segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Blood and chocolate: Manhunter (1986)


E aí, tentando ainda preencher o vazio existencial pós series finale de Hannibal (não, eu não estou ok) decidi revisitar as encarnações cinematográficas prévias dos personagens de Thomas Harris em ordem cronológica e comecei com a primeiríssima adaptação de Dragão Vermelho pras telas: Manhunter. Na direção, Michael Mann, também responsável pelo roteiro. O elenco conta com William Petersen (o eterno Gil Grissom de CSI) como Will Graham, Brian Cox como Hannibal Lektor (não, eu não faço idéia do pq da mudança), Dennis Farina como Jack Crawford e Tom Noonan como Francis Dolarhyde.

Ok, primeiramente.... "Manhunter". Pq Manhunter e não "Red Dragon", vcs me perguntam. 3 razões.
Primeiramente, um ano antes do do lançamento desse filme, já tinha tido um filme com "Dragão" no título, o "The year of the dragon", com Mickey Rourke. Segundamente, segundo Petersen, o dragão foi suprimido do título pra nao dar a falsa idéia de que era um filme de artes marciais. E terceiramente, o dragão vermelho do livro tem quase nenhuma importancia pra história do filme.

O quadro de William Blake que faz, no máximo, uma participaçãozinha especial no filme
Sim... um dos elementos mais importantes do livro e das demais adaptações, o dragão do quadro de William Blake, tem uma rápida citação no filme inteiro e uma referenciazinha ao final da obra e nada mais. Que eu me lembre, quase não se referem ao personagem de Dolarhyde por esse nome. O que nem é o pior problema desse filme....

Ele tem elementos que QUASE o tornam charmoso. O Will Graham de William Petersen, por exemplo, tem nuances interessantes que, melhor desenvolvidas, poderiam dar mais densidade pro filme. Vejo, aliás, mais da interpretação dele no Will do seriado da NBC que do Will Graham de Edward Norton.

Will Graham
E Tom Noonam é um antagonista interessantíssimo, embora DEFINITIVAMENTE, não seja o Dragão Vermelho.
Francis Dolarhyde
E é sempre bom uma cena com Will Graham colocando Jack Crawford em seu devido lugar, o que o personagem faz em todas as vezes em que dividem tempo de tela. Eu já disse várias vezes, conversando sobre a adaptação de 2013 de Red Dragon, que Jack Crawford é um personagem tão toxico pra vida de Graham quanto o psicólogo canibal com quem divide uma relação de amor e ódio e, aparentemente, Mann (tb responsável pelo roteiro do filme) concorda comigo.

Um ultimo elogio: a cena do Tigre é linda. Ok? tiramos os elogios da frente? então, let's go.

Ser meio chato não é o problema desse filme, entendem? Ser desprovido de personalidade, sim. Pq, diabos, o material original é TÃO bom e tão cheio de nuances. Nuances essas que não estão totalmente alheias ao filme mas ainda assim, me parecem mais méritos individuais do elenco do que do roteiro. Will é um homem extremamente sutil salvo quando o roteiro obriga Petersen a praticamente verbalizar suas reações emocionais (A frase "now It's just you and me, sport" que está no poster é dita - em tom sério, pobre Will - em um determinado momento do filme). O mesmo pode ser dito de Dolarhyde. 

O que é outro problema do filme: a falta de sutileza. Tudo é disparado na tela, cada processo intelectual dos investigadores é narrado em voz alta a ponto de me fazer pensar se um narrador em terceira pessoa não teria sido uma escolha melhor. 

A trilha sonora é um fruto de seu tempo então, nem vou falar mal. Muito rockzinho com bateria eletrônica, muito tecladinho e sintetizador. Não é ruim, novamente, apenas fruto do tempo em que esse filme se insere. Se vale alguma crítica aqui, também é decorrente da falta de sutileza em que as músicas se inserem mas....

ainda comigo, crianças?

Ok, até aqui, o filme tem alguns problemas de roteiro e direção. Mas se formos entrar na área das escolhas imperdoáveis/absurdas, tem duas que tornaram "Manhunter" uma experiencia bem insatisfatória e a principal delas, óbvia pra quem ainda está lendo isso, atende pelo nome de Hannibal Lecter Lecktor.

Hello, Clarice
E não, a culpa não é do ator, Brian Cox, que dá vida ao personagem. Considerando os limões que ele tem em mãos, ele tenta fazer o que dá. Mas Hannibal aqui tem quase nenhuma importância pra trama. A dinâmica entre o canibal e Will existe e é visível que os dois personagens tem certa "bagagem" mas tudo fica na área da nuance e do subtexto. O vilão tem menos tempo de tela do que Anthony Hopkins tem em Silencio dos Inocentes e, salvo um pequeno evento na primeira metade do filme, sua influencia é só pra acrescentar certos subtextos homoeróticos no filme (que não vão pra lugar nenhum) e pra acrescentar "trevas" ao personagem de Will, em virtude da história passada dos dois. O que nos leva ao segundo e inter-relacionado problema do filme: de novo, é só um filme genérico de serial killers. A sequencia final do livro, gerada do contato entre Hannibal e Dolarhyde inexiste aqui. Will tem um insight, junta uma galera e vão pra cima de Dolarhyde (quarta vez nesse texto que vou me referir ao personagem como Dragão Vermelho e apago, o que é um problema do filme, obvio). Temos uma cena de tiroteio muito, MUITO ruim e acabou. Corta, Will tem uma cena com a família (com o personagem usando um shortinho criminoso, só pra fins de registro) e acabou. A personagem da Reba (vivida por Joan Allen) - salvo a cena do tigre - é só uma donzela em perigo a ser salva do "psicopata malvado".

Will sensualizando

Tom Noonan em cena mostrando a tatoo que batiza o livro e que não aparece NUNCA no filme
Tendo visto todos os filmes baseados na série de Thomas Harris, além do seriado, é possível perceber que esse universo se beneficia em muito do aproveitamento do espaço negativo, manjam? Os diálogos e eventos ocorrendo são tão importantes pra história quanto os momentos de silencio, as inflexões, sutilezas e o "não dito". Manhunter falha muito ao não permitir que os personagens respirem, sempre em diálogos rápidos e expositivos, mais típicos de uma obra de ambientação noir do que do mundo em que Hannibal, Will e demais se inserem. 

De novo, não me entendam mal, o filme tem alguns méritos, mas todos vindos do elenco. Como já dito, eu vejo muito do Will Graham de William Petersen no Will Graham de Hugh Dancy e até consigo enxergar um ou outro maneirismo do Dolarhyde de Noonan, tanto no Great Red Dragon (finalmente!!!!) de "Hannibal" (interpretado brilhantemente por Richard Armitage) como até mesmo no Buffalo Bill de "Silencio dos Inocentes" (eternizado por Ted Levine). A cena da morte de Freddie Lounds é bem legal, além da já citada cena do tigre (que acaba não tendo a importância devida já que o elemento que a conecta com Dolarhyde é o quadro do Dragão de Blake - também autor do poema "terrível simetria". Como as referencias ao autor inglês são reduzidas ao nível de "mera curiosidade" no filme, a citação soa sem propósito, quase necessitando de um conhecimento prévio do livro que gerou o filme e da importância de William Blake pra obra pra poder ser plenamente apreciada e entendida). 


E a ultima cena de Dolarhyde é plasticamente bonita a ponto de ser diretamente referenciada no series finale de "Hannibal".

Mas uma meia duzia de méritos não salvam esse filme, que acabou resultando num amontado de escolhas equivocadas que, mesmo acertando aqui e ali, terminam, na maioria das vezes, errando o alvo. 

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