quinta-feira, 31 de julho de 2008

Being Victor Von Doom - Parte II (continuação do post abaixo)

Ainda adolescente, mata uma pessoa pela primeira vez (numa cena que vai ser relembrada em diversos momentos da obra), estrangulando um militar que pretendia leva-lo para a execução diante do Barão (lembrando que o clã de Von Doom nunca deixou de ser visto como maldito em sua terra natal. Isso aliás foi o que levou Werner, pai de Victor, à morte, numa cena de arrancar lágrimas.), o que viria a selar seu (sem trocadilhos) destino. Mas depois voltamos à isso. Genial desde muito jovem, Victor usou os conhecimentos de sua mãe, e mais a tecnologia que sua mente brilhante lhe permitiu desenvolver, para tentar resgatar sua alma (dela) das mãos do demônio. Com o tempo, os boatos a respeito do intelecto do garoto chamaram a atenção de diversas autoridades ao redor do planeta, o que rendeu à Von Doom uma bolsa de estudos nos E.U.A. Lá, se aprofundou no campo das ciências e teria sua vida completamente mudada por dois eventos: 1- O encontro com aquele que seria sua nêmesis, o Dr. Reed Richards. (futuramente, Sr. Fantástico, líder do QUARTETO FANTÁSTICO) 2- E, mais importante, o acidente que o deformou. E aqui Brubaker insere o primeiro retcon (Ou seja, revisão de acontecimentos ligados ao passado do personagem) da trama, já que sempre foi dito que o jovem ficou deformado num acidente numa experiência cientifica. No entanto, nessa nova versão, o que causou-lhe o acidente quase fatal foi o fracasso na primeira de muitas tentativas de ir ao inferno resgatar a alma de sua mãe (e seu primeiro contato com Mefisto, sr. do mundo abissal). Na esperança de estar preparado para o confronto com a besta-fera, Von Doom uniu conhecimentos de magia e ciência, mas que se mostraram insuficientes. Como o rapaz JAMAIS iria admitir que cometeu um erro, preferiu distorcer a realidade e imaginar que Richards, que viu momentos antes no seu quarto, olhando de forma curiosa suas anotações, teria sabotado suas anotações, por inveja. (Assim surgiria o ódio dele pelo líder do Quarteto). Depois de alguns eventos, (envolvendo inclusive uma viagem à um monastério no Himalaia), já treinado e mestre nas artes da ciência e da magia, Von Doom, agora usando a armadura e o título pelo qual entraria para a história, volta para sua terra natal e, aliado à população local, consegue derrotar o exército do Barão. A cena aqui é interessantíssima, já que ele elimina o inimigo de longa data da mesma forma que matou o soldado latveriano, na primeira vez em que tirou uma vida. Os dois momentos chave na vida do personagem. Naquele momento, Victor Von Doom morria. Aqui, nasce, de uma vez por todas, Dr. Destino, monarca latveriano. Numa jornada que (se minhas contas não tão erradas), levou menos de 30 anos, Doom conseguiu o primeiro de seus dois grandes objetivos * Chegamos aos dias de hoje. A Latvéria é um dos países mais poderosos do mundo, econômica e militarmente (graças as armas e exércitos de robôs, desenvolvidos pelo seu líder). Voltando ao foco desse texto, se perguntado sobre o que seria a natureza do mal, Destino provavelmente concordaria com Nietzche. Afinal, dificilmente Von Doom veria a si mesmo como vilão. Se ele tornou a Latvéria , nas palavras do Sr. Fantástico, a “Disneylândia do Terror” foi pra fazer frente aos seus inimigos imperialistas (o que faz todo sentido, afinal, seria difícil imaginar que os Estados Unidos e a antiga URSS – bem AO LADO da Latvéria e em plena GUERRA FRIA – iriam ficar quietos vendo um pais minúsculo despontando como potência econômica e armamentista). Se ele sacrificou cada parte de sua humanidade, foi para proteger seu povo, condenar os assassinos de seus pais e salvar a alma da única pessoa que verdadeiramente amou das mãos de Mefisto. Provavelmente, e vejam a ironia aqui, Destino seria incapaz de ver a si mesmo como uma vitima das circunstâncias, alguém com uma sombra sinistra acompanhando seus passos, já que, para o monarca latveriano, ele não é um vilão, apenas desempenha o papel de um jardineiro que precisa eliminar ervas daninhas para manter seu jardim saudável. E esse é um dos charmes da obra, já que ao final da história, tendo visto tudo que vi, não me considero mais apto a julgar os atos de Destino do que antes de lê-la (muito embora ela tenha acrescentado novos níveis de profundidade em um dos personagens mais densos dos quadrinhos). Então, através da jornada de Von Doom, pudemos localizar diversas possíveis fontes pra manifestação do mal que ele viria a se tornar. “Imposição divina”, futuro “gravado em pedra” (pelas ações de sua genitora), certa ganância, um toque de insanidade (inclusive apontado em algum momento da trama. O autor desse comentário tem poucos segundos pra perceber a estupidez de tal ação antes de ser carbonizado vivo), ação de forças metafisicas malignas, algumas escolhas individuais equivocadas (ok que algumas com a melhor das intenções)? Todos os anteriores, mas eu tomaria o cuidado de acrescentar mais um elemento: a impossibilidade de enxergar o mundo através da dicotomia “bem e mal” que norteia a vida da maioria das pessoas comuns.Von Doom não se enxerga como um homem comum, logo, não precisa medir o valor de seus atos a partir de conceitos comuns. Mas ainda assim, vamos perder certas nuances da sua personalidade que seriam interessantes de se observar. Por exemplo, desconsiderando paradigmas religiosos e semelhantes, pensando de forma meramente empírica, consideramos maus os indivíduos que obtém prazer a partir do sofrimento de outros, quer seja de forma direta ou indireta. Nesse caso, o caminho que trilhamos até aqui, dentro da psique de um “super-vilão” torna-se um tanto nebuloso, já que Von Doom, apesar do conforto típico de um monarca, não obteve prazer ou ganhos pessoais. Sua mãe está livre, seu povo o adora (e não apenas por medo, mas de forma sincera), mas ainda assim (apesar da satisfação das vitórias), ele não é um homem feliz, e não apenas pela incapacidade em vencer o Quarteto Fantástico, mas também por ter ido longe demais em busca da conquista de seus objetivos. O jovem se tornou um homem preso numa armadura, incapaz de ser tocado, perpetuamente isolado do mundo em que se insere, num ciclo perpétuo de obsessões e autodestruição (a obsessão por vingança contra os assassinos dos pais, a obsessão em derrotar o demônio, a obsessão em vencer Reed Richards, cada uma delas levando uma parte de sua humanidade). Claro que, são mais de 40 anos de histórias do personagem, logo, conforme os autores mudam, diferentes perspectivas do personagem são mostradas (algumas completamente dispensáveis, aliás), com ele se revelando mais e menos cruel, ou maquiavélico, etc. Mas ainda é possível pinçar bons momentos em que o personagem é retratado com justiça e coerência, e, a partir dos elementos adicionados aí, construir uma linha cronológica** e sob essa visão, entender como funciona sua mente, suas motivações e desejos. Então, isto posto, a que conclusões definitivas podemos chegar? Von Doom tem planos e quer realiza-los, independente das motivações por trás de seus atos e ainda que obtendo uma pilha de cadáveres como resultado. Ele vai promover o bem ao seu povo, goste ele ou não. Vai tornar seu país uma potência, ainda que o custo disso seja a liberdade individual de cada Latveriano vivo e o ódio do resto do mundo. Ele não quer dominar o mundo (é bem verdade que já teve tais pretensões), apenas cuidar de seu país e ser deixado em paz. E claro, ele quer a cabeça dos membros do quarteto fantástico numa bandeja (afinal, ele é um personagem de histórias em quadrinhos de super-heróis, então, alguma motivação vilanesca ele precisa ter). Volto, então, à grande questão que permeou todo este texto. Vemos que o autor confere algumas respostas, mas o resultado final é que ainda parece estar faltando uma peça chave pra resolver o quebra-cabeças. Esta questão sob quais as motivações que transformam um homem num monstro, pelo menos sob a perspectiva do personagem foco desta história (e deste texto) é inteligentemente deixada em aberto. Não apenas pq o autor da história quer permitir que cada leitor faça seu próprio julgamento dos atos de Von Doom, como também, implicitamente, ele sugere que entender o mal e como funciona a cabeça daqueles que trilham seus caminhos sombrios, talvez seja o primeiro passo para se perder dentro dele. Parafraseando Nietzche novamente, “quando vc olha para o abismo, ele te olha de volta” (aí remetendo um pouco à viagem que fazemos dentro da cabeça de Rorschach, em Watchmen.) Ou talvez o erro aqui seja procurar uma resposta lógica, me baseando em conceitos racionais e ignorar, ironicamente, um elemento que, para quem, como eu, crê nele, jamais pode ser ignorado: refiro-me ao peso da mão caprichosa do acaso. Ou se preferirem, do Destino.

*O segundo, vale ressaltar, ele também conseguiria algum tempo depois. Destino, aliado ao Dr. Estranho, consegue descer ao Inferno e salvar a alma da mãe, que ascende ao Paraíso. A empreitada, no entanto, acaba lhe custando caro, já que sua mãe se choca ao ver o que o seu filho se tornara na esperança de salva-la e acaba rejeitando-o. Apesar da história dar a entender que tudo, inclusive a rejeição por parte da mãe, fazia parte do plano do Monarca Latveriano para conseguir que ela ascendesse aos céus, é interessante, novamente fazendo uma analogia aos protagonistas de O Poderoso Chefão e Star Wars, notar que, para conseguir seus objetivos, o tirano teve que abrir mão da coisa mais valiosa para si. Mas isto é uma outra história que fica pra ser comentada no futuro.

**Só por curiosidade, a minha linha cronológica do personagem incluiria, entre outros títulos que me fogem á memória, the FANTASTIC FOUR Nº. 5 (com a primeira aparição de Destino), boa parte das aparições do vilão nas séries regulares do quarteto (sob os roteiros de John Byrne e posteriormente, Walter Simonson), o especial “Vícios e Virtudes”, citado acima, onde Destino finalmente derrota Mefisto, o crossover “X-men Vs. Quarteto Fantástico”, publicado em Épicos marvel nº1 (de 1991, pela Editora Abril), que eu acho fantástico por mostrar o personagem quase conseguindo levar Reed Richards à ruína sem dar UM ÚNICO SOCO, apenas por meio de estratagemas genais e manipulações dignas de um enxadrista. Além destes, tb incluo a mini-série “4”, de Grant Morrison e Jae Lee e o excelente arco “Sob sua pele”, de J. Michael Straczynski, na série mensal do Quarteto, onde vemos que se Von Doom pode ser mostrado como um aristocrata até digno de alguma simpatia em alguns momentos, ele também, em outros, é um MONSTRO capaz de atos diabólicos.

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