segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Doctor Who 9x10 - "Face the raven": "Let me be brave"


Histórias tem poder. 

Quem chegou até aqui, considerando o quanto eu venho batendo na tecla desse meta tema da season 09, já deve estar vacinado a respeito do conceito. No entanto, permitam-me uma repetição: histórias tem poder. A atual temporada vêm reiterando o efeito real que histórias tem na vida humana, o poder de narrativas e como estas podem transformar efetivamente o nosso cotidiano.



Mas histórias tb podem ser perigosas. Doctor who já teve sua cota de contos de fundo moral, educando o público a respeito dos riscos de características humanas negativas como a ganância, sede de poder ou a falta de um centro "moral" no uso deste. A máxima do tio Benjamin Parker a respeito de grandes poderes e grandes responsabilidades.  

A situação de Clara Oswald, no entanto é fruto de uma outra questão, tão perigosa e instável quanto: histórias podem ser mortais se mal interpretadas. Meias verdades são iguais a verdade nenhuma. Clara Oswald pode ser a companion que mais próximo chegou, salvo Romana e Donna Noble, a efetivamente agir como um Timelord. Ela pilotou a Tardis (ok, mais ou menos), já enfrentou alienígenas sozinha e já chegou perto de salvar o dia sem a ajuda do 12th (The girl who died).
Mas.... Clara Oswald não é o Doutor. E no final, foi isso que a matou. 



"Face the raven" conclui o arco da companion que nunca, até então, tinha sido tão explicitado, mas que está ali desde o começo dessa temporada: o vício da professora na vida de aventuras dentro da TARDIS. 
O roteiro já havia nos levado a acreditar em "Under the Lake" e "the Zygon Invasion" que mesmo o Timelord começava a achar que a fixação da moça em se enfiar em aventura atrás de aventura podia ser sinal de algo errado e "Face the raven" mete o dedo na ferida sem dó. Se fruto da dor da perda de Danny Pink ou simplesmente pura hybris, cabe a cada um interpretar, mas o problema estava lá e nem tão sutilmente disfarçado. 





RIGSY: She enjoyed that way too much. 
DOCTOR: Tell me about it. It's an ongoing problem.

Mas first things first: o roteiro do ep. (de Sarah Dollard) obviamente tem seu clímax no momento da morte da companion, mas apresenta outros conceitos igualmente interessantes. A idéia da "secret street", por ex. Uma rua escondida dos olhos humanos nem é um conceito novo, já tendo sido usada nos quadrinhos ("Danny, the street", a rua senciente e transgênero da "Doom Patrol" na fase clássica em que foi escrita por Grant Morrison), ou o beco diagonal de Harry Potter, ou mesmo as cidades invisíveis dos livros de China Miéville




Mas da forma como foi utilizada aqui, será uma pena se o conceito de uma rua secreta pra refugiados alienígenas nunca mais for retomado, seja na série, seja no universo expandido (talvez num livro aos moldes do "contos de trenzalore"?). Já disse isso antes mas reitero, seja a rua secreta, o vilarejo de vikings de Ashildr ou mesmo o bar "Mos Eisley-style" de "the witch's familiar", a nona temporada está se mostrando particularmente inspirada em conceitos que podem (e eu espero que DEVAM) ser retomados futuramente na série, seja por Moffat ou pelo sucessor dele. (ou, de novo, no universo expandido. Quadrinhos, livros e audiodramas da Big Finish estão aí exatamente pra explorar tais brechas). 



Adoraria dizer que foi surpreendente rever Ashildr/Lady Me/Mayor Me tão cedo na temporada mas a BBC, no resumo do ep., fez o favor de gritar a plenos pulmões que Maisie Williams estaria aqui, então, fica só a menção da oportunidade perdida (aparentemente, visto que a BBC adiantou um evento importante do ep. seguinte no perfil oficial do canal no twitter, esse é um problema recorrente. Pelo menos desse ultimo eu consegui fugir). 



O elenco tinha uma gigantesca responsabilidade, sendo esse o (provável?) episódio de despedida da Clara, de transmitir a gravidade dos eventos mostrados em tela e é seguro afirmar que tal feito foi alcançado com louvor. Foi bastante agradável rever Rigsy depois dos eventos de Flatline (uma das minhas histórias favoritas da season 08) e mais agradável ainda ver que o tempo passou e ele se tornou pai. Joivan Wade tem, tal qual Jenna Coleman e Peter Capaldi, certa facilidade em alternar rapidamente entre emoções e tal característica foi fundamental pra transmitir o perigo dos acontecimentos do episódio. Maisie Williams segue apresentando Ashildr/lady Me como uma personagem mutante, vitima da ausência de memórias, em constante reinvenção e andando sempre numa linha entre heroína e vilã. Mas claro que, retomando o clímax de "Face the raven", o episódio é de Capaldi e Jenna. Os dois atores estão totalmente confortáveis em seus respectivos personagens e cientes do talento um do outro, portanto, o resultado é uma partida que não deve nada a outras despedidas de companions da série como as de River Song, o casal Pond ou Rose Tyler (não menciono Donna pq a partida dela foi uma besta completamente distinta de todas as demais, antes ou depois dela). 



No final, a temporada vêm, devagar, retomando elementos clássicos da série. O formato de arcos multi episódicos, o retorno de Davros e Skaro. Por mais que a série venha cada vez mais mostrando a evolução do papel dos sidekicks do Timelord e da importância destes na vida do protagonista, o Doctor ainda é o Doctor e os companions ainda são os companions. Clara Oswald brilhantemente desafiou essa máxima e, aparentemente, pagou o preço final como consequência. 



Outros pensamentos:
- "You were retconned". Fascinante esse pequeno nod do roteiro de Dollard. Pra quem não sabe, retcon é um conceito de teoria literária que significa "continuidade retroativa" (do inglês retroactive continuity) e significa a revisão de um fato ou evento passado da continuidade de uma narrativa ficcional. Por exemplo, a não-destruição de Gallifrey, em "The day of the doctor" é um retcon. Ou a inserção do conceito das 12 regenerações, ocorrida em "The deadly assassin", arco de histórias do 4th Doctor. Interessante como isso acrescenta peso à teoria de alguns fãs e críticos de que o Doutor está tendo seus 52 anos de cronologia usados como arma contra ele dentro da season 09 (literalmente, inclusive, no caso de "the witch's familiar", onde Davros usava cenas da série clássica pra fortalecer seu argumento contra o Timelord)
- Não, não me escapou, no entanto que a droga retcon surgiu em Torchwood. Segunda menção, nessa temporada, ao spin off do Capitão Jack Harkness. Apenas um aceno pro público ou sinal de algo maior? Quem sabe....



- Mais alguém notou que o Doctor se afasta quando ouve a filha do Rigsy chorando ao telefone? Lembrando que o 12th entende a linguagem dos bebês, imagino o que a garotinha estava dizendo...
- Clara and Jane Austen....sitting in a tree....k-i-s-s-i-n-g.......



- Legal rever os cartões do Doctor de volta. Reafirmo que ter posse de tais cartões facilitaria minha vida consideravelmente. #Aspiesforfreedom



- DOCTOR: So you just want the human dead, is that it? 
RUMP: You don't get it, do you? If the human didn't do it, that means one of us did it, which means folks start pointing fingers, turning on each other. And once we turn on each other in here, that's it. I might as well be back in a war zone.

Rump, nesse diálogo, nos lembra que o processo civilizatório também é uma história e que esta se sustenta em bases extremamente frágeis. Transforme o contrato social em algo insustentável a ponto de inviabilizar a narrativa de civilização e o que sobra é puro caos.
- Tomara que Rigsy apareça, nem que seja de vez em quando, na tal série spin off teen que a BBC anunciou recentemente, focada nos alunos da Coal Hill School
- .......desculpem, eu não vou resistir. 

and asking himself "will I see Clara again?" the Doctor sadly closed the Tardis' door
quoth the raven..... 





"Nevermore"


Nenhum comentário: