquelas pessoas em uma ultima missão de resgate para Niles, o patriarca proscrito daquele grupo. And way we go...



Okay, agora que estamos aqui, um pequeno desvio na rota: afinal, sobre o que diabos é essa série? O que ela quis passar? Qual a mensagem dela? E como esse final funciona dentro desse macro-tema que, supostamente, percorreu cada um de seus quinze capítulos?
Acho que o momento que posso usar como melhor referencia pra começar a responder essa pergunta ocorre bem no comecinho de "Ezekiel Patrol" quando Morden, vitorioso e com sua obra prima completa, indaga um destroçado Niles: "Como é se sentir um ninguém?"
De certa forma, eu consigo encapsular a série inteira nessa pergunta. Doom Patrol sempre foi sobre little people, gente quebrada, reagindo aos mandos e desmandos de gente poderosa. Os nazistas de Fuchstopia, os religiosos da ordem do livro não escrito, o Bureau of Normalcy. Faces diferentes representando a mesma coisa: braços da ordem estabelecida como a conhecemos (exército, religião, estado) impondo sua vontade sobre o "povinho". A Doom Patrol nada mais era do que esse mesmo povinho, ciente do próprio poder, decididos a derrubar esse "sistema" (a escolha de palavras aqui não foi aleatória) em prol de algo melhor pq, afinal, TEM que haver algo melhor.



A Patrulha original e o episódio passado no underground da Jane nada mais são do que o time lidando com as consequências da ação dessas mesmas forças do poder estabelecido em gente como eles próprios. Os restos mortais da ação do establishment, voltando pra morder o pé de seus algozes. O que nos traz ao suposto nêmesis do show, o big black hat, o grande vilão. Mr. Nobody. Mas lembremos que no mundo dos quadrinhos, normalmente o arqui-inimigo do super herói é um reflexo distorcido dele mesmo. De um lado temos Superman, do outro Luthor, ambos funcionando como visões do potencial da humanidade, bom e ruim. De um lado temos o Homem Aranha, do outro temos Norman Osborn, ambos cientistas com uma mente prodigiosa, diferentes apenas em virtude do que decidem fazer com suas habilidades.
De um lado Xavier, do outro Magneto. Batman e Coringa. David Dunn e Mr. Glass. Neo e Agente Smith. E por aí vai. Morden, é, ele ´próprio, também um "little people", uma pessoa que nem a gente, na base da pirâmide social, um boneco de marionete nas mãos de quem detêm o real poder. E como nos quadrinhos, seu masterplan não envolve dominar o mundo, mas tal qual o trickster que é, revelar a verdade diante dos olhos que fogem dela, doa a quem doer. E essa verdade é que o inimigo do grupo estava mais perto dele do que eles imaginavam. Vem a revelação final e todos esses vilões são reunidos na forma de uma figura simbólica, um fantasma na vida daquelas criaturas: a figura do pai abusivo. Pq afinal, o que é o estado fascista além de um gigantesco pai que acredita que sabe o que é melhor pros seus filhos e vai lembra-los disso a base de muita opressão e violência? E afinal, uma parte substancial da dor dos 5 membros do time vem, em parte, do fato de serem maus pais (Cliff, Larry e Rita, que na posição de mentora, foi uma mãe ruim de todas as meninas que "aproximou" do produtor abusivo com o qual trabalhou. E não coincidentemente, o principal trauma que ela vivenciou, consequência direto disso, é relacionado com uma gravidez indesejada) ou de serem filhos de maus pais (Jane, caso mais claro. Silas não foi um mau pai, mas um que tomou algumas decisões particularmente infelizes e que resultaram em um abismo emocional entre ele e Victor).  Os dois piores monstros da série, Niles e o pai da Jane, tem a força que tem e fazem o estrago que fazem pq simbolizam o cisma primordial (o momento em que o que nossos pais querem e o que nós, enquanto indivíduos, queremos, vão em direções opostas) e, como consequência, o ato de rebeldia primordial (quando verbalizamos essa oposição pela primeira vez). Vc, meu ímpio maldito lendo isso, teve seu primeiro momento como indivíduo autônomo e independente quando, pela primeira vez, se distanciou da obediência cega aos pais, quando vc decidiu se afastar das crenças deles. Acontece com todo mundo. Mas é doloroso. Pq os pais, sejam eles indivíduos humanos ou instituições sociais, não gostam de desobediência e eles costumam deixar bem clara sua desaprovação quando contrariados. E, spoiler alert: Eles detêm o poder. Físico e financeiro. E emocional. Nem todo pai é um fascista em potencial. Pessoas diferentes entendem os filhos de formas diferentes, mas mesmo o hippie mais partidário da "auto-gestão" vai deixar claro, ainda que de forma passiva, o desapontamento com sua prole quando esta declara crença em algo que vai contra as deles próprios. E esse é o momento em que pessoas se definem como pessoas. Por isso a cisão é tão dolorosa. E isso com pais normais. agora, imaginem o quanto isso é amplificado quando vc se vê sob controle de um pai abusivo?






Essa é a situação da Patrulha nesse episódio. O que nos traz ao ponto que eu não gostei da história. 
O final. Não os eventos que ocorrem dentro do quadro, aquilo foi pura empatia do grupo para alguém em situação de risco, precisando de ajuda. Aliás, esse é o momento mais catártico de "Ezekiel patrol", quando, contrariando o que seria de se esperar, eles decidem agir como grupo e resgatar a filha de Niles. Essa catarse vem por este ser o primeiro momento deles, como um time em que todos ali tem autonomia real sobre o próprio destino. 
Não os eventos dentro do quadro, pq aquilo foi awesome.
Mas o final mesmo, a cena que encerra o episódio. Aquele sorriso trocado entre os personagens e seu mentor. Pq todas as cisões do tipo vistas na série, foram definitivas e brutais. Jane matando os nazistas, o grupo descriando o DeCreator, a surra que o agente Jones leva e a posterior destruição do Bureau pelas...hã...angry butts.... E claro, a pior de todas, a vitória de Jane e Kay sobre seu pai abusador. Todas foram vitórias indiscutíveis e sem disfarce, momentos em que o band aid foi puxado de uma vez e sem dó. E aí termina o ep. e só faltou a piada final, estilo episódio do He-Man, com todo mundo rindo junto. Pq, não nos esqueçamos, independente das motivações de Caulder, ele foi um monstro que arruinou as vidas de DOIS times da Doom Patrol, que pretendia, caso a atual formação não desse certo, abandona-los como um projeto falho e tentar de novo e de novo e de novo, até ser bem sucedido. Não é o tipo de coisa que se perdoa com 5 minutos de conversa e meia duzia de sessões de terapia coletiva. Um dos riscos de se reverter a situação do grupo ao status original é cair na glamourização da dor com a série deixando implícito que as tragédias impostas ao time pelo seu ex-protetor são responsáveis pela paz de espírito que eles encontraram no decorrer do programa, o que seria algo desastroso. O preço disso talvez seja perder a brilhante atuação de Timothy Dalton no show, mas, hey, cortar o cordão umbilical é sempre um processo tenso. Não seguir adiante seria desrespeitoso com toda a jornada que experienciamos junto com aquelas pessoas. Se o plano for manter Niles numa potencial - e ainda incerta - season 2, vão ter que gastar o devido tempo explicando como - e SE - a relação entre tais sujeitos foi posta em ordem. Não que eu ache isso possível, mas....





Mas vou tentar ser copo meio cheio aqui: aquilo, no final,  foi só uma cena e, no máximo, o time deve continuar a manter laços com o chief por causa do futuro da jovem Dorothy. Mas de forma distante, com a relação entre eles sempre com uma falha, como um cicatriz que nunca desaparece. E apenas pq aqueles indivíduos decidiram que é o que querem pra eles. pq agora, eles se percebem (pra quem pensou que eu não enfiaria a palavrinha percepção em algum lugar do texto final sobre o show, tomem essa) como criaturas donas da própria narrativa, literal e metaforicamente falando.  As feridas estão abertas e duvido que se fechem. Mas o processo de cura começou, o que já é algo. A cena entre Jane, Dorothy e Niles dá sinais de que a retomada de laços não é impossível. O final de "Ezekiel patrol" é o doloroso e hesitante primeiro passo de um longo trabalho e de uma longa e tortuosa jornada. Mas ainda assim, um primeiro passo e, afinal, toda viagem, independente de sua natureza, duração e dos riscos envolvidos, começa com um.





- Sobre o episódio em si: tivemos Danny, the street, tivemos Ezekiel, tivemos Flex, ainda que só indiretamente e tivemos Admiral Whiskers. Não tinha como não ser épico. Sobre os dois kaijus do ep, inclusive: falei acima sobre fascismo e o simbolismo pra este que rola por toda a série e não consegui não enxergar os dois monstros como facetas desse conceito que, inclusive, não é estranha pra ninguém nos dias atuais.




Mr. Nobody usou Danny e Ezekiel o quanto pode e os empoderou, até que eles, grandes demais, voltaram pra morder a mão que os alimentou. Whiskers, um animal associado frequentemente à doença e lixo (white trash?). Ezekiel idem. Ambos abraçaram o fanatismo religioso e a opressão como formas de vingança contra "tudo isso que tá aí". Parasitas usando fé e raiva como ferramentas de se agigantarem diante do mundo, de ganhar um poder que não merecem e que jamais conseguiriam de outra forma, rancorosos pela própria insignificância. Familiar?




- A cena da Jane no seu safe space, completamente letárgica, me lembrou o encerramento de Paranoia Agent. O anime, de autoria de Satoshi Kon, é igualmente cabeçudo e cheio de simbolismos. Recomendo com força.




- Larry parece o que está em melhor situação no começo do episódio, mas roteiro e direção  encontram uma forma bem elegante de mostrar que o personagem se encontra no mesmo estado emocional que seus colegas: o local onde ele vai pra liberar o negative man, onde a casa em que ele e Rita moram fica, é quase idêntico ao safe space da Jane. Não é uma coincidência que a ação e a retomada de poder começa pros dois no momento em que eles dão as costas pra esse lugar. No more hiding
- Achei curioso que Mr. Nobody pode redefinir a realidade via narração pq se encontra numa dimensão acima ao dos personagens da série. Ele, por sua vez, vive no white space das hqs. Posso estar lendo demais aqui, mas vejo isso como um sarcástico lembrete de que os gibis são a fonte original dessas histórias e que por mais que o live action faça um bom trabalho de adaptação e por mais que tecnologia de cgi avance e evolua, ainda é uma experiencia secundária. A fonte original ainda são os quadrinhos, o local de real poder daqueles personagens, onde não existem restrições orçamentárias, leis da física a serem respeitadas ou contratos de ator a serem rediscutidos. Papel, tinta e mentes criativas. E o céu é o limite.
- É isso. O final não foi perfeito pra mim, mas foi, indiscutivelmente, muito bom. Pra onde vamos agora, não tem como saber. Hey, nem a season 2 do show ainda é uma certeza. Aliás, nem o futuro da porra da plataforma de streaming para a qual o seriado foi criado é uma certeza. Se houver uma season 2, voltaremos a ela. Senão, foi um bom final, redondinho e cheio de potencial, uma boa história sobre as dores de se virar adulto, de se sobreviver às porradas da vida e de se permitir mudar e adaptar. Evolve or die. A merda sempre vai vir, seja em doses homeopáticas, seja como um tsunami que periga nos engolir. Quando ela vier, como muito bem versaram os membros do Cypress Hill na canção que fecha o ep. e, por sua vez, a temporada inicial da série, o melhor é estar pronto. 


A seguir: Doom Patrol, o gibi. 
And also.... Legion

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