terça-feira, 26 de março de 2019

Doom Patrol s01e05 - Paw Patrol: "Viva La Re-Creator"



Recentemente eu estive almoçando com minha irmã Grace e o noivo dela, lá no Outback do Shopping Santa cruz. Longe de ser um momento de ostentação, eu tenho um ponto aqui, kemosabe, so, se aquieta na cadeira e confia no tio urso: já tínhamos passado pelas refeições salgadas e estávamos já na sobremesa. Por certa insistência de um dos garçons, pegamos uma sobremesa nova de manga e uma de chocolate. Dividimos o negócio em 3 e tals, até aí de boas, quando minha irmã pergunta "será que se misturar as duas sobremesas, fica bom?" Fizemos e, movidos pelo mais puro espírito de curiosidade científica, provamos. Nada asqueroso mas nada que renderia recomendações de nossa parte se fosse um prato oficial. O noivo da Grace decidiu escalonar os riscos e jogou um tiquinho de coca dentro do copo e nos desafiou a provar. Olhamos um pro outro e mandamos ver. Ainda ruim, mas com leve toque que, pelo menos, não tornava a experiencia algo impraticável. Comentando sobre o ocorrido, Grace conclui que nosso pequeno experimento "foi um fracasso pq somos 3 pessoas fazendo isso aqui na mesa de forma jocosa. Se fosse um chef de cuisine famosaço fazendo, botava isso no menu e vendia como uma 'experiência gastronômica'"
Lembrei dessa pequena história completamente desinteressante e desse ultimo comentário, em específico, conforme via "Paw Patrol". O ep., e o arco em que este se insere e, mais além, a série como um todo, giram muito em torno daquela palavrinha com "p" saída da boca da rainha Archon e que vai ser, ironicamente, a chave para sua derrota e de seu anti-deus renascido: percepção. Talvez tivessem, na virada cultural de 2012, outras barracas oferecendo galinhada a um preço decente e acessível, mas centenas de pessoas decidiram ficar numa fila por horas pq Alex Atala estava servindo a galinhada que ele faz em seu  restaurante. Pq? Percepção. 
Se eu rasgar um pedaço de papel na frente de estranhos, não obterei nenhuma reação em resposta. No entanto, se eu rasgar uma nota de 100 reais, provavelmente receberei algo, variando entre um olhar de desaprovação até agressão física. pq? Acho que vcs já pegaram a idéia.



O ep. já começa do jeito certo, com Crazy Jane derramando sangue de neo nazi. O peculiar é a ambientação, com isso ocorrendo numa boate punk em 1977, ano em que o movimento nasceu. 
SO, back to the apocalipse: o Decreator está nos céus, apagando tudo que existe. Cliff e Jane continuam presos em Nurnheim. E ao resgate vem.....Mr. Nobody? E o Chief.  Como é aquela frase de que "a guerra gera estranhas alianças?".
Como já dito acima, mais do que apenas definir a tônica dessa primeira leva de episódios, a percepção que temos de nós mesmos e dos nossos próximos é a chave para a derrota da deidade niilista trazida à vida pelo culto do livro não escrito: o que é uma religião?
Um grupo de pessoas que adoram, coletivamente, ao mesmo deus e vivem sob os mesmos dogmas definidos por pessoas a partir das crenças e ensinamentos desse supra citado deus, correto?
Essa é uma forma bem satisfatória de descrevê-los. Outra? Um bando de maluco que decide que o amigo imaginário de um deles é de verdade e decidem criar um império ao redor dele. Tb funciona, correto?
A diferença entre um conceito e outro? Percepção. 
E aqui vou ter que falar de um conceito metafísico vindo do budismo: as tulpas.
Tulpas são, resumindo grosseiramente, idéias que ganham vida a partir da força em que se acreditam nelas. Não tô falando da porra do "sonho que se sonha junto"....bom, não totalmente. O lance é: criaturas que ganham vida pq alguém (ou um grupo de alguéns) acreditou nelas com a devida intensidade. Pra exemplificar, vou puxar da minha memória dois dos meus usos favoritos desse conceito na cultura pop: no OBRIGATÓRIO animê do finado Satoshi Kon, "Paranoia Agent". Sem adentrar demais em detalhes pq "spoilers", mas um dos principais personagens do desenho ganha vida pq um grupo de pessoas suficientemente grande acreditou nele.



Mas meu uso favorito do conceito vem do ep. da season 1 de Supernatural, "Hellhouse". Nele, os irmãos Winchester tem que lidar com um espírito assassino residindo numa casa abandonada. Até aí, uma segunda feira normal na vida dos caçadores. O lance vem ao investigar o local e não encontrar nenhuma origem pro espírito. Ninguém foi assassinado ali, nenhum demônio invocado no local ou cemitério indígena embaixo da residência. Depois de explorarem todas as possibilidades, sem sucesso, só resta aos irmãos cogitarem a possibilidade de que o fantasma só exista ali por causa das lendas que existem sobre ele. Ou seja, criaram uma lenda sobre um espírito assassino naquela casa e tantas pessoas acreditam nisso que espontaneamente, esse inconsciente coletivo criou tal entidade. Como acabar com ela? Bom, o plano dos dois demon hunters é bem parecido com o que o chief e seu nêmesis desenvolvem nesse episódio: criar uma "contra-lenda", um ponto fraco nessa entidade, espalhar entre as pessoas e dar tempo ao tempo, até que um número tão grande de gente acredite nessa idéia a ponto dela afetar a tulpa, a ponto de ser criado um ponto fraco nela simplesmente pq se acredita coletivamente que exista um.



E de fato, é isso que rola aqui: Se existe uma religião dizendo que um menino livro vai trazer o Decreator ao nosso mundo para extinguí-lo, pq não criar outra que negue esta primeira? Assim surge a religião do RE-creator. Uma tulpa anti-tulpa. Metafísica dialética. Ou como eu digo desde a época das resenhas da season 9 de Doctor Who: "Como se combate uma idéia? Com outra idéia melhor". 
Usando as habilidades de Jane, chief manda a guria pro passado pra criar uma religião baseada nessa idéia, a do anti-decreator, o Re-Creator.



Paralelamente, os membros do time de Caulder enfrentam, um a um, questões diretamente ligadas à forma como vêem ou são vistos pelos demais. Cliff continua tratando as personalidades alternativas de Jane como se fossem isso, apenas formas paralelas, parasitas ou satélites orbitando o ente principal, a Jane Prime. Quando Penny Farthing lhe diz que apesar de não ser a "Jane prime", ela tem sonhos e sentimentos, é um choque de realidade, tal qual é quando Cliff se percebe sendo visto pela colega de equipe como um monstro homicida, após os eventos em Fuchtopia.



Rita se vê sendo capaz de mudar a percepção que tem sobre si mesma a partir do carinho e empatia com o garoto Eliott, apenas pra ter essa recém construída e ainda frágil auto-imagem tirada de debaixo dos seus pés pelo impessoal não-deus que espreita a todos, nos céus de Cloverton. Diante do fim, Larry se vê sendo capaz de repensar como enxerga e, como consequência, como convive com o espírito elétrico que vive dentro dele, alcançando certo lampejo de harmonia entre ambos. Os choques entre Kip e Victor continuam, mas são eclipsados agora pelos choques entre Vic e o Chief e, mais precisamente, a visão que o Ciborgue tem deste.
Da mesma forma, o plano só dá certo pq Jane, aliás, Dr. Harrison, sabe manipular pessoas o suficiente e alterar as percepções destas  a seu bel prazer. Pq certo magnetismo pessoal é fundamental. É isso separando um Malafaia da vida de um daqueles pastores pregando pra ninguém no meio da praça da Sé, aqui em SP. E ter super poderes de persuasão tb ajuda. 
Vale mencionar também que a escala do risco enfrentado por Cliff, Jane, Rita, Larry, Victor, Kip e Chief pode ser maior, mas a natureza dela é a mesma do arco anterior. Ideologias e religiões são bestas bastante parecidas. A diferença fundamental é que ideologias são mais práticas e fundamentadas de forma melhor a ponto de não desmoronarem diante de meia duzia de perguntas feitas, dependendo de toda uma fundamentação teórica e não apenas de dogmas. Mas no fim, ainda é um grupo de pessoas utilizando crenças de terceiros como norte pessoal e, em casos mais extremos, dispostas a matar ou morrer por elas.



Ao final, o Re-Creator é invocado (aquele pug fofinho era cego ou ele só tinha a cara gorda a ponto de cobrir um dos olhinhos dele?) e as duas entidades se enfiam no "staring contest" mais importante da história do nosso plano de realidade. Ao final, ambas somem, os descriados são recriados e nossa dimensão vive pra lutar mais um dia. 
Um episódio riquíssimo em simbolismos e significados, que mostra, também, mais uma vez, como a série sabe oscilar entre humor e drama de forma extremamente eficiente. 

Outras paradas maneiras



- PUGS!!!!!! HELL THE FUCK YEAH!!! Uma religião que envolve pugs e dança!!!! Depois de décadas do mais puro ateísmo e lampejos do meu satanismo capirótico mefistofélico pazuzuístico baphomético, além de algumas pitadas de niilismo, Bowieísmo e pinceladas de groucho-marxismo, posso ter encontrado minha religião ideal!!!!
- Antevejo que a decisão de Cliff em apertar o botão na nuca de Victor não vá tornar a relação deste com o ciborgue ou mesmo com Jane, mais fácil.



- Do fundo do coração, espero que Marilyn tenha sobrevivido á explosão em Nurnheim. 
- As camisetas do Cliff continuam awesome. Dead Kennedys, Black Flag e agora, The Clash. E não me escapou a da Jane no começo do episódio tb, "Time travel fuck missile"
- Quando eu imaginava que nada podia ser mais foda que espisódios com Ezekiel, a barata ou um com Baphomet, fizeram um que tinha os dois. Por mim, aliás, espero que a season 2 tenha promos não com imagens dos próximos eps., mas com canções interpretadas pela demônio cavalo de neon favorita dos fãs da série.
- Sério, eles vão full "quadrinhos" com a origem da Jane. Como vcs podem prever, a história é tensa.
- "Your mother sucks cocks in hell" é outra referência tirada de um filme de terror clássico, como já  rolou nos episódios anteriores. No caso, é uma das frases que Pazuzu, no corpo da jovem Reagan, manda pro Padre Merrin no clássico "O Exorcista".



- "I'm not L. Ron Hubbard". A referência aqui é ao criador da cientologia e, na moral, sou muito mais a religião dos pugs e da dança coletiva. Até pq, quando tudo está dito e feito, toda a história do Hubbard envolvendo Xenon e os Thetans e os cacetes é só muito, MUITO ruim.
- Sobre Tulpas, caso vcs estejam interessados e não tenham nenhum medo de lidar com o sobrenatural, tem um guia ilustrado e bem didático de como criar sua própria tulpa lá no wiki how, que encontrei enquanto estava pesquisando sobre o tema. É só seguirem os 14 passos descritos no site para, segundo eles, criarem um amigo imaginário do nada....



...... Because this is the kind of world we live in now..... Fucking hell....

- "Dance like there is a giant eye in the sky watching you"


A seguir:


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