segunda-feira, 27 de julho de 2020

Conversando com o Starman #11

Bom dia, senhores. Apesar dos maus augúrios da faixa de Sexta-feira, estamos aqui, firmes e fortes.
Exceto, obviamente, pelo rapaz que fugiu para as montanhas, descrito no ultimo texto da semana passada. Continuamos torcendo por ele. #neverforget.
Enfim, primeira faixa da semana e primeira faixa daquele que é, segundo muitos, o disco mais clássico da obra Bowieana e o favorito de muitos dos fãs do cantor: o imortal "The rise and fall of Ziggy Stardust and the spiders from Mars". 
A canção em questão é a unica faixa cover desse trabalho: "IT AIN'T EASY"


Contexto: Quinto LP de Bowie e o primeiro sucesso comercial do artista, "Ziggy..." é o divisor de águas de David Bowie. Onde antes o folk predominava, agora temos o rock. Onde antes, o artista cantava de cara limpa ou interpretava diversos personagens diferentes num mesmo disco, aqui, ele se entrega à uma persona em full time, fazendo aquela mescla que iria marcar sua produção artística, onde nunca temos certeza de fato onde termina o criador e começa a criatura.  Não vou entrar aqui numa discussão do porquê do sucesso deste álbum, já que existem livros e mais livros cujo único foco é entender seu impacto na sociedade dos anos 70. O ponto é que o choque daquela persona em seu tom glam maior que a vida, aliado ao simples fato de que são 11 faixas absolutamente impecáveis, temática e musicalmente, tomou o mundo de assalto. Não é o primeiro grande trabalho de Bowie, de maneira nenhuma, mas foi o primeiro a cair nas graças tanto da crítica quanto do público. O resto é história. 

Sobre a música: Na sexta eu disse que otimismo não era uma moeda corrente na mitologia Bowieana e aqui vemos um exemplo prático disso: a versão cover tem algumas diferenças fundamentais na letra em comparação com a original de Davies, lançada dois anos antes de "Ziggy.." ganhar vida.


Em ambas, temos um homem que se vê no campo, apreciando a beleza das coisas, a grandiloquência da natureza e as promessas de uma vida bucólica, contrastando estes com a dureza e a desesperança da vida na cidade grande e em grandes perímetros urbanos. Como eu fui um guri criado no interior, o tema me soa familiar: como, distante, a cidade parece uma utopia, onde tudo está ao alcance e todos os seus sonhos parecem perigosamente próximos. Até o momento em que você se joga, de fato, em meio à selva de concreto e percebe que a luz te seduzindo ao final do túnel era, na verdade, um trem vindo para cima de ti. 
É curioso notar que esse é o segundo cover feito por Bowie do qual falamos aqui que altera a letra do original para pintar um cenário com tons menos coloridos e otimistas. 
Por exemplo, na canção de Davies: 

When you go up on the mountain top and you look out across the sea 
And you know there’s another place perhaps where a young man could be 
And you jump down to the rooftops and you look out across the town 
And you know there’s a lot of strange things circulating ‘round

Já o cover: 

When you climb to the top of the mountain 
Look out over the sea 
Think about the places perhaps, where a young man could be 
Then you jump back down to the rooftops 
Look out over the town 
Think about all of the strange things circulating round

Em outro ponto, onde a original diz que "com paciência e compreensão", nosso herói pode vislumbrar um futuro melhor, Bowie acredita que "apenas com a ajuda do bom Deus" o protagonista do disco, Ziggy, poderá vencer seus demônios que o atormentam. 
Parecem diferenças pequenas, mas elas servem para compor um personagem bem mais cínico e com uma visão bem menos positiva do que na obra que lhe serve de inspiração. O herói de Davies SABE  que "existe um lugar melhor". O alien em sua missão de 5 anos, que é o narrador de "the rise...", pensa que "TALVEZ" haja um mundo onde um jovem homem possa atingir seu pleno potencial. 
No verso em que cita a figura de Deus, essa inteligência superior não surge como um raio de esperança. Na canção de 70, Davies afirma que o mundo é um lugar frio e duro, mas achar seu lugar nele não é impossível e que a chave para tal compreensão se encontra dentro de cada um de nós, que paciência e reflexão são as chaves, que vencer as adversidades que a vida moderna nos apresenta é apenas uma questão de perspectiva.
Já Ziggy, num momento confessional, parece apenas admitir a própria impotência e de que nada poderá oferecer alguma luz. Nada exceto, talvez, a providência divina. Na qual, aliás, ele nem parece acreditar de fato. 

Como vai ser o seu dia: Respira. A gente sabe que o mundo de 2020 é um lugar árido, cruel e assustador. Mas respira.
Não, eu não estou dizendo que o ato de você inalar oxigênio vai lhe oferecer qualquer solução. 
Oh boy, não, esse navio já saiu do porto faz tempo.
Só estou dizendo isso e especificamente isso: tira alguns segundos para respirar com calma. Tudo vai continuar tão horrível como antes de você reservar esses segundos para encher seus pulmões com calma. Alguns demônios PODEM, vejam bem, PODEM (é uma possibilidade, de maneira nenhuma uma certeza) parecer menores depois de um intervalo para tentarmos uma mudança de perspectiva. Outros não. 
Mas mesmo se esse for o caso, nenhum de vocês perde nada ao tirar uns minutos para respirar com calma. Afinal, está lá na faixa que discutimos hoje "Well, all the people have got their problems/ That ain't nothing new". Então.... por que não?

Frase do dia: "It ain't easy". De fato, não é nada fácil. Seja Bowie falando sobre como é difícil atingir os céus quando você se vê apenas caindo, seja em "Down in a hole", clássico do Alice in chains que diz que "Eu quero voar mas minhas asas me foram negadas", seja Jim Morrison em sua "Bird of prey" e em várias outras canções que tratam dessa aspiração básica e milenar humana de, literal e metaforicamente, ganhar os céus, o consenso entre todos eles é: não é fácil. 

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