segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Nada a ver com nada (ou: 'The Betrayal" e o coming of age stealth de "Nirvanna, the band, the show")



Terminamos, Stella e eu, a season 2 de Nirvanna the band the show ontem. O que significa que terminamos de ver tudo que existe sobre o show e agora, eu sigo no aguardo pela estréia de novas temporadas. O que significa que, sim, eu estou absolutamente miserável. Mas enfim...
Já postei várias imagens extraídas da série aqui e direto recomendo que o pessoa faça binge watching do negócio, mas preciso comentar do final da temporada 2, "the betrayal", com um pouco mais de detalhes pq o negócio me atingiu bem nos 'feelings', de um jeito que não acho que teria rolado se eu tivesse visto em um outro momento da vida.
Vai ter spoiler. Do final mesmo. Que, colocando sob perspectiva, não estraga em nada a percepção do resto das temporadas, mas, pra quem se incomoda, já tão avisados. 

Isso posto...


Uma pequena introdução: Nirvanna, the band, the show, é uma série canadense, situada em Toronto, com atualmente duas temporadas, 16 episódios no total, com mais duas com produção já anunciadas. Era um seriado produzido pelo viceland, o canal de vídeos da Vice, portanto, só dá pra ver o show por vias....alternativas... (e foda-se, baixem mesmo).
A série narra as aventuras dos dois protagonistas, Matt e Jay (tb os criadores da série), tentando conseguir que sua banda, Nirvanna the band, se apresente no Rívoli, famosa casa de show da cidade canadense.



O negócio é uma mistura de roteiro e improviso e muito, mas MUITO humor cringe, daquele que vem daquela soma gostosa de constrangimento e nervosismo. As toneladas de referencias à cultura pop tb ajudam (até pq é o tipo bom de referencia, não apenas aquela ferramenta pra pegar nerd). Os planos da dupla não devem, em termos de complexidade, nada às estratégias adotadas por Wyllie E. Coyote em sua odisséia atrás daquele papa léguas, com a dupla já tendo inclusive mas não apenas: explorado a rede de túneis de esgoto da cidade pra conseguir entrar no prédio, hackear a lista de bandas convidadas e se enfiar no meio de um roubo de banco com reféns. Além das cenas scriptadas, direto a dupla vai atuar no meio da rua, com um bando de gente ao redor que não tem idéia do que está havendo. O que dá todo um ar especial no acima citado episódio envolvendo uma hostage situation num banco. 
Mas enfim, o season finale mencionado: durante todo o ep., temos flashbacks de eventos paralelos à vida de Jay, enquanto este e seu parceiro tentam mais uma vez dar andamento à mais um convoluto plano (e devo dizer, um que chegou mais próximo de dar certo do que todos os anteriores). Quando já rumamos ao final do ep., e da temporada, e parece que tudo voltou à estaca zero e é hora de recomeçar os planos para, a la Pinky e Brain, tentar novamente no próximo dia, Jay solta a bomba: ele tem uma entrevista de emprego e pode estar perto de conseguir um trampo com um produtor de jingles famoso da comunidade local. 
Matt simplesmente pira, mas acaba aceitando a idéia, aparentemente...

....aparentemente.

O ep. termina com esse cliffhanger e agora ficamos no aguardo pra ver como as coisas vão seguir daí. O que mexeu comigo foi: considerando o quanto tudo na série é fantasioso e tals, a gente aprende a só não fazer perguntas. Como eles tem tempo pra realizar os planos, como eles tem grana pra se preocuparem exclusivamente com isso e tals... Raramente isso é abordado. É assim pq é assim e tals.
Regras da série. Eles orbitam nessa mesma área cinzenta de suspensão de descrença que desenhos animados do pernalonga, pica pau ou da série do Chapolin. 
Mas aí vem o choque de realidade e transforma o programa em algo que eu não esperava: um coming of age tardio. Curiosamente, nesse mesmo ep., há uma referencia à adolescência dos dois, amigos desde muito jovens e desde essa mesma época, já tramando suas invasões ao Rívoli. O que parecia, no entanto, só fan service e uma referencia tb à "Indiana Jones e a Ultima Cruzada", na verdade, era finalmente a "visita cruel do tempo", o mundo real derrubando a porta da série e se fazendo notar.
Já no começo dos 30, a dupla começa a se ver naquela encruzilhada: abandonar o sonho de infância em prol de uma vida mais "adulta" ou seguir no plano original, mesmo que isso resulte em décadas dando murro em ponta de faca, sem a menor perspectiva de conseguirem sucesso?
Esse é um tema que tem me tocado mais do que nunca pq
1 - eu estou beirando os 40 anos de idade e, junto com as rugas, a calvície e as dores em juntas e ossos que eu nem sabia que tinha, vieram também os questionamentos existenciais característicos desse período. 
2 - Eu me vejo, ainda que num espectro diferente, de face com a mesma pergunta pairando sobre nossa dupla de questionáveis heróis. 
Até recentemente, eu via esse blog como um hobby e nada mais que isso. Mas de uns tempos pra cá, eu me peguei vendo a possibilidade de gastar tempo, energia, e $$$ nesse humilde sítio virtual e, em maior escala, de transformar o ato de escrever em algo mais.....sério.... 
Há ainda um terceiro ponto que dialoga comigo pessoalmente e que vai direto ao tema principal de "the betrayal": 
3 - Um monte de artistas que gosto se aposentou. 

Okay, um monte é exagero, mas aconteceu de forma recorrente o suficiente pra me incomodar. Um dos podcasters que gosto, o Colin do Purocast, podcast de wrestling focado especificamente na njpw, se aposentou da vida "virtual" pq, meio que "perdeu a paixão pela coisa".
Outro que aparentemente pendurou as chuteiras de forma definitiva foi Adam Warrock, que simplesmente sumiu. Já falei dele aqui, um rapper que sampleia musicas famosas pra rimar sobre gibis, marvel, dc, games e cultura pop em geral. Depois de um tempo parado o site dele sumiu, um monte dos seus álbuns sumiram do spotify e ele raramente aparece em redes sociais. Soube de um incidente sério, que sua casa teria pegado fogo e ele teria perdido muita coisa no processo, mas além disso, não muito mais. E eu confesso, considerando o quanto ele falava de se sentir mais feliz rimando do que em sua encarnação pregressa, em que era advogado, eu tenho arrepios de pensar nele de volta aos tribunais e à vida de terno e gravata.
Desculpem, é romântico e fundamentalmente babaca da minha parte, mas o mundo precisa, nesse momento, NESSE momento, bem mais de artistas do que de advogados. Bem mais de músicos que de criadores de jingles. :-)
Mas o tempo passa, o universo NÃO é um lugar justo, sonho não paga conta... e aí...
Eu sempre vi a cruzada pessoal dos protagonistas como um reflexo da via crucis pessoal de qualquer um, qualquer um, hoje em dia, que tenta viver da própria arte. No final, qualquer criador de conteúdo que tenta desbravar esse matagal, hoje em dia, é um "nirvanna the band" tentando seus cinco minutos sob os holofotes do Rívoli. De formas menos "rubegoldbergianas", mas ainda assim.....
Pode ser meu lado adolescente, o mesmo me impulsionando a gastar tempo e energia digitando essas letrinhas que vcs estão lendo sequencialmente, uma após a outra, num site que tem menos visitas em toda sua existência que, sei lá, qualquer notinha de filme marvel/dc do omelete junta em menos de 24 horas? Provavelmente. Mas sei lá. Meu Jay interno, o lado mais racional (mais ou menos) pode ter seus arroubos.



Mas é o Matt em mim, aquele perpétuo adolescente, puro Id quase sem nenhum freio, que tem estado no comando desse navio e é ele que eu prefiro ouvir. 
Até pq, em seu estado mais bruto, todo sonho parece imbecil e inalcançável e adolescente. Até que ele vira verdade. Ou não. Mas uma vida tentando viver sob seus termos me parece melhor que uma segura, sob os termos que "a sociedade estabelecida" determinou como mais adequados. 

Voltando à série, a season 3 é um conceito tão abstrato quanto uma apresentação do duo na casa de espetáculos canadense. O Viceland meio que morreu. Segundo os criadores, o contrato deles determina que a série vai ser produzida pelos estudios da Vice. Onde diabos ela vai ser exibida, são outros quinhentos.



Da minha parte, fico ansioso imaginando o contraste de Jay, abraçando um meio termo entre a busca do sonho e um caminho mais seguro e Matt, um demónio da tasmânia incontrolável, tentando re-cooptar seu amigo e aliado pra conclusão da missão 
E óbvio, surpreendendo a absolutamente ninguém, torço pra que o primeiro recupere o juízo - ou melhor, perca o pouco que tem - e volte com Matt, em sua cruzada atrás da moby dick, da eldorado, do cálice sagrado dos dois. Sem saber aonde isso vai ou mesmo, se um show no rivoli seria tão legal quanto eles esperam, mas.... vcs sabem, "o importante é a jornada e não o destino", etc, etc....

* Deixo aqui um link pra uma matéria bem legal com Matt e Jay no site "art of titles" sobre as cenas de créditos do show e suas referencias bacanas à outras séries e filmes clássicos.
* Como eu disse, não existem meios legais pra ver a série aqui no Brasil (não, nem com vpn). Mas, este blog não apoia a pirataria, então, eu NÃO vou deixar aqui o link pra vcs baixarem torrent de "nirvanna the band the show", okay? sorry. 
* Já postei a música dos créditos finais aqui, "The army" do Ben folds five, mas nunca tinha prestado atenção nas letras e no quanto elas falam sobre alguns dos temas da série, sobre a dicotomia entre seguir teus sonhos e corresponder às expectativas sociais quando o assunto é "virar adulto".
Vou deixar o vídeo e letra aqui pra vcs.



Well I thought about the army
Dad said, son you're fucking high
And I thought, yeah there's a first for everything
So I took my old man's advice

Three sad semesters
It was only fifteen grand spent in bed
I thought about the army
I dropped out and joined a band instead

Grew a moustache and a mullet
Got a job at Chick-Fil-A
Citing artistic differences
The band broke up in May

And in June reformed without me
And they'd got a different name
I nuked another grandma's apple pie
And hung my head in shame

I've been thinking a lot today
I've been thinking a lot today

Oh, I think I'll write a screenplay
Oh, I think I'll take it to LA
Oh, I think I'll get it done yesterday

In this time of introspection
On the eve of my election
I say to my reflection
God, please spare me more rejection

'Cause my peers they criticize me
And my ex-wives all despise me
Try to put it all behind me
But my redneck past is nipping at my heels

I've been thinking a lot today
I've been thinking a lot today
I've been thinking a lot today
I thought about the army

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