terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Esquadrinhando a quarta/Relicário

e aí eu estive lendo pra caralho. Muitas hqs e, veja só, até alguns livros. Sim, sim, sem figuras. Nem um desenhinho, veja só. E físico, o que me obrigou a, imaginem isso, largar meu tablet por um longo período de tempo. Quem diria, não?
So....

TRANSMETROPOLITAN #1-#3



Em virtude da situação política atual do Brasil e, em escala mais local, de SP, eu obviamente me vi obrigado a revisitar meu trabalho favorito de Warren Ellis (com desenhos de Darick Robertson). Pq? well... pq é o que eu faço. Vejo uma situação em minha frente e vou procurar por equivalentes à ela na ficção como forma de interpreta-la. "mas Transmet é um gibi de sci-fi, não?"

Sim, mas como toda boa sci-fi, esse mundo do futuro é uma versão sombria e distorcida do nosso próprio, onde o autor faz um recorte de tudo que compõe o contexto cultural e político atual e amplifica certos aspectos dele pra mostrar o que o mundo pode se tornar, positiva e negativamente. E o que temos é um mundo não muito diferente do nosso: poluição, caos político, social e ambiental, guerra de classes cada vez mais acentuada e, no topo disso tudo, um bando de políticos utilizando da autoridade que lhes foi conferida pra ferrar com todo mundo. E, se possível, esperando alguma gratidão de volta.



E tal qual no nosso mundo, as pessoas se acomodam e se acostumam com tão pouco que ficam entorpecidas diante desse cenário distópico, precisando de alguém que grite em seus ouvidos o quanto as coisas estão erradas. E Spider Jerusalem, o protagonista da hq? Hell fucking yeah, ele tem uma porra de um megafone onde vomita a verdade, doa a quem doer. O primeiro arco do gibi apresenta Jerusalem e o reposiciona dentro do cenário onde viverá sua via crucis pessoal. O jornalista, que se isolou numa montanha depois de ter ganhado fama mundial em virtude de seus textos, é obrigado, por razões contratuais, a voltar para a cidade e para o exercício da profissão que quase o matou (literalmente, inclusive). Visivelmente inspirado em Hunther Thompson, Jerusalem é um anti-herói trágico em essência: anti-social, viciado em drogas estimulantes e fazendo inimigos por onde passa. Mas esses "defeitos" são eclipsados pelo seu talento maior: ele é um puta jornalista e vai trazer a Verdade, com V maiúsculo, à tona, mesmo que pessoas precisam sangrar ou sofrer prolapsos intestinais no processo. Também nesse primeiro arco, vemos Spider se envolvendo com a batalha de angels 8, que, sem spoilar demais, tem a ver com o abuso de força policial e o uso dessa polícia como meio de manutenção do poder estatal. 

Vcs sabem, nada que a gente veja hoje em dia, aqui no Brasil ou em outros países, certo? 



Uma das melhores histórias de introdução de um personagem, "Transmet" só melhora com o tempo. 

MADMAN #1



Junto com Transmet, Madman é possívelmente, minha hq favorita.

Não, little John, não me refiro à nenhuma obscura adaptação pros quadrinhos das aventuras de Don Draper e seu dia a dia na Sterling Cooper. Me refiro à Madman, hq indie clássica de autoria de Michael Allred.

Não sei se já deixei claro aqui, mas eu absolutamente amo Madman. Mas confesso que tinha certa preguiça de ir atrás das mini-séries iniciais, até pq o titulo tem um histórico de publicação bem confuso, com várias mini-séries e títulos mais longos passando por duas ou três editoras. Foi então que descobri que, pensando em facilitar a vida dos leitores, a Image, atual casa do gibi, compilou todas as histórias do personagem em 4 grandes (grandes MESMO) encadernados. Li o primeiro e é fascinante ver o processo de evolução do artista, que vai disso...




até isso...


...em um período bem curto de tempo. Se a arte de Allred vai se alterando, é no roteiro que vemos as mudanças mais drásticas. Parte do que faz Madman um gibi fascinante estava lá desde o começo mas ainda escondido atrás de uma ambientação mais tradicional dos gibis da época, onde o protagonista, Frank Einstein (na verdade, Madman sofre de amnésia e não lembra de seu verdadeiro nome. Frank Einstein é um alias conferido a ele pelo cientista que o ressuscitou, juntando os nomes de dois de seus ídolos: Frank Sintra e Albert Einstein) é um herói vivendo num mundo levemente noir (o que era reforçado pela ausência de cores no inicio do título) e bastante violento. Ao final da primeira mini-série, Allred vai abandonando esses elementos mais comuns das HQs de super heróis dos anos 90 e abraçando aquele fator ultra pop pelo qual o título (e o artista) são tão conhecidos: primeiramente, cores (brilhantemente feitas pela esposa do artista, Laura Allred), fortes influências da era de prata das hqs, da swingin' london, sci-fi tipo atomic horror e de tudo que fazia os anos 60 awesome. A expressão aqui é "sense of wonder", essa, traduzindo literalmente, sensação de maravilhamento e encanto. Pq Madman é, antes de tudo, um gibi encantador e extremamente divertido, ainda que com sua cota de sombras, aqui e ali. No primeiro encadernado temos gangsteres fortemente armados, cientistas viciados, Beatniks mutantes, viagens no tempo, um mistério de assassinato num barco com uma trupe de circo bizarra e o nosso herói reagindo a tudo isso, armado de seu ioiô, sua arma de discos de plástico, seu sorriso largo e sua inocência que fazem deste, um dos títulos mais "gostáveis" da industria de quadrinhos underground americana. 

HEROBEAR AND THE KID#1


Esse ainda estou no comecinho, mas Jesus Cristo, é um gibi estrelado por um ursinho polar de pelúcia que pode ou não se tornar um super heroi (um urso polar gigante de capa) e seu sidekick.
E, rapaz, que traço absolutamente adorável que Mike Kunkel possui, não?




DOCTOR WHO: THE FOUR DOCTORS #1 a #5



Então..... mesmo quem lê gibis há muito....muito....MUITO...tempo... como eu, tende a, ocasionalmente, em reviews tipo este, falar muito do roteiro, do desenrolar da trama e de como a história funciona ou não e, normalmente, gasta duas linhas falando do desenho. Vejam bem, isso não se dá por maldade mas apenas pq estamos acostumados a, tal qual no cinema, ver a parte visual das "artes visuais" como algo que simplesmente está lá. Ok, se vc REALMENTE entra de cabeça e valoriza tais artes, vc começa a, citando Naruto, tentar "enxergar atrás do que está atrás" e treinar os olhos pra enxergar sutilezas que aquela arte lhe apresenta de forma menos óbvia. Mas mesmo assim, escapa aqui e ali. Mas aqui o negócio fica um tiquinho gritante.



Vejam bem, não dá pra dizer nem de longe que a arte desse gibi seja ruim, mas ela é...... um tanto medíocre. E nem me refiro à incapacidade de Neil Edwards em retratar o 11th Doctor mais próximo do seriado (ele parece um grandalhão forte e não a girafa bêbada que deixou saudades depois de sua passagem pela série), mas de sua arte como um todo. E, por mais que comparar seja cruel e injusto, sejamos honestos: os desenhistas das séries de Doctor Who, desde que a Titan Comics assumiu os direitos de publicação do personagem, costumam ser de primeira linha, indo do muito bom (Emma Vieceli, nos traços do titulo do 8th Doctor), ao WOW! (alguns dos artistas dos 3 títulos mensais da editora, focados no 10th, 11th e 12th doctors, citando, respectivamente, Elena Casagrande, Simon Fraser e Dave Taylor). 

Apesar disso, Edwards segura a bronca bem. Quanto aos roteiros: c'mon, guys, é um evento multi-doctors envolvendo pelo menos 4 doutores escrito por Paul Cornell. Paul fucking Cornell, um dos melhores roteiristas da série (escreveu de "Father's day" e "Human Nature/Family of Blood", autor do Discontinuity guide, de literalmente dezenas de livros do universo expandido do personagem e meu showrunner dos sonhos para um futuro pós-Moffat)
Claro que o roteiro da série é impecável. O autor vai fundo na cronologia da série, retomando elementos da série moderna, universo expandido e mesmo da série clássica (sendo, o maior deles, a raça de vilões da mini-série).

E além de um roteiro muito bom, ele entrega um epílogo que é uma gigantesca declaração de amor ao 9th doctor. Podia ter um desenhista melhor? Sim. Mas se for julgar APENAS o produto final que nos foi apresentado, essa mini-série em 5 edições ainda é excelente e um dos melhores materiais publicados pela Titan focados no universo de nosso Timelord favorito. 

DARK WOLVERINE #75 e #76



De uns tempos pra cá, a Marvel tem sido particularmente feliz em renovar seu panteão de personagens, desenvolvendo uma geração de "heróis de legado" tão fascinante quanto foi o rol de criações da DC lá pelos idos dos 90 (a Supergirl do Peter David, Kyle Rayner, Conner Queen, além de uma fase particularmente inspirada de histórias do Flash estreladas por WALLY FUCKING WEST!!!!)
Kamala Khan, a Squirrel girl, o novo Nova, Amadeus Cho, Miles Morales e, num espectro moral COMPLETAMENTE distinto dos demais, Daken. Filho do Wolverine, o personagem chama a atenção por desafiar certos paradigmas dos gibis de super-heróis: primeiramente, ele TRANSA. Ele gosta de sexo e não tem pudor algum nisso (aliás, sexo é uma das muitas armas que Daken usa a seu favor). Plus, ele é bissexual. E, por ultimo mas não menos importante, ele tem um senso moral EXTREMAMENTE flexível, salvando vidas aqui e estando plenamente disposto a assassinar crianças acolá. 


Durante o arco de histórias conhecido como "O cerco", Logan, o Wolverine tradicional, foi posto de lado e Daken assumiu o manto e o título e, do pouco que li até agora, boy, que material promissor. As duas edições (com roteiros de Daniel Way e Marjorie Liu e arte de Giuseppe Camuncoli) aproveitam pra introduzir um pouco da personalidade do rapaz, usando tudo e todos pra desafiar a estrutura de poder dos Dark Avengers, liderados tiranicamente por Norman Osborn, o que inclui um ataque gratuito a um dos membros do Quarteto Fantástico tentando incriminar um "colega" de time. 
Preciso dizer: a "dinâmica" entre Daken e o Bullseye é um dos pontos fortes do título. Bom saber que a passagem do personagem por "Dark Wolverine" é razoavelmente longa, sendo seguida por um titulo dele e sua posterior participação em "Wolverines". A arte de Camuncoli é linda, se permitindo certas experimentações aqui e ali. Considerando que ele é meu desenhista favorito da fase final de Hellblazer, nenhuma surpresa que sua arte também seria um forte atrativo aqui. O desenhista foi a escolha apropriada para um título que precisa trabalhar muito bem suas nuances e, ao mesmo tempo, transmitir a tensão resultante (afinal, falamos de um personagem que está constantemente perto de entrar num berserk homicida).



Facilmente, um dos novos personagens mais interessantes da Marvel e, considerando a fase boa da editora, isso não é pouco. 

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