sexta-feira, 10 de setembro de 2021

The book is on the table #01 - "É a esperança que mata".

 Yo, dogs....

"The book is on the table #01". Esse é o nome da nova "coluna" aqui no blog, da qual eu falei semana passada. Batizada, obviamente, pela minha talentosíssima esposa, a mesma mente que deu o nome para a "Monster Mash", a mixtapezinha oficial daqui do Groselha. 

Como já dito, a idéia é adotar um formato meio "newsletter" e falar de forma meio descompromissada - mas nunca superficial - sobre as recentes leituras, filmes vistos, discos ouvidos e o que quer que eu ache interessante de compartilhar com os senhores. 

Comecemos com quadrinhos, pq, afinal, é nossa mídia favorita.


Retomei a leitura de "Gideon Falls". Tinha lido os primeiros, 4, 5 números acho, uns tempos atrás. Até cheguei a comentar sobre em uma das edições do "Sobre homens que podem voar", o podcast que fiz uns tempos atrás e que os senhores podem encontrar lá no youtube (e antes que perguntem, não penso em continuar com ele. Meio desanimado de qualquer projeto que dependa de subir em uma plataforma que se apossa daquilo que eu criei e que cria todo um conjunto de regras imbecis pra definir se eu posso ou não divulgar o que eu fiz para o máximo de pessoas possível. Não quero me preocupar com o algoritmo do youtube, ou do spotify ou qualquer coisa do tipo #Blogging4ever ). Decidi pegar o gibi de volta e.... rapaz.

Digamos que eu tenha parado a leitura anterior antes de uma edição pivotal, daquelas que mudam sua percepção da trama como um todo. Desta vez, fui até a edição 10 e .... novamente... rapaz!!!!

Normalmente, falando de gibi, é fácil vc se concentrar na trama e render todos os loas possíveis para o roteirista, negligenciando o artista que desenhou o negócio. Sei lá, deve ser coisa vinda da nossa relação com o cinema, onde creditamos o filme a uma, duas pessoas no máximo (diretor e roteirista) e esquecemos de toda a horda de pessoas, literalmente DEZENAS, que precisaram botar esforço ali para aquele projeto sair do jeito que saiu. Anyway... todos os méritos ao roteiro de Jeff Lemire mas o que torna esse gibi algo único é a arte.

Sem entrar demais no mérito da coisa pra não spoilar: o padre Willfred chega á cidadezinha de Gideon Falls, uma dessas comunidadezinhas rurais no interiorzão dos EUA. Lá, logo na primeira noite, ele tem seu primeiro contato com o black barn, um barracão negro sinistro, material de lendas - e pesadelos - locais. Ao mesmo tempo, em outro canto da cidade, vemos Norton, um rapaz recentemente liberado por um hospital local depois de um período lá em virtude de suas patologias mentais,e que possui um passado que o conecta ao macabro barracão. Novamente, sem adentrar demais, chega um ponto em que os protagonistas finalmente conseguem acesso ao black barn. Neste momento, para mostrar que eles tem acesso a níveis dimensionais diferentes do 3D, o desenhista, Andrea Sorrentino aproveita para fugir do convencional. Pensem em Promethea e seus momentos mais lisérgicos.

Algo nesse nível. Sério, é impressionante como ele adapta a própria arte para diferenciar os momentos dentro e fora do barracão negro. Eu não consigo descrever o quanto são legais essas páginas e como ele é bastante eficiente em demonstrar que aquilo que os protagonistas estão experienciando é completamente desconectado de qualquer noção de tempo e espaço que nos sejam familiares. Brilhante, absolutamente brilhante. E novamente, o roteiro de Jeff Lemire, um dos grandes nomes dos quadrinhos atuais, só ajuda. É uma trama que bebe do souther gothic, mistura com Twin Peaks, sci fi e..

Sério, só peguem pra ler. Aproveitem que a série é curta. Seis encadernados. Vinte e sete edições. Em uma tarde, vocês matam a série inteira. 

Mudando de mídia, agora falando de cinema.


So. Green Knight. Filme novo da A24. Todo mundo tava no hype depois dos trailers e posteres mostrando um filme particularmente com cinematografia de encher os olhos. Restava saber se a história iria pelo mesmo caminho. 

Na história, acompanhamos o que pode ser a "história de origem" de Sir Gawain, um aspirante a cavaleiro do Rei Arthur, e seu fatídico encontro com o Cavaleiro Verde. O gigantesco homem, meio humano meio árvore, se aproxima da corte Arthuriana nas comemorações de final de ano e propõe um jogo. Um dos cavaleiros irá atacá-lo com sua espada. Um ano depois, este cavaleiro irá até os domínios da criatura, onde receberá dela um ataque nas mesmas proporções que o que desferiu no primeiro encontro de ambos. Depois disso, cada um segue sua vida.

Gawain, tentando mostrar força, decapita o Cavaleiro Verde sem hesitar. Surpreendentemente, o gigante se levanta, pega a própria cabeça e parte, não sem antes lembrar que ele e o jovem tem um encontro, dali a 365 dias. O filme é, basicamente, Gawain indo até o castelo do Cavaleiro Verde para cumprir com sua promessa. 

Se você também se perguntou "pq demônios ele decapitou o bicho, ao invés de só encostar com a espada no rosto do monstro ou algo do tipo?", creia-me, você está no caminho de entender a mensagem do filme. 

Pensem em Amadeus, clássico longa de Milos Forman. Da mesma maneira, Green Knight TAMBÉM é uma história sobre medíocres, sobre pessoas aspirando a grandeza mas em dado momento, sendo confrontadas com a possibilidade de que elas não tenham o que é necessário para atingir tal estado. 

Todo mundo se acha o protagonista do filme, o cara que vai sobreviver ao massacre de zumbis, à invasão alienígena. Ás vezes, no entanto, a vida te lembra que, na tal invasão dos mortos vivos, você não seria o zombie-hunter über cool, matando desmorto com uma serra elétrica, mas sim, um dos mortos-vivos, rastejando sem rumo atrás da próxima dose de massa cinzenta para devorar. 

Você não seria o Negan ou o Rick. Vc seria apenas o Zumbi nº 36 que apareceu por 15 segundos durante um episódio filler e que foi morto com um headshot. 

E dói ser lembrado da própria insignificância, não? É sobre esse desespero, essa busca pela grandeza, esse tatear no escuro, sem a menor certeza de que você pode bancar tal jornada, de que talvez, apenas talvez, você não seja "tão bom assim", que o filme fala. Atmosfera belíssima, um elenco, encabeçado por Dev Patel no papel de Sir Gawain, muito bom e um roteiro eficiente, que passa o que quer passar sem ser didático demais, sem muita exposição e sabendo deixar detalhes nas entrelinhas. 

Eu li sobre o filme ser uma anti-jornada do herói alguns dias depois de vê-lo. Antes disso, no entanto, Stella comentou comigo sobre achar que o filme tinha uma mensagem ambientalista, sobre como tomamos da natureza mais do que precisamos, como pensamos que certas coisas são uma certeza quando - como as mudanças climáticas recentes nos lembram - isso não poderia estar mais distante da verdade. 

E de fato, acho que as duas leituras estão corretas e se complementam. Afinal, não existe nada mais eficiente para lembrar a humanidade da própria insignificância do que a natureza. Tipo, estamos trancados há mais de ano em casa por causa de um vírus, sabe? Um corpúsculo microscópico. Nem uma porra de um ser vivo, de fato. Ínfimo, mas gigantesco o suficiente para botar o arrogante ser humano, com seu hipotálamo altamente desenvolvido e seu par de polegares opositores, de joelhos. Ou deitado eternamente. 

A humanidade se enxerga como eterna e inevitável, até um terremoto, tsunami, uma crise viral ou uma mudança mais radical na temperatura terrestre nos botar em nosso devido lugar. 

Enfim, pra mim, é um dos melhores filmes do ano, fácil no meu top 10. Talvez, no meu top 5. E olha que o ano está bem fornido de filme. 

Estréia sabe lá deus quando, mas vocês já encontram por "meios alternativos". E de qualquer maneira, não vão ao cinema, kemosabe. Covid 19, ya know? Okay, okay, já tem gente com suas devidas DUAS doses tomadas (eu, só no fim do mês), mas mesmo assim, aproveitem que quase todo lançamento grande tá saindo também em alguma plataforma de streaming. O ponto é: vejam da forma que for. 

Um longa sobre aprender a ser herói. Ou morrer tentando.

Por fim, ainda me mantendo no audio-visual, mas agora falando de um tema do qual eu discorro bem pouco aqui no blog: animes.


Eu confesso que nem sequer sabia que Megalobox tinha uma segunda temporada.

Vi, acho que mês passado, a primeira série. Adorei, um dos meus animes favoritos da vida. 

Aí, vi alguém comentando sobre a segunda série no twitter e fui atrás. 

Tem a série inteira no Funimation

Pois bem: estou no episódio 4 de "Megalobox 2: Nomad" e, boy, oh boy. Já gosto mais do que da série original. 

A primeira temporada mostra a história de Joe em um mundo num futuro indeterminado. Próximo o suficiente para tudo ser reconhecível, mas distante o suficiente para mesmo o familiar soar estranho. 

Nesse mundo, as diferenças de classe social parecem ainda mais distintas. Os ricos são MUITO ricos e os pobres.... bom, vocês podem imaginar. Neste mundo, um dos esportes mais populares é o Megalobox, onde boxeadores lutam usando exo-esqueletos tecnológicos que aumentam sua força e velocidade. Prestes a acontecer o principal torneio do ano, Joe e Nambu, seu treinador, decidem adotar uma abordagem peculiar para tentar se destacar e subir no ranking de competidores: lutar sem a tal armadura. Por isso, ele fica conhecido entre os fãs como "Gearless Joe". 

O primeiro ano da série já é particularmente eficiente em estabelecer o mundo no qual ela se passa e em enfatizar a questão da guerra de classes. Não por coincidência: Megalobox é de 2018, ano em que se comemorou o 50º aniversário do clássico mangá Ashita no Joe (de Asao Takamori e Tetsuya Chiba). pra quem nunca leu, Ashita no Joe foi um mangá de boxe publicado em 68. Em seus 20 volumes, a série falava também de pobreza, de classes sociais e do esporte como meio de ascensão social.

Dizer que Ashita no Joe foi importante é eufemismo: a série teve tal impacto na faixa mais jovem da sociedade japonesa da época que suas mensagens e a imagem de seu protagonista, foram adotadas por vários grupos de esquerda em manifestações que pediam por mudanças sociais no país. 

Até hoje um mangá celebrado por sua importância, pelos temas que tratava e, não nos esqueçamos, por ser um excelente gibi de ação. Megalobox surge também como uma celebração de Ashita no Joe e de seus temas.

"então, megalobox é uma versão cyberpunk de Ashita no Joe?"

Não. E sim. E não. Ele usa temas semelhantes mas apenas como base, para falar do mundo de hoje, do mundo de AGORA.

Pode parecer estranho falar de pobreza e Japão, mas lembremos que no ano que "Ashita.." surgiu, o país ainda estava se recuperando do baque da segunda guerra. O suporte financeiro dos americanos já era uma das fontes de recuperação da nação asiática, mas o país ainda sangrava. Foi, pra mim, um choque, ao ler Ashita no Joe pela primeira vez, ver uma favela em pleno solo japonês. 

Então, Megalobox pega esses elementos e os usa para falar do mundo de hoje e a segunda temporada pisa ainda mais fundo nessas questões. A season 2 começa com um salto de 5 anos desde o ultimo episódio da temporada anterior. Neste tempo, algo profundamente traumático aconteceu e causou o afastamento de Joe das lutas de boxe. Encontramos o protagonista perdido, cruzando o país de moto, profundamente quebrado, viciado em analgésicos e distante de todos os demais personagens com os quais estávamos familiarizados. O protagonista acaba, depois de ter sua moto roubada, em um assentamento "ilegal" de uma comunidade de imigrantes.

E pelo simples fato de estarmos em 2021, vocês provavelmente já podem imaginar pra onde essa história vai. 

A série não segura as porradas. Xenofobia, preconceito de classe E contra imigrantes, são discutidos de forma clara. A fantasia de ir para um país que parece acolhedor, em busca de um futuro melhor, em contraste com a realidade de um povo que escolhe imigrantes como bodes expiatórios de toda e qualquer crise social. 

Esta comunidade não é descrita como de nenhum lugar em especial, mas o fato do tom da pele deles ser mais escuro, além da língua latina e dos costumes que remetem ao México, tornam tudo ainda mais familiar para qualquer um vivendo os tensos dias atuais. 

Esse é um ponto em que eu bato sempre: fazer arte política SEM soar proselitista é algo MUITO difícil. Um pouco de sutileza de MENOS e você termina com algo parecido com aqueles conselhos que rolavam no final dos episódios do He-Man. 

Megalobox no entanto, sabe tratar desses temas com equilíbrio. Ainda é uma história de ação, mas uma que discute um estado de direita alimentado por interesses burgueses e que escolhe imigrantes como alvos. Sem excesso de didatismo e sem deixar de ser um anime de esportes. 

Não é um reboot de Ashita no Joe. Está mais para uma reencarnação. Algo que pega as bases do original e atualiza para os problemas do planeta Terra do século XXI. O primeiro arco parece se encerrar no episódio 4. No ponto em que estou, Joe, já em processo de recuperação, decide voltar para confrontar o passado traumático do qual tentou fugir. 

Preciso dizer: em alguns momentos da série, lembrei de "Ted Lasso", série que começamos, Stella e eu, recentemente e que me peguei surpreendentemente adorando. Em um determinado momento, Ted comenta sobre como a idéia difundida na comunidade local onde ele acabou de chegar de que "é a esperança que mata" pode ser uma falácia. Segundo os locais, fã de um time de futebol da cidade que está em vias do rebaixamento na divisão que disputa, é melhor abraçar o niilismo pq, afinal, pelo menos você não se pega decepcionado quando as coisas não saírem como o planejado. 

Ted no entanto, defende que é a FALTA de esperança que mata. De fato, niilismo tem um elemento confortável. "Se nada pode ser mudado, para que tentar?". Ted defende a esperança, em um universo frio e que não dá a mínima para nenhum de nós, como um ato de rebeldia. E essa é uma crença que, confesso, eu sempre carreguei comigo. 

Se deus é um master of puppets sádico se divertindo com meu sofrimento, o mínimo que eu posso fazer é tentar achar alguma felicidade APESAR dele. 

Escapar do niilismo e do desespero é um processo, não um evento. No ponto em que estou de "Megalobox 2: Nomad", Joe começou a longa jornada de volta em direção a...algo. Disposto a resgatar a vitória - ALGUMA vitória - das soberanas e incessantes garras da derrota. 

Não sei ainda COMO ele vai fazê-lo, mas acho que vai ser fascinante estar ao lado dele durante sua odisséia. 


É isso crianças. Longa coluna essa semana. Vou tentar fazer algo mais curto semana que vem. Ou não.

Falo mais de Megalobox quando terminar o anime. E prometo posts também sobre Ashita no Joe e Ted Lasso. QUANDO, eu ainda não sei, mas eles virão. 

Ah, e fiquem espertos aqui no blog que logo, logo, devo subir Monster Mash nova. Musiquinha legal com a SEMPRE EXCELENTE curadoria do tio Hak, pra vocês. 

Respect!!!!

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