segunda-feira, 25 de março de 2019

Sobre tartarugas gigantes e submarinos amarelos: Maratona Gamera - Prólogo



Tudo começa em 1954
Bom.....se vamos ser puristas, tudo começa, de fato em 1945, com as duas bombas atômicas que os E.U.A. atiraram sobre as ilhas japonesas. Avançamos para 1954, com a merda que foi o teste nuclear que acertou o Daigo Fukuriu Maru, navio pesqueiro japonês e que deixou a população nipônica apavorada com a idéia de comer peixe, que, lembremos, era a proteína mais consumida do país na época. 
Aí, chegamos em 54 de fato, com o lançamento do primeiro filme do Godzilla e seu subsequente sucesso. E quando falo de "sucesso", quero dizer "foi criado um novo gênero cinematográfico que iria ser uma das maiores contribuições japonesas pra cultura pop mundial". O primeiro filme do Big G foi um estouro absurdo, seguido pelos sucessos de suas sequências, agora marcadas pelo choque de monstro, onde era sempre o lagartão radiativo saindo na porrada com outra criatura da mesma estirpe.



Em algum lugar no japão, alguns anos depois, estava Masaichi Nagata, presidente de uma das maiores companhia cinematográficas do país, a Daiei.



E quando eu falo que os caras eram grandes, vale uma ressalva: A Daiei é muito associada, obviamente, ao universo dos daikaijus e tals, mas vcs tem que entender que esses caras tem no catálogo obras primas como Rashomon, do fucking Kurosawa (primeiro longa japonês a ganhar prêmios internacionais) e Ugetsu Monogatari, do Mizoguchi. Os caras também tinham uma pá de filme lançado da franquia do Zatoichi, o samurai cego (vcs devem lembrar da versão mais recente do personagem, com o Takeshi Kitano na direção e no papel principal). Não eram pouca coisa, nem um bando de novatos que só queriam surfar nos trendings colossais e radiativos da época. Mas, fato, filmes de kaiju eram um trending valioso pra quem soubesse lucrar com eles. A Toho, casa do Godzilla, já tinha, entre 54 e 65, ano de lançamento de Gamera, mais de 10 filmes estrelados por monstros gigantes lançados. DEZ FUCKING FILMES EM DEZ FUCKING ANOS.
Só da franquia do rei dos kaijus, já tinham 5 filmes oficiais - fora os que seria incorporados à franquia em anos posteriores.
So, alguém tem que fazer grana com essa onda.
Voltemos à Daiei. Os caras queriam capitalizar em cima da idéia e estabelecer uma franquia deles mesmos. Pessoas foram contratadas, cenários foram montados, miniaturas destes foram criadas. 
Tudo pronto e finalmente chegamos no primeiro longa de monstros gigantes da Daiei, pedra fundamental do gênero: 

"Gamera!!! \o/"

NEZURA!!!!!!!



wait, what?

Nezura. Giant Horde Beast Nezura. Ou, 大群獣ネズラ (Daigun-jū Nezura)

Nezura?

Nezura!!!!!

Meus ímpios, a história desse filme é uma sucessão de erros maravilhosa. SO,  Nagata queria um filme com gargantuas tocando o terror em perímetro urbano, causando medo, horror e desespero. Então, que bicho usar? Algo que desse medo, que despertasse asco.
RATOS.
Blz, firmou, Ratos.....but....

O problema surgiu quando eles pensaram em usar ratos domesticados, desses que vcs acham em um monte de pet shops. Vcs já viram esses bichinhos? Tipo...



Olhem pra essa coisinha fofa. Nem fodendo que esse bichinho adorável iria soar convincente no papel de "besta assustadora do inferno que veio pra despertar o caos e iniciar o apocalipse". Então, plano B: num exercício de comprometimento digno de aplausos, a Daiei anunciou que tava oferecendo recompensa pra quem trouxesse ratos selvagens, esses escrotões, de esgoto, pras dependências do estúdio, para serem usados no filme (Além deles, obviamente, tinham body suits e model suits que seriam utilizados pq afinal, ainda estamos falando de tokusatsus aqui).



De fato, uso de animais de verdade em filmes de monstro não era algo novo: de cabeça, lembro que usaram um polvo de verdade pra representar um monstro gigante no King Kong vs Godzilla. Mas o negócio aqui não foi tão harmonioso: como os senhores podem deduzir, os ratos não eram muito cooperativos, roendo cabos, cenários e os cacetes. Além disso há o fato de que eram ratos selvagens, então, podem ter certeza que levaram consigo toda sorte de pragas: pulgas, piolhos, etc, etc, etc.
A ponto da equipe ter que trabalhar usando roupas de proteção pesadas, depois de dedetizarem o local com fins de matar os parasitas nos roedores. A cereja no topo do bolo foi quando os bichos começaram a fugir do lugar, o que deixou - com razão - a vizinhança local puta. Daí pra uma visita do departamento de saúde publica do Japão, foi um pulo. Resultado: Kojima Shinsuke, um dos bambambans do estúdio e que atuava na produção como chefe assistente de efeitos especiais, desceu a foice e Nezura foi pro saco, assim como a rataria contratada, que foi simplesmente INCINERADA. 



Do filme, só sobraram as fotos nesse post.

....Well..... que começo, não?

MAS.....a equipe tava montada, os cenários que não haviam sido roídos pelos ratos ainda estavam lá e a Daiei ainda tava afim de um filme de monstro. A partir daqui a gente entra no território das lendas: A história oficial do estúdio é que Nagata-san estava um dia num avião quando, ao olhar pra janela, teria visto uma nuvem em formato de tartaruga (outras versões dizem que o que ele viu foi uma ilha que lembrava o simpático quelônio). Ele teria descido do avião, ido direto pro estúdio e ordenado assim, de bate pronto, por um primeiro tratamento de roteiro e alguns conceitos girando em torno de uma tartaruga voadora.



Essa é a versão oficial. Saindo desse território especulativo: Japoneses tem uma relação antiga com tartarugas. Primeiro que a imagem de uma tartaruga gigante bípede lembra um kappa, um dos espíritos mitológicos locais, que entre outras coisas, controla o clima - poder que o kaiju demonstra em determinado momento do seu filme de estréia. Além do mais, tem o lance dos 4 espíritos guardiões, que eles incorporaram da mitologia chinesa: a tartaruga, o pássaro vermelho, o tigre branco e o dragão. Lembram de Yuyu Hakusho, que tinham os 4 generais que usavam esses animais de símbolo? Esse é um conceito que os animes bebem com força. 
Fora que o bichão tinha certa similaridade com o outro réptil gigante que reinava nos cinemas. E uma tartaruga gigante soava impressionante mas não excessivamente assustadora, portanto, não alienando um possível público infantil. 
Somados todos esse fatores, decidiram tocar o projeto, substituindo a legião de ratos por uma tartaruga tamanho família.



Essa é a segunda versão, mais bonita e pá. Tem a terceira, mais escrota e, portanto, a mais provável de ser real: Tomio Sagisu afirma que a Daiei roubou a idéia do monstrão de um pitch que ele fez pro estúdio (dentre vários outros) oferecendo-lhes a idéia de um seriado de meia hora focado em kaijus. Segundo o próprio, no documento original havia a descrição de uma tartaruga que voa e solta fogo. 

Enfim, qualquer que seja a versão real, o fato é que finalmente chegamos ao nosso protagonista.



Decidido que seria uma tartaruga, vamos aos detalhes: o nome, pra começar.
Não tem muito mistério, na real: Por causa do nome original do Godzilla, Gojira, convencionou-se chamar kaijus pegando o nome do animal e botando o sufixo ""ra" no final. Ebirah, por exemplo, é a junção de Ebi (camarão) e ra (monstro). Uma das principais oponentes/aliadas do Godzilla, Mothra, é a mesma coisa. Moth + ra. Tartaruga, em nihongo, como qualquer fã de Dragon Ball sabe, é Kame (se não sabiam, agora entenderam pq o o mestre Kame usa uma casca de tartaruga nas costas, certo?). Com o ra, seria "Kamera". Mas "Game" tb é tartaruga, e o estúdio achou que "Kamera" iria, de fato, lembrar a palavra "Câmera" demais. 
Em seguida, a parte que nos interessa: o body suit. Quase dois metros de altura e pesando quase 50 quilos, o negócio era um bichão pesado, como de praxe aliás. Como de praxe também, aliás, eram os riscos envolvidos pra quem se metesse a vestir a bagaça. Rumores dizem que, num dos testes pra verificar se ia rolar o efeito de cuspir fogo, o body suit simplesmente explodiu (obviamente, não tinha ninguém dentro na ocasião). Um traje ainda maior e mais pesado foi construído pra proteger o ator que estivesse dentro, nas cenas em que o monstro fosse usar seu fire breath. Fato é que o trambolhão era um inferno de usar então, direto gente dava ragequit na produção, a ponto deles terem que manter uma escala diária pra garantir quem diabos ia vestir o suit. Durante esse primeiro filme, o herói que mais se manteve na missão foi Kazuo Yagi, sendo substituído pelos próximos 3 filmes por Teruo Aragaki.



Aragaki, por sua vez, cederia seu lugar para Umenosuke Izumi
Outros atores que deram corpo e movimentos para tartarugona protetora das crianças: 

Takateru Manabe
Jun Suzuki
Akira Ohashi



Hirofumi Fukuzawa
Toshinori Sazaki



E, OBVIAMENTE, como a vida é uma merda e o universo é um lugar injusto, eu só achei fotinho de alguns dos indivíduos embaixo da máscara da simpática monstrona, o que, desde os tempos dos meus posts sobre o godzilla, eu sempre achei o fim da picada, já que são esses caras, na real, se sacrificando dentro de um uniforme pesado, quente e perigoso (o do Godzilla tinha uma fiação que frequentemente resultava em choque nos atores. O da Gamera, pelo menos inicialmente, tinha um tanque de propano acoplado pra poder soltar fogo e que...bom, como eu disse acima, sempre havia o risco do negócio explodir). 



Noriyaki Yuasa, membro do staff do abortado Nezura, foi promovido à função de diretor. 
Nisan Takahashi e Yonejiro Saito assinaram o roteiro.
E o resto.... bom, o resto é história. :-)
Que vai ser narrada, filme por filme, aqui no blog.
Godzilla pode ser o rei.
But Gamera is coming for the Throne!!!!!

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