terça-feira, 1 de agosto de 2023

Hak assiste TV: The Tick (1994) - eps 01 a 03


THE TICK: S01 - Eps 01 a 03

Hey, ímpios

Hak the bear in here.

Seção nova aqui no blog.

Hak the bear assiste TV. Bem auto explicativa, se vcs me perguntarem

Dessa vez, vamos falar de uma animação que sempre esteve na minha lista de coisas para ver, perpetuamente guardadinha em sua completude em algum canto escuro do meu hd externo onde eu guardo Terabytes da mais pura pirataria: THE TICK. 

Eu, como quase todo mundo com mais de 30 anos de idade, lembro da série animada que passava na TV Colosso nos anos 90. Sei que houveram duas tentativas de criar séries live actions baseadas nesse personagem, com níveis relativos de "sucesso". 

E um jogo pra Super Nintendo. 

Oh, e claro, que tudo isso é baseado na encarnação original do personagem, por sua vez, uma revista de histórias em quadrinhos lançada no final dos anos 80 por uma editora independente. E só. 

Não sabendo exatamente por onde começar, decidi voltar pra clássica animação de 94. 

E "por que ir atrás desse universo?", vc me pergunta.

Bom, vocês não acham fascinante a idéia de ir ver um personagem que satirizava heróis de quadrinhos em um universo pré MCU, pré filmes de superheróis (se pegarmos as hqs, pré inclusive o filme do Batman do Tim Burton)?

Pretendo ver as séries live action também, então deve ser fascinante ver quais eram os tropes de super heróis ridicularizados na época e como eles se diferenciam dos atuais, em um mundo já dominado por filmes de franquias superheróicas no cinema e tv e onde qualquer zé conhece termos como "multiverso" e "cubo cósmico". Ya know, o tipo de coisa que causava horas sem fim de zoação pública pros nerds nos anos 90, quando os meninos mais supostamente "cool" descobriam que você curtia quadrinhos.

E isso soou um pouco mais específico do que eu gostaria enquanto cunhava tais linhas. Enfim, the Tick.

Assisti os 3 primeiros episódios da série animada, além de ter lido também os 3 primeiros números do gibi do personagem e achei umas paradas legais sobre as quais gostaria de falar um pouco.

Primeiramente: definitivamente não é um gibi pra crianças.

Não pq haja nudez (até porque não há) ou por ser gore (até porque não é). Mas porque os temas são extremamente adultos e aqui preciso me prolongar um tiquinho: normalmente, a percepção pública de "temas adultos" é uma história cheia de gore, sexo e niilista. De fato, The Tick vem na mesma toada de quadrinhos com a proposta de desconstruir de forma pós-moderna o gênero dos super-heróis, se colocando lado a lado de clássicos como "Watchmen", "O cavaleiro das trevas", "A queda de Murdock" e os X-men do Chris Claremont, entre outros. 

Só que faz isso direito, ao contrário de um monte de wannabe do Alan Moore. Histórias adultas, de fato, não são histórias "rated r", cheias de corpos explodindo e peitos balançando. Na verdade, isso parece mais a visão que um adolescente tem da vida adulta. 

A "adultidade" de The Tick não vem de cenas extremas, dignas de um filme do Zack Snyder, mas por tratar de temas que, de fato, não vão ser familiares para um teen. Sim, o gibi e o desenho são engraçados e com certeza funcionam com grupos diferentes, de idades diferentes. Mas tem uma dor ali, uma mistura de apatia com desespero existencial que é muito o tipo de coisa que você só vai absorver de fato depois algumas, e me perdoem o clichê, "porradas da vida".

Não é uma coincidência que todo mundo ali está na casa dos seus 20 e muitos/30 e tantos anos. Se você me disser que Arthur, o sidekick do Tick, está mais próximo dos 40 do que dos 30, eu vou totalmente acreditar. 

Alguns exemplos: no episódio dois, temos nosso primeiro contato com Der Fleidermaus ("o morcego", em alemão) que aparece em um momento de planejamento entre o Tick, Arthur, e a American Maid (uma heroína tipo mulher maravilha mas que se veste de empregada com as cores da bandeira americana). Nesse momento rola certa tensão entre o Fleidermaus e a Maid que  remete a um passado em comum entre os dois e traumas de um relacionamento romântico que não funcionou. 

Por sua vez, Arthur, o, de fato, protagonista do primeiro episódio, é o típico millenial. Em um trabalho maçante (contador. E isso vindo de mim, que fui um bibliotecário por anos, quer dizer algo), ele é demitido não por incompetência, mas por se destacar, já que insiste em ir ao trabalho usando seus trajes "super heróicos". 

Observem como todos os demais funcionários ali são idênticos quase, com as mesmas roupas e expressões cansadas. Diabos, o desenho não é sutil a esse respeito.



Arthur desiste do trabalho normal porque, afinal, a vida deveria ser mais que isso. 

Novamente, isso é um desenho de 94, baseado em uma hq de 89. Estamos falando de uma América já sem concorrência no resto do mundo, já pós guerra fria e ainda pré 11 de Setembro. Uma América do pós Reagan, pós Bush Senior e do primeiro governo Clinton. Da "Pax Americana", onde ela se vendia como a ÚNICA super potência do planeta. Supostamente, um período de pujança. E no entanto, esse é o período também de obras como essa, ou "Silêncio dos inocentes". Mais tardiamente, de "American beauty".

Um período em que não havia mais "O" inimigo externo, mas onde você podia sentir, coletivamente, que algo estava....fora do lugar. Do nosso quintalzinho de fãs de gibis, é onde vai rolar a bolha especulativa que vai quase demolir o mercado de hqs e levar centenas de comic shops à falência.

Numa escala mais macro, é onde, por exemplo, o Japão vai levar uma das maiores pancadas de sua milenar história, quando outra bolha, a imobiliária, explode por lá (falo mais sobre isso aqui) o que, além de derrubar o país financeiramente, vai começar a botar em foco as falhas no capitalismo naquele país que, por sua vez, também vão acabar virando temas de "N" histórias sobre como é viver em uma sociedade em lenta extinção. 

Claro que, além disso, temos o protagonista do desenho. O Tick é um raio de luz, perpetuamente com um sorriso no rosto, mesmo nos momentos mais tensos. Sempre disposto a se jogar (literalmente, inclusive) em direção ao perigo. 

E claro, o Tick é completamente louco. Literalmente. Eles cortam isso no desenho (pelo menos até onde eu vi) mas os quadrinhos abrem com o personagem de camisa de força em um sanatório. Segundo o próprio, depois de uma fracassada empreitada onde tentou se declarar o "tirânico líder da Islândia", ele teria achado sua vocação de fato ao abraçar o uniforme azul e se renomear como "O Carrapato". 

Se isso parece ridículo, é porque de fato é, o que aliás, é apontado para ele de forma bem direta tanto no gibi quanto no desenho. 



O contraponto aqui, no entanto, é que ele pode ser louco, mas é um louco insanamente poderoso. Ele tem força acima do normal, invulnerabilidade (bom, "quase", como ele mesmo aponta) e além de tudo, um queixo quadrado de fazer inveja ao Capitão América quando desenhado por Ron Garney. E, claro, sua já mencionada atitude sempre altiva. 

O Tick não é particularmente brilhante mas esse é um universo de força bruta e portanto, ele consegue se virar bem o suficiente. 

De certa forma, ele me parece o resultado de alguém se perguntando "e se o Chapolin fosse norte-americano?"

De fato, tal qual ocorre com o Polegar Vermelho, é a profunda crença (injustificada, ocasionalmente) do personagem a respeito do próprio valor que acaba te fazendo se apegar a ele. 

Isso e, claro, o fato de todos sermos, em maior ou menor proporção, como ele. Um bando de pessoas com seus devidos "poderes", tentando fazer a diferença em um universo que nos quer passivos e dóceis em nossa homogeneidade. "Prego que se destaca" e tals...

Nem os vilões escapam disso: quando os antagonistas são derrotados em seu plano de extorquir dinheiro da prefeitura local em troca de não demolir a represa da cidade, o Tick indaga um deles sobre suas motivações, provavelmente esperando um longo discurso com tons megalomaníacos e com ganas de dominação mundial.

E no entanto....





Simples assim. Porque, como nos lembra o intelectual marxista-leninista Thomas Matthew DeLonge Jr. em sua seminal obra "все маленькие вещи": 

Novamente, não quero falar muito da HQ porque ela vai ganhar texto aqui logo logo, mas um dos primeiros arcos do título envolve um mestre ninja absolutamente PUTO depois que seu sucessor popularizou a idéia do ninjútsu no imaginário coletivo do mundo. O problema é que, com isso, qualquer imbecil decidiu inventar de se tornar um ninja o que pasteurizou significamente o poder desses assassinos e o impacto que eles tem nesse mesmo imaginário. 

A cena do ancião, frustrado em meio a ninjas em videogames, lancheiras e caixas de cereais bate fundo. Quando você comidifca algo e despe esse algo de qualquer senso de urgência e perigo que esse conceito inicialmente tinha. Se a gente for listar aqui, do punk ao hip hop, podemos ficar horas falando de movimentos culturais anti-establishment que foram abraçados pelo mercado e viraram bens de consumo reprodutíveis. O logo dos sex pistols que, hoje em dia, tem o mesmo efeito transformador social do da coca-cola. 

E o tom desse texto pode ser sério, mas creiam-me, tudo isso é feito com um senso de humor muito legal. Eu me peguei rindo diversas vezes, seja pela identificação com o quanto a comunidade super heróica do mundo de the tick é formada por um bando de fudi** que nem eu ou vc (sem ofensa), seja pelo quão desconectado de qualquer coisa remotamente próxima da realidade o protagonista da série é.

I mean, o desenho tem um personagem que é o Human Bullet e o "poder" do sujeito é ser disparado por um canhão gigante, do quintal da casa dele, em direção ao "perigo". Detalhe: ele não tem poder de vôo ou qualquer controle sobre onde e como vai atingir esse tal perigo. Ele só.... vai...


Ou o Sewer Urchin, um "homem-ouriço do mar" que opera nos esgotos de Nova York e em virtude disso, acaba sendo ostracizado por demais heróis por causa do seu "perfume" peculiar. 

O plano de Chairface Chippendale, no ep. 02, é uma variação em macro escala de escrever o nome em uma parede pública, tá ligado? Tipo quando tu assina teu nomezinho no cimento molhado? Só que em escala cósmica. 

Ao mesmo tempo em que estão enfrentando masterminds psicóticos, esses heróis tem que preocupar em pagar as contas ou, no caso do ep. 03, em como Arthur vai contar pra irmã que ele abraçou o trampo de "justiceiro urbano" em tempo integral.

Diabos, eu não sei absolutamente NADA sobre Big Shot, um dos heróis locais, mas apenas ver essa versão ainda mais bizarra do Punisher atirando em coisas de forma completamente indiscriminada enquanto sorri E chora ao mesmo tempo já me fez rir e ao mesmo tempo, o tornou meu personagem favorito.

Animado em mergulhar no universo de The Tick em suas diferentes versões e veículos. Falo mais conforme for avançando da série e na HQ. 

Mas de resto, seja você um adulto ferrado, um millenial ferrado ou mesmo um teen que começou a se tocar do vespeiro que se enfiou (ou em que foi enfiado, sejamos justos) conforme vai se aproximando da vida adulta, meu conselho sobre a série: a animação envelheceu até que bem, o roteiro continua afiado, os personagens são cativantes e a dublagem é hilária. Façam como o protagonista do gibi e do desenho, ímpios: só se joguem. :-)

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