quarta-feira, 25 de abril de 2018

"O tempo é o único purgatório" - House of Penance #1 a #6



Não sendo herética ou arrogante o suficiente pra tentar criar um paraíso (afinal, sabemos o quão certo isso funciou pra Lúcifer) e não sendo masoquista o suficiente pra conceber um novo inferno, Sarah Winchester clamou para si a função de fazer do purgatório, um lugar na terra. O que vemos nas seis edoções dessa história são as consequências disso.

Ah, e antes de continuarmos: os eventos nesse gibi são baseados em fatos reais. Now, how bizarre is that?? 

Hello, senhores, seu relativamente humilde host, Hak, the bear, in here, e hoje, vamos falar de House of Penance, criação de Peter J. Tomasi e Ian Bertram.

Ainda tentando me resignar que Tomasi não vai mais cunhar o roteiro da revista do Superman, agora mais um produto com o "selo de qualidade" Brian Bendis, decidi procurar obras autorais do roteirista pra, you know, get my fix, pelo menos até seu próximo trabalho ser anunciado (bom..... já temos, recentemente lançada, a graphic novel "The Bridge"). E comecei com essa mini-série curtinha, 6 edições, sem saber nada. Tinha o scan no meu hd onde guardo meus quadrinhos (pq papel é muito século XX, you know?). Peguei e li. Simples assim. 

Não sei exatamente o que eu esperava, visto que a capa do primeiro número é abstrata o suficiente pra vc embarcar na jornada sem ter muita idéia do que vem pela frente. Mas o que encontrei foi algo bem feito pros meus gostos peculiares, fã que sou de histórias densas, pesadas e que oscilam pro lado do sinistro e macabro. Ou de coisas com pôneis, pq afinal, yin e yang, etc. Mas aqui é bem o primeiro caso. 

A hq, publicada em 2016 pela Dark Horse, começa críptica. Vemos um carregamento chegando em uma estação de trem e temos a informação de ser New Haven em Connecticut. O ano é 1905. A carroça leva sua carga pra uma casa absolutamente gigantesca e em expansão, visto as onomatopeias indicando que a construção está em obras.



O cocheiro, Mr. Murcer, avisa sua empregadora, Sarah Winchester, que a carga esperada chegou. Algumas páginas depois, somos apresentados a outro personagem importante, Warren Peck, um assassino de aluguel. E a trama começa a andar quando, inevitavelmente, as vidas dos personagens acima convergirem pro mesmo ponto.  A partir daí, é uma jornada de culpa, medo, horror, desespero, loucura, morte, alguma redenção e, obviamente, violência. 
Tomasi criou o roteiro para ser desafiador mesmo. Se ambientar naquela mansão de ares "Escherianos" é mais do que apenas difícil, é realmente desagradável. Percebemos, muito cedo, que quase todo mundo no local apresenta algum nível de perturbação mental ou psicológica e as páginas se desenrolam de forma apropriadamente quebrada, representando a visão de mundo de taís indivíduos.


Precisando de um trabalho que não envolva, you know, matar pessoas, Peck chega naquele cenário e é rapidamente aceito, considerando que aquele é um ambiente majoritariamente pros malditos da sociedade americana do começo do século XX. Ninguém ali é inocente e todos estão, em meio dos labirínticos corredores da mansão Winchester, tentando expiar seus pecados. 
O texto da mini-série é denso e a arte....oh, jesus amado, a arte. Bertram carrega nas influências expressionistas e o desenho tem um caráter tão incomodo quanto o roteiro. É um gibi em que vc praticamente sente o calor, o cheiro de suor e lágrimas constante. O traço (que me lembra, um pouco, o do Rafael Grampá) torna a experiência de imersão naquela história algo apropriadamente tenso, não apenas pq as expressões feitas pelo artista são extremamente eficientes pra passar o quão emocionalmente atormentados são os protagonistas dessa história, mas tb pelos recursos de "metáforas visuais" empregados, com muito uso de hachuras e e por falta de um termo melhor, "jorros de sangue" que surgem dos personagens e dançam pelas páginas. Há esperança de redenção, mas os protagonistas vão ter que mergulhar fundo no seus respectivos infernos pessoais antes de alcançar o paraíso. 
Final da primeira edição e vc sabe que o final feliz não vai vir. Aqui é tipo "A queda da casa de Usher" ou "a máscara da morte rubra", a crônica de uma - de fato, muita - morte anunciada. 



Eu tô evitando falar demais pq esse é um daqueles gibis em que é legal vc ir meio confuso e ir sentindo o terreno devagar, tateando com o pé conforme a trama avança. Mas posso dizer que "House of penance" tb é sobre o passado dos Estados Unidos. Suas origens como nação, suas feridas históricas que nunca cicatrizaram e seu passado de guerra e genocídio em prol do "sonho americano" e onde a roda do progresso avança impreterivelmente movida pelo "direito divino" do povo que a conduz. 

Cereja no topo do bolo: saber que a hq se baseia em fatos reais só torna tudo ainda mais sinistro. Sarah Winchester, como os senhores já devem ter imaginado, REALMENTE foi inspirada na Sarah Winchester, dona de 50% da Winchester Repeating Arms Company, criadores do rifle Winchester e cujas criações foram parte inseparável da trajetória expansionista da terra do Tio Sam.


Ela foi, realmente uma das mulheres mais ricas do mundo e, onde tudo ganha cores mais mórbidas, a sua mansão REALMENTE foi constantemente expandida, por anos e anos de forma ininterrupta, com escadas e portas que iam do lugar nenhum e levavam pra lugar algum. Se pelos motivos sinistros das lendas e que o gibi de Tomasi adota como real ou simplesmente pq Sarah não tinha a menor noção de engenharia, que os senhores e a História julguem. E pra quem já leu, o terremoto de 1906, que ocupa um lugar de destaque na trama REALMENTE ocorreu e seu efeito foi bem o citado pelos personagens, de transformar a noite em dia como consequência dos incêndios e destruição causadas. Tem fotos dos efeitos dele em solo americano e, jesus amado... as imagens fazem parecem a de um local após receber uma bomba nuclear de médias proporções. 
Sim, feio nesse nível. 



E comento esses eventos pq ter ciência deles agrega pra caramba pra apreciação dessa saga de pecados passados e tentativas pálidas de justiça histórica.


E de uma mulher que, tal Cristo, tentou, de forma desesperada à base de muita dor e sacrifício, deter uma tempestade que se aproximava. Do quanto sua empreitada esteve, desde sempre, fadada ao fracasso, e dos custos pessoais que tais ambições lhe trouxeram. Em sua loucura, Sarah achou que a tragédia ao final de "House of penance" seria, tal qual a chuva ansiada por Travis Bickle em Taxi Driver, "uma tempestade para purificar a Terra", sem saber que, de fato, aquilo era só um vislumbre do que estava por vir. 

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