quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

"This is our last dance. This is ourselves....."



Ok, falemos sobre "Under Pressure". a.k.a., a 2ª música mais bonita do mundo.

Um dos motivos pelos quais eu acho "Phonogram" e sua "série gêmea" "The Wicked + The Divine" criações únicas nos quadrinhos, é o profundo amor que têm por seu tema principal: a música como magia. Literalmente.  Nas séries citadas, ambas criações da dupla Kieron Gillen e Jamie McKelvie, música está literalmente conectada à eventos mágicos. Só muda o enfoque. Enquanto em Phonogram, o foco é na música em si, como ferramenta mágica, em "WicDiv", o foco está nos artistas, deuses criadores e dos fãs, seus fiéis adoradores. Ok, no nosso mundo, não podemos soltar raios ou caminhar entre dimensões por meio da música, mas ela não deixa de ter sua cota de magia. Pensem comigo: num momento, o silencio. No seguinte, uma série de notas, algo puramente conceitual, nos atinge, provocando uma série de reações e memórias. Palavras e sons que magicamente, criam vida e mudam a realidade. Por meio dessas, artistas conseguem encantar um número pequeno de pessoas. E depois um número maior.
Alguns, conseguem encantar milhares, milhões. Ídolos (que é mesma palavra pras estátuas sacras que representam, vcs sabem....deuses). Voltemos, no entanto para o mundo prático: pra transitar entre públicos (que por mais numerosos que sejam, ainda são um nicho, fechado, podendo ser avessos à alteridade), no entanto, mesmo esses deuses precisam de uma "ajudinha".


Crossovers, como são chamados os encontros entre diferentes personagens de quadrinhos numa mesma história, eram relativamente comuns entre artistas da música na década de 80, uma forma de tentar apresentar um determinado artista a um público completamente diferente. Essa moda de composições conjuntas já tinha gerado encontros como o de Lionel Ritchie e Diana Ross, só pra ficar num exemplo de grandes nomes da época.
Ajudava tb que as circunstâncias facilitavam: tanto o Queen quanto Bowie estavam na mesma região, Suiça, gravando seus respectivos trabalhos (o Queen gravava pro Hot Space. Bowie, trabalhava na faixa "Cat People" pro filme de mesmo nome). Bowie foi convidado para gravar participação numa outra faixa, mas o trabalho não foi adiante. MAS..... Brian May, Roger Taylor, John Deacon e Freddie Mercury decidiram apresentar-lhe uma música na qual estavam trabalhando na época e ver se rolava química. A música, até então, se chamava "Fell like".



Reconheceram? A versão acima já trazia elementos da versão que viria a pública, salvo dois fundamentais: a participação de Bowie, obviamente (que também compôs parte das melodias da música) e, PRINCIPALMENTE, o baixo, provavelmente a segunda linha de baixo mais famosa do mundo, só perdendo, provavelmente, pra de "Thriller". Quem criou o baixo da música? Bom, existem versões da história que dizem que foi o próprio Deacon, tem versões que dizem que foi Bowie, e versões que dizem que o criador de Ziggy Stardust cantarolou as notas pra Deacon, que finalizou o negócio. Certeza, apenas, o fato de que o mundo quase perdeu essa maravilha: Segundo Deacon, entre as gravações, o grupo foi sair pra comer uma pizza e quando voltaram, o baixista tinha esquecido completamente de como tinha criado sua parte na música. Por sorte May tinha uma memória razoavelmente boa e salvou o dia, relembrando a composição nota por nota.



Falo da melodia mas o trabalho vocal é parte do que torna essa faixa em algo absolutamente mágico, desde a inserção quase raivosa de Bowie até os improvisos de Mercury (e improvisos mesmo. O cantor manda nos vocalises simplesmente pq, ao contrário do combinado, não havia se dado ao trabalho de compor sua parte das letras :-) )


"Feel like" acabou virando "Under Pressure". O que originalmente seria uma canção romântica, virou uma música sobre..... nostalgia. Em retrospecto, não é surpreendente que essa seja minha segunda canção Bowieana (ok, mezzo) predileta. Vcs sabem qual é minha favorita e ambas versam sobre um mesmo tema: finais. Ashes to ashes, num tom mais trágico. Essa, com o olhar de quem teve dias grandiosos e teme pelo futuro. E não sem razão, afinal, a década seguinte não vai ser particularmente gentil com nenhuma das duas partes envolvidas na criação da canção. O Queen quase se esfacelou nessa época, com atritos entre seus membros e o futuro fracasso retumbante de "Hot Space", álbum de 82. Com o disco seguinte eles voltariam a ter algum sucesso (é o album de "I want to break free"), mas...
Enquanto isso, Bowie encontraria o sucesso financeiro com albuns como "Let's Dance" e "Tonight" mas ao custo de certa integridade (não é pra menos que ele se refere a essa época como seus "dias de Phil Collins"). E, claro, ele tb teve sua cota de fracassos, com o lançamento de "Never let me down". 




But again, "mágicka". "Under Pressure" foi lançada como single e foi um sucesso absurdo. O segundo single do Queen a chegar ao primeiro lugar das paradas britânicas. O seu antecessor? "Bohemian Rhapsody". 

Pois é. (e eles só viriam a repetir o feito uma década depois, com "Innuendo")

Um clipe foi feito com imagens de arquivo e lançado, tb com imenso sucesso. Sim, crianças. Imagens de arquivo. Bowie e Mercury NUNCA cantaram essa música juntos, ao vivo.
Bowie, aliás, só iria passar a incluir "under pressure" no seu setlist de shows depois de canta-la no tributo ao Freddie Mercury, logo após a morte do cantor, onde interpretou a música junto com Annie Lennox.


Como eu disse, "magicka". Aconteceu uma vez, nunca mais se repetiu. Melodias que quase se perderam, letras improvisadas e gravadas às cegas (Mercury e Bowie não gravavam juntos e um não sabia o que o outro havia composto. Essa aleatoriedade vem da tradição de cut up lyrics, marcante na obra Bowieana, com frases aleatórias reunidas de forma a conferir alguma unidade a elas) Uma janela criada pela reunião de algumas lendas da música pro passado, lamentando pelo final dos "golden years", o final de um ciclo e o início de outro. No final das contas, tb uma elegia ao final de uma época. Se em Ashes to ashes, essa elegia vem com ares trágicos, aqui, ela se apresenta como um BANG. Uma ultima homenagem aos "bons e velhos dias". Uma ultima dança.....


- uma pequena curiosidade, pra quem curte ocultismo, misticismo e capirotagens do gênero: não me escapou o fato de que, falando de magicka o tempo todo, temos um grupo liderado por um homem que adotou o termo Mercury como nome. Mercurio, pra quem não sabe, era um dos metais mais importantes pra Alquimia, considerado o semem dos deuses por sua característica mutante, podendo ser moldado em qualquer coisa e, segundo as tradições alquímicas, transformado em vários outros elementos. Mercurial, inclusive, é um adjetivo usado pra definir pessoas ou coisas em constante mudança. Na mitologia, figuras mercuriais famosas são, obviamente, o próprio Mercurio da mitologia grega, Loki na nórdica e, trazendo pra nossa realidade, o Saci. Vcs sabem, tricksters, figuras em constante transformação, shapeshifters, causadores de caos, geralmente sem um alinhamento definido, acima de conceitos como bem e mal. Mercurial, portanto, é um termo que cabe como uma luva pra David Bowie e suas personas em constante mutação. Mais simbolismo? 


A capa dosingle, sem arte, apenas as letras brancas num fundo preto, como as trevas que antecedem a luz (ou o silêncio que precede a explosão). Apesar dos dois mil anos de cristianismo vendendo as trevas como algo ruim, jogadores de Dark Souls sabem disso muito bem, a escuridão também é um canvas em que qualquer coisa pode ser criada. Mercurial, portanto. Coincidência ou um encontro destinado pelos deuses? Deixo que vcs decidam. :-)

Fontes: The making of "under pressure"
Under Pressure

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