quinta-feira, 23 de maio de 2019

Nada a ver com nada mas.. ou Como um episódio de seriado me ensinou a parar de me preocupar e aceitar (algum) Deus.

Eu tenho quase 40 anos de idade e acho que me sinto confortável em afirmar com certeza absoluta que nestes quase 14600 dias de vida, eu nunca passei por aquilo que as pessoas se referem como "experiência religiosa" em um templo, igreja, ou algo do tipo. Okay, eu já fui evangélico por um rápido período entre os 10 e os 12 anos mas o percurso que me levou a isso foi menos uma busca por alguma forma de deidade e mais a combinação do puro medo da morte, somado a um pesadelo particularmente sinistro envolvendo o demônio. Aos 12 anos, escolhi o agnosticismo, até pq ateísmo era um termo proibido na casa dos Oliveira Costa. Os motivos que me afastaram do Deus cristão? Bom, digamos que eu cheguei naquela idade em que vc começa a se fazer as perguntas inconvenientes e hey, pra alguns, respostas vagas são suficientemente convincentes. Infelizmente, não eu não estava disposto a acreditar que os dinossauros nunca existiram, com seus ossos sendo um plano bizarro de Satanás para descreditar o criacionismo. Não, eu não estava disposto a acreditar que todas as demais religiões do planeta fazem parte de uma conspiração demoníaca para dominação mundial. E não, eu não estava, nem mesmo aos meus 10 anos de idade, disposto a acreditar que toda a história do planeta girava em torno dos dramas interpessoais envolvendo um cara, uma mina, uma maçã e uma cobra falante. 
De lá pra cá não houve nem o mais remoto interesse em abraçar alguma forma de espiritualidade. Okay, admito que provavelmente, num avião caindo ou com um parente às portas da morte, provavelmente eu vou rezar pra algo. Mas essa relação de conveniência se daria da forma mais prática possível e pra uma entidade sem rosto. A primeira que responder, fecha o negócio. 
Por motivos que são só meus - e continuarão sendo - não nutro particular carinho por nenhuma religião em específico. Antipatia total, só por aquelas que tentam enfiar algum academicismo no meio, como uma forma de querer comprovar cientificamente que seu amigo imaginário de preferência é algo real. Mesmo que tal comprovação seja a negação da fé em sua essência já que fé gira em torno da dúvida, não de certezas empíricas, mas hey, o que diabos sei eu?
Satanismo é legal, mas o lance é mais pra ofender a crentaiada do que uma crença genuína. Recentemente, me vi simpatizando com La Flaquita, La nina de blanco, La mas formosa. Ou, pros íntimos, Santa Muerte
Eu gosto dela por dois motivos simples: primeiro, uma santa que é adorada por todo o tipo de gente, dos matadores do narcotráfico mexicano até a tiazinha do taco, é alguém que merece meu respeito. 
Segundo, pq do governo mexicano até o vaticano, ninguém "oficial" vai muito com a cara da Santa. E qualquer entidade que seja mal vista pelas forças "oficiais", me parece digna de atenção, considerando o quanto eu sei como é ser visto como um pária a partir da perspectiva das pessoas "normais". E afinal, quanto tudo é dito e feito, eu nunca senti Deus perto de mim, nunca vi um anjo ou um demônio, nunca testemunhei nada que não pudesse ser explicado como fruto de muita auto-indulgência e certa sugestão exterior. Mas eu já perdi entes queridos. Pra mim, Deus não existe. Mas a morte sim. Então, adoremos aquele ser que já mostrou seu rosto e seu trabalho, por a+b, diante dos meus olhos. 
Enfim.... meu ponto aqui: Não gosto de dogmas, de subserviência, acho que escola dominical é um conceito que só se justifica em termos religiosos por ser uma idéia tão imbecil que deve ser obra do tinhoso em pessoa. Okay?
Okay.



Mas, como o titulo desse texto indica, recentemente me vi repensando a respeito de minha postura a esse respeito. Spoiler alert: não, cristãos, não tô indo pra Bola de neve ou qualquer atrocidade do tipo. Entre os vários e vários e god almighty, VÁRIOS programas de tv que assisto atualmente, um deles, um dos meus preferidos, aliás, é Brockmire, seriado de Joel Church-Cooper e Hank Azaria (tb no papel do protagonista), exibido pela IFC, atualmente em sua terceira temporada. A série, pros neófitos lendo isso, conta o dia a dia de Jim Brockmire, um dos maiores locutores esportivos dos EUA, lenda do baseball, herói nacional........até o dia em que cai em desgraça publicamente, depois de um breakdown em virtude de ter pego sua esposa no flagra com outroS homenS. Ao mesmo tempo. 
Alguns anos mais tarde, depois de um período de volta ao anonimato (onde, inclusive, ganhou a vida fazendo narração de rinhas de galo clandestinas na Tailândia), o locutor tem a chance de voltar à cabine e aos jogos de baseball ao receber uma oferta da dona de um timezinho minúsculo numa cidade no interiorzão dos Estados Unidos. A partir daí, a série é uma lenta retomada de Brockmire à fama e a tudo de bom e ruim que vem com ela. A série é mais uma naquela tendencia de "comédias bad vibe", tipo Bojack Horseman, mas um tiquinho mais light. Daqui pra diante, spoilers pesados..

...

Ainda aqui? Bom, tão avisados.
Depois de duas temporadas onde Jim tentou aliar a retomada de carreira com a retomada de outros tipos de carreiras, só pra nos mantermos em UM dos vários e vários e benzadeus, VÁRIOS entorpecentes apreciados pelo jornalista, ele atingiu aquele ponto do fundo do poço em que enough is enough e foi hora de pedir ajuda. Chegamos à terceira temporada e o sujeito tem conseguido passar pelos steps do programa de reabilitação com certa graciosidade, até atingir aquele que lhe obriga a colocar sua fé em uma força "maior". E o problema é que Jim é tão ateu quanto este que vos tecla.
O que nos traz ao maravilhoso episódio mais recente da série, Disabled List. Matt Hardesty, outrora desafeto do protagonista, agora tem nele seu único amigo, depois de uma vida de excessos e escolhas que o isolaram de todos os demais. O que é bastante inconveniente, considerando que o homem tem um câncer terminal. No leito de morte, ciente da própria finitude, o personagem - vivido brilhantemente por J.K. Simmons, numa atuação que, se há de fato alguma justiça no universo, não passará despercebida pelas premiações anuais - pergunta ao amigo se ele crê na vida após a morte.
Agora, vejam bem: eu sou ateu? Com orgulho. Eu sou ateu ao estilo Rick Gervais? Não apenas a resposta aqui é "Não", como acho esse tipo de ativismo meio babaca, uma versão inversa do realizado pelos evangélicos. Mas mesmo eu teria problemas em admitir isso pra uma pessoa assustada, face a face com o oblívio e usando tal crença como silver linning. Brockmire, no entanto, e incentivado pelo amigo, manda a real. Vamos morrer, não há nada a seguir, e o que resta são apenas nossas memórias naqueles que encontramos pelo caminho. MAS, no entanto, isso não quer dizer que a vida de Matt não tenha valido a pena e, mais ainda, não tenha sido ela, a seu modo, uma celebração religiosa.
Ela foi e o deus deles...foi o baseball. O estádio foi seu templo, a cabine de narração, seu púlpito. A vida dos dois, uma intensa celebração da experiência mística que é a transmissão de um esporte coletivo de massa (e se vcs já viram uma final de campeonato brasileiro, vcs sabem tanto quanto eu que nenhuma igreja nessa vida chega perto daquele nível de catarse e comunhão). 
Matt tem seu conforto antes do descanso final. Jim, sua força maior na qual depositar sua fé e sua vida. 
E eu, por outro lado, também saio com minha cota de transubstanciação dessa experiência. 
Eu não gosto de baseball, apesar de minha camiseta dos new york yankees poder indicar o contrário.
Na real, eu não gosto de esporte nenhum. Até tentei, sem sucesso, gostar de futebol em uma época.
Aliás, curiosamente, pela mesma razão que, durante um período curtíssimo de tempo, ensaiei voltar à ir á igreja, lá pelos 20 e poucos anos, já morando aqui em SP: a vontade de pertencer à um grupo, de fazer parte de um coletivo de pessoas. Aquilo de querer achar o teu crew no mundo, tua família, manja?
Obviamente, ambas as experiencias foram um fracasso. MAS...... isso não quer dizer que minha vida tb não seja uma celebração à uma forma de força maior. Obviamente, eu me refiro à cultura pop e, mais especificamente, ao cinema, aos quadrinhos, a música, os games e ao pro wrestling.

Eu tenho meus templos sagrados





Meus livros sagrados




Meus santos, maiores que a vida...







Via redes sociais, eu tenho, se e quando eu quiser, o lance da experiência coletiva, da comunhão com meus iguais em tais crenças. 


Minhas canções de fé....


No caso dos games, tem até o lance da experiência compartilhada, já que eu conto com Stella ao meu lado pra alguns deles (ontem mesmo, terminamos Gorogoa, e foi de fato, algo mágico, quase espiritual. Da mesma forma quando terminamos os Personas 3, 4 e 5 e quando zeramos Okami). 

Todos os lugares, pessoas, obras e experiências retratados nas imagens acima foram, entre outras, momentos em que eu deixei de apenas ser "eu" e consegui tocar com a ponta dos dedos, aquela coisa sublime e transcendental que alguns entre nós chamam de Deus. 
Killer Mike em seu "R.A.P. music" disse que o hip hop era sua experiencia religiosa. Essas são as minhas. Tinta, imagens, vídeo, som e sangue, tudo isso virando storytelling e convergindo pra magicamente, mudar o mundo. 
Alberto Caeiro dizia que se Deus quisesse que o adorássemos como Deus, ele se mostraria pra gente como Deus. Como ele se mostrava a ele como montanha, floresta e rios, como sol e luar, ele o adoraria dessa forma. Da mesma forma, eu nunca senti a presença de nada dentro das várias igrejas em que entrei. Mas momentos como os proporcionados por um episódio de Brockmire me fizeram conectar com algo muito maior que minha insignificante pessoa. Uma página de gibi. Um filme. Um jogo. Uma música. Um episódio de seriado. Olhei nos olhos de um wrestler prestes a dar seu finisher, de um super herói prestes a se enfiar numa luta pelo destino do universo, de um timelord prestes a desafiar o espaço e o tempo, de um cantor abrindo seu coração e sua alma em forma de palavras e sons. E, apropriadamente aqui, de um narrador de baseball em recuperação. E o que vi me olhando de volta, foram os olhos do Altíssimo. 
"E faça-se a luz".

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