sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Doctor who 09x11 - "Heaven sent": You won't see this coming...



so......



(e a propósito, a escolha dessa imagem não foi aleatória, mas retomo isso daqui a pouco...)

DOCTOR: As you come into this world, something else is also born. You begin your life, and it begins a journey towards you. It moves slowly, but it never stops. Wherever you go, whatever path you take, it will follow. Never faster, never slower, always coming. You will run. It will walk. You will rest. It will not. One day, you will linger in the same place too long. You will sit too still or sleep too deep, and when, too late, you rise to go, you will notice a second shadow next to yours. Your life will then be over.



wow!!!
Sério.....wow!!!! No começo da temporada, eu perguntava quais seriam as contribuições permanentes da season 09 para o legado de Doctor Who, principalmente em comparação com a season 08, que tinha pelo menos dois episódios que ficarão como novos clássicos ("Kill the moon" e "Listen"). Quando veio "The Zygon Inversion", eu já estava satisfeito. Veio a promessa de um episódio experimental de Mark Gatiss e o resultado foi...... well.... bem abaixo das expectativas mais gentis. "Face the raven" foi um episódio legal mas ligeiramente comprometido, estruturalmente, por ter um clímax que todo mundo já sabia qual seria.



mas wow. Quem diria que o game changer da temporada (e como eu disse ontem, talvez, dos 50 primeiros anos de existência do programa), viria como o ep. do meio um arco de 3 capítulos. 



"Heaven sent" foi absolutamente soberbo. Abaixo somente de "Listen" e "Ghost light" em meu ranking de arcos/episódios favoritos de Doctor who de todos os tempos. Só pra tirar do caminho. E o melhor de tudo: apesar de obviamente bombástico, o cliffhanger no final foi só UM dos elementos que tornam esse episódio incrível. 

Comecemos pelo roteiro: Se alguém ainda tinha alguma dúvida das habilidades de Steven Moffat como roteirista, imagino que elas devem ter ido por terra. Pq o texto desse episódio denota um controle absurdo das técnicas que fazem dele algo tão bom. Não duvido que pessoas mais espertas que eu tenham conseguido antecipar algum dos twists que nos aguardavam conforme a história avançava, mas eu?
Caí feito um pato.




E não se enganem: do texto que abre o episódio à imagem das crânios no fundo do mar, todas as pistas pra desvendar o grande mistério de "Heaven sent" foram dadas. Mas claro, como bom ilusionista que é, Moffat sabe que, no fundo, nós queremos ver a mágica sendo feita e, mais que isso, que seja realizada com um nível de excelência tal que nos permita acreditar que aquele homem realmente está flutuando, que a carta magicamente apareceu no bolso dele, que o coelho magicamente se teleportou dentro da sua cartola e que o elefante realmente desapareceu. 

E a trama funciona tal qual o castelo em que o 12th se encontra aprisionado: uma puzzle box se rearranjando o tempo todo. 



DOCTOR: The wind resistance of the stool, the atmospheric density, the strength of the local gravity. Am I spoiling the magic? I work at this stuff, you know?

Raríssimas foram as vezes que o Doutor apareceu sem uma companion ao seu lado, o que é perfeitamente compreensível, em termos de roteiro: a companion funciona como meio do Doctor expor seus pensamentos e demais detalhes da história e, através dela, expor para o público. E o protagonista é, desculpem a obviedade, alguém brilhante, com uma velocidade de pensamento inumana, logo, coloca-lo solo numa história pede certos artifícios para possibilitar que acompanhemos seus raciocínios de forma orgânica.



Em "The deadly assassin", um dos melhores (e mais importantes, em termos de construção de mitologia) episódios do 4th Doctor, os eventos simplesmente aconteciam, com uma ou outra cena de monólogo.



Em "Midnight", ep. da quarta temporada (e provavelmente a melhor coisa, junto com "turn left" que Russel T. Davies escreveu em sua passagem pela série), o 10th Doctor tinha as demais pessoas da nave onde estavam isolados para poder expor os desenvolvimentos da história. Aqui, temos narração em primeira pessoa, momentos de quebra da quarta parede e, mais interessante, a presença de uma "Clara Oswald imaginária".




Mais uma vez, remetendo ao meta-tema dessa temporada, temos algo fascinante: mais uma vez retomamos a questão da importância das histórias e narrativas, mas desta vez, da perspectiva do contador de histórias.
O 12th, aqui, personifica o próprio Moffat e o eterno processo de malabarismo que é ser um contador de histórias serializadas e que atingem um público massivo. O "The Veil", como lembrou muito bem o Darren do "the m0vie blog" em seu review do episódio, é uma óbvia metáfora não apenas para a morte e entropia mas também para o fracasso. De certa forma, o The Veil funciona aqui da mesma forma que o "Gentry" funcionava na mini-série/mega evento da DC "the Multiversity", de Grant Morrison: se o 12th aqui é o roteirista/contador de histórias, o monstro que incessantemente o caça é, por sua vez, os reviews ruins (justos ou injustos. Imagino que os justos sejam ainda piores), a ameaça de plots ruins ou que não se resolvem ou que simplesmente não vão pra lugar nenhum, é a insegurança que todo artista tem de simplesmente fracassar. E no caso do showrunner, há também o medo da "chama" estar se apagando, depois de 5 anos no comando da série, tendo que se provar o tempo todo. (e é fascinante notar que os fãs mais chatos são o menor dos problemas aqui. O problema são fãs como eu, que gostam dos rumos que a série tomou e esperam, pelo menos, um ou dois "Blink" ou "Listen" por temporada).



A série alcançou uma penetração mundial que jamais teve e parte dos méritos são, sim, de Steven Moffat. Mas imagino que, junto com o orgulho que isso traz, vem também um fardo de responsabilidade absurdo. Outro dia vi um tuíte de um roteirista de quadrinhos de que gosto muito, Dan Slott, escritor das HQs do Homem Aranha e do Surfista prateado, que me vieram à memória quando comecei a escrever esse texto, onde ele mandava um recado a si mesmo: "lembre-se: este era o seu trabalho dos sonhos quando criança e, pelamordedeus, esta é a coisa mais divertida do universo". 
Escrever os roteiros de Doctor Who tb é o dream job de Moffat. O que não quer dizer que seja algo fácil e agradável o tempo todo.



DOCTOR: Can't I just lose? Just this once? Easy. It would be easy. It would be so easy.

Um episódio desse nível de excelência, obviamente, não é fruto apenas de uma unica mente. O roteiro de Moffat é muito bom e, novamente, como já disse em "The Zygon Invasion/Inversion", depende da sua fé no elenco e produção envolvidos para poder atingir seu pleno potencial. E, fucking hell, raras vezes todos os elementos estiveram tão em sintonia.



So, um episódio solo, dependendo quase que inteiramente de um único ator. Peter Fucking Capaldi
Bafta? Estamos todos de acordo a esse respeito? Holy hell, por mais que Tennant e Smith tenham crescido horrores no papel, eu não consigo imaginar ninguém alem de Capaldi, Eccleston, Sylvester Mccoy e Tom Baker capazes de atingir esse nível de atuação. Já disse antes como o ator consegue emular (não imitar, percebam) tons que remetem as versões anteriores do personagem de forma absolutamente orgânica e fluída e tão naturalmente que as vezes pode passar despercebido numa primeira vez assistindo o episódio. Mas desde os tons de voz até a forma de olhar para as coisas, Capaldi personificou, em momentos, o 4th Doctor com tamanha perfeição que eu sinceramente esperei, em alguns momentos, que ele fosse recorrer a um saquinho de jelly babies como forma de acalmar os nervos.*



Eu sempre falo, tb, que não é qualquer artista que consegue trabalhar bem com o conceito de aproveitamento do espaço vazio. Capaldi, no entanto, sabe a importância do silencio e o utiliza brilhantemente em dois momentos distintos: na cena em que vai, pela primeira vez, no episódio, se dirigir à Clara e imediatamente se lembra que ela não está e nunca mais estará lá.
E a segunda é ao final do episódio. O personagem consegue sair de sua prisão, pega o confession dial e o guarda e temos alguns segundos de contemplação silenciosa por parte dele, antes da cena em que o garotinho aparece. E, mesmo sem uma única palavra, nós percebemos imediatamente que ele sabe onde está e todo o peso que tal ciência traz.



Se o ator está no topo de suas habilidades, não dá pra dizer menos da diretora do episódio, Rachel Talalay e do editor William Oswald. Talalay cria um ambiente gótico e extremamente claustrofóbico, remetendo ao teatro, desde iluminação e ângulos de câmera remetendo ao cenário sufocante e profundamente aterrador no qual nosso protagonista se encontra, passando por um dos shots mais lindos de que me lembro de ter visto em todos os 50 anos de série, o da silhueta do Doctor à mesa, comendo.
O episódio é plasticamente lindo, me lembrando o nível de cuidado que eu via em Hannibal.





E convenhamos, que coisa linda aquela transição do rosto do personagem para um dos crânios jazendo naquele labirinto. 


E a montagem, ao final do episódio, não apenas retoma cenas já vistas, nos apresentando o looping que nós, e o Doctor, estivemos assistindo durante quase uma hora, mas insere tb cenas refeitas e novos ângulos que acrescentam mais detalhes ao que estamos vendo, passando exatamente o nível de urgência e o fardo insuportável que o 12th carregou por mais de 2 bilhões de anos. 



A trilha sonora de Murray Gold, por sua vez, assumiu um papel de protagonismo que eu não me lembro desde o 11th Doctor e sua música tema maior que a vida "I am the doctor". E isso não é uma crítica: os temas do 12th doctor sempre foram mais sutis, menos apontando os momentos de tensão ou indicando qual a emoção passada ali e mais reagindo a eles, "harmonizando" com o que vemos em tela.
Aqui, no entanto, a trilha sonora ganha escala de co-protagonista, quase operística, ajudando a compor o ambiente gótico e trágico onde o Doutor, de forma shakespeareana e sisífica, enfrenta seu inferno pessoal. 
E lembrando da máxima cunhada por Dante em sua Divina Comédia, todo homem tem que descer ao inferno para chegar ao paraíso. 

Segunda vez que afirmo isso ao final de um texto sobre a season 09: episódio antológico.  

Outros pensamentos:



- * A menção a Tom Baker e seu 4th Doctor não foi feita de graça, aqui ou no episódio: a season 18, ultima com Baker no papel do protagonista, foi toda marcada por ter, como tema, a entropia, o fim inevitável de todas as coisas. História após história, o 4th era confrontado com cenários que constantemente remetiam ao fim inevitável, até ele próprio encontrar a "própria morte" em Logopolis, onde regenerou no 5th (e o primeiro arco do "novo" doctor, "Castrovalva", continua a lidar com o assunto)


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- Pra quem ficou curioso, a flor que o 12th segura durante o episódio é uma "Stargazer Lily", ou, mal e porcamente traduzindo pro português, uma "lírio do observador de estrelas" (procurei mas não achei um nome oficial pra essa flor em nossa língua). Como se o nome em si já não fosse um grande mindblower pra gente, tomem essa tb: essa é uma flor desenvolvida artificialmente, fruto de anos de engenharia e juntando genes de diversas outras flores. Sim, crianças, a "Stargazer Lily" é uma flor híbrida.




- Eu adoro vídeos de reactions. Juro, adoro. Me ajudam a me sentir parte de um grupo maior, me sentir realmente dentro de um fandom, vendo aquelas pessoas reagirem de formas muito parecidas com as minhas próprias ao assistirem os episódios. E, tal qual eu, quando "Heaven sent" revelou que o Doctor estava em Gallifrey, a reação da maioria dos fãs foi chorar, gritar e abrirem um sorriso monstro. Mas.....

....sendo o cínico que sou, comecei, na segunda vez que vi o ep., a me questionar se essa era uma reação apropriada. Ok, claro que, depois do texto que eu escrevi ontem, eu acho esse ep. e o seguinte monstruosamente importantes como o fim de um ciclo. Mas, devo lembrar-lhes que esta não é uma volta pra casa apenas, amigável e emocional. Pelo contrário. Percebam como na primeira vez que vemos Gallifrey na série nova, num flashback do 10th, ela é viva, vibrante e linda, contrastando com o planeta de tons melancólicos que vimos ao final desse ep. e no promo do próximo, como se fosse um lembrete para o nosso herói de que suas memórias vendiam um lugar muito melhor do que o real (como acontece com cada um de nós, aliás, que sempre nos decepcionamos quando confrontamos nostalgia e memória emocional com a realidade). Fãs da série clássica, principalmente, tem sérios motivos pra acreditar que o retorno do filho pródigo à seu lar vai ter menos alegria e contentamento do que esperamos: não nos esqueçamos que a maioria esmagadora dos demais Timelords que já apareceram oscilavam entre serem apenas um bando de cretinos pomposos até aqueles que eram ameaças de nível cósmico/multiversal (Omega, the meddling monk, The Master, Borusa, The Rani, The War chief, Rassilon). Lembremos tb que os Timelords foram os responsáveis pela "morte" do 2nd Doctor e pelo aprisionamento do 3rd na Terra por anos. E, mais recentemente, que a elite Gallifreyan quase destruiu a realidade como conhecemos em "the end of time". Aliás, lembremos tb do minisode "The night of the Doctor", onde descobrimos que os Timelords se tornaram cruéis, em virtude da Guerra do tempo,  a ponto de serem indistinguíveis, em termos de selvageria, dos Daleks.
E que, na melhor das hipóteses, estamos falando de uma raça de seres ineficiente, elitista, preconceituosa e profundamente condescendente. De novo, não parece uma reunião das mais calorosas, não? 
- Eu citei "Listen" lá em cima e não posso esquecer de apontar como este episódio fortalece ainda mais aquele e vice-versa. Percebam o monstro de "Heaven sent", the veil...




...baseado, segundo o próprio ep., num dos medos fundamentais do Doutor, de quando ele viu um cadáver coberto por um véu e cercado por moscas, ainda quando criança. Agora, vejam o "monstro" de "Listen"


..... pois é, não é? Então, quando o protagonista parece apavorado nessa cena, é pq ele REALMENTE está. E quando ele faz aquele discurso lindo sobre o medo ser um superpoder para o jovem Danny (ok, Rupert) Pink, ele não está apenas vomitando palavras vazias ou falando de um medo conceitual aleatório mas sim de algo ali, diante dele, que remetia a uma das experiências mais aterrorizantes que ele já enfrentou na vida. O que remete, não apenas à frase do 1st Doctor de "fear makes companions of us all" mas também do discurso do 3rd sobre a verdadeira coragem vir não da negação do medo, mas do confronto e posterior superação deste. 
- Ok...


.....isso NÃO pode ser uma coincidência. Principalmente sabendo o que tinha dentro da sala número 11. Preciso rever toda a fase do 11th, ciente agora do que nos espera ao final da season 09. TODA a fase do showrunner foi fazendo o Doctor ir atrás de Gallifrey, o que, inevitavelmente, o levava em direção ao seu pior medo.



Demônios, Moffat, you clever bastard.

DOCTOR: “There’s this emperor, and he asks the shepherd’s boy how many seconds in eternity. And the shepherd’s boy says, ‘There’s this mountain of pure diamond. It takes an hour to climb it and an hour to go around it, and every hundred years a little bird comes and sharpens its beak on the diamond mountain. And when the entire mountain is chiseled away, the first second of eternity will have passed.’ You may think that’s a hell of a long time. Personally, I think that’s a hell of a bird.”

"Alas, poor Yorick"

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