terça-feira, 29 de agosto de 2023

A trilogia do Maestro - O último monstro em pé...



A trilogia do Maestro, de autoria de Peter David e com Javier Pina, Pasqual Febry, Wilton Santos, Sebastian Cabrol, Oren Junior e German Peralta na arte, retoma a distópica versão do personagem que o próprio David criou, 30 anos atrás, na clássica Futuro Imperfeito. As 3 séries (Symphony in a Gamma Key, PAX e World War M) funcionam como um prequel, mostrando a jornada que levou o Hulk a se tornar o Maestro. Dizer que minhas expectativas estavam altas a respeito desse gibi seria um eufemismo monstruoso. Peter David revolucionou o incrível Hulk durante os 12 anos que passou no título, reinventando e agregando novos elementos à mitologia do gigante verde (e cinza).
Exatamente por sua experiência prévia com o personagem, vemos que ele resgata personagens e momentos e mesmo temas sobre os quais ele já tinha se debruçado previamente.
Depois de se libertar de uma prisão onde foi mantido por décadas, o Hulk descobre que o mundo foi destruído. E os responsáveis?

Nós.

"A humanidade é uma espécie suicida" como alguém disse certo dia.

A frustração e a raiva decorrente dessa tragédia são dois dos gatilhos que vão levar o dr. Banner pela sombria jornada adentro até adotarem a persona do líder despótico que protagoniza o gibi.
Dois temas percorrem toda a série. Em ambos, temos elementos de tragédia (e uso o termo aqui pensando na interpretação clássica dele, ou seja: "a saga de um homem lutando, quase sempre em vão, contra o próprio destino").
O Hulk sempre se destacou em meio ao panteão de personagens da Marvel por, tal qual ocorre com o Quarteto Fantástico ou os X-Men, ele NÃO ser um super herói. Heróis salvam gatinhos de árvore, resgatam pessoas de tragédias. Heróis salvam o mundo.
O Hulk, não.
Qualquer bem que ele tenha trazido a humanidade enquanto espancava monstros, era fruto do fato dele encontrar criaturas piores que ele próprio. No final, o personagem não queria salvar o mundo de nada, apenas... ficar só. 
Peter David injetaria tons de drama psicológico no personagem, transformando o gigante verde na personificação dos traumas de um garotinho vitimizado pelo pior monstro que ele iria encontrar: seu pai. Brian Banner diversas vezes espancou o jovem Bruce, motivado pela inveja já que o garoto tinha em si a genialidade e mente super intelectual que ele sempre almejou, sem sucesso. 
Chega a ser irônico que desde pequeno, Bruce já era um gigante que forçava os demais a olharem para cima e a serem confrontados com a própria insignificância. O incidente com a bomba gama que lhe daria super poderes apenas tornaria esse elemento em algo literal. 
A tragédia aqui se manifesta quando percebemos que a longa jornada do personagem motivada pelo seu desejo de se distanciar o máximo possível de tudo que lhe fizesse parecido com o seu pai apenas o levou em direção inevitável a tal destino. Rick Jones menciona brilhantemente o quanto Bruce finalmente se tornou Brian. Um monstro, de fato. 
A segunda tragédia se conecta também com o já mencionado fato do Hulk não ser um herói. Quando observamos quem são os antagonistas do Hulk durante essas 3 histórias, todos são homens que acham que, em condições insanamente adversas, eles estão fazendo o melhor que podem para manter o mundo no lugar. Hércules, Von Doom, o Panteão, Namor. 
E claro, o próprio Hulk. 
Todos ali se enxergam como os heróis de suas próprias narrativas. 
"A ultima barreira entre a humanidade e o caos". 
É fascinante como, no arco final da trilogia, o personagem de Emil Blonsky, o Abominável, quebra esse ciclo, ao apontar como a fronteira entre heróis e vilões é subjetiva. O herói pra um grupo é o traidor para outro. O salvador aos olhos de um grupo é o déspota para outro. Quem determina o qual?
Emil matou Betty, a esposa de Bruce, como uma resposta ao fato do Hulk ser o responsável por ele ter se transformado na criatura monstruosa que se tornou. Mas ao mesmo tempo, ele era um espião russo enviado para sabotar o projeto da bomba gama. 
Quem é o vilão da história e da História? 
A trilogia é um retorno interessantíssimo ao universo distópico de Futuro Imperfeito e uma discussão interessante sob os efeitos corruptores do poder. 
Ao final, David e a equipe de arte nos lembram que a tragédia e o horror que são inerentes ao personagem do Hulk vem do fato de que sua jornada, desde a adolescência, passando pela explosão da bomba Gama que lhe tornou uma das criaturas mais poderosas da terra 616 e todas as suas aventuras a partir daí, não eram de fato uma jornada que o distanciou de seus piores medos e do inferno de onde queria fugir, mas um labirinto circular. E pior, uma casa de espelhos como as de um parque de diversões. E existe pior horror que, ao olhar em um espelho, ver o monstro que mais tememos e que é tudo aquilo que mais odiamos no rosto que nos olha de volta?

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