quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Sobre Doctor Who, "Heaven sent", teorias pessoais e o fim de um ciclo.....


Ok....era uma vez um simpático urso hominídeo que, para fins meramente poéticos iremos chamar aqui de Hak. Hak, nosso simpático protagonista, um dia foi à livraria cultura e lá, comprou, hesitantemente já que era um tiquinho acima do que seu orçamento permitia, um livro intitulado "Doctor Who: The Vault".



Esse livro belíssimo trazia vários artigos sobre a produção da série britânica, focando, num eixo cronológico, em vários aspectos de produção. Entre as centenas de curiosidades fascinantes que o livro trazia, uma delas lhe chamou particularmente a atenção e nunca mais saiu da sua lembrança. O item em si era um rascunhão da idéia original de Doctor Who, produzido pra explicar, pros executivos da BBC, qual seria o tema geral do show. Nesse rascunho, o primeiro estudo do personagem apresentava o protagonista da série como "um alienígena que fugiu de seu planeta com sua neta, numa máquina do tempo, para escapar de uma guerra cósmica".



A partir daí a idéia vai fermentando, mutacionando, evoluindo, novos dados vão sendo acrescentados conforme eu....ops, sorry, conforme Hak vai vendo a série clássica e, passado algum tempo, chegamos à "Heaven sent", episódio que, estando eu certo em minha teoria ou não, é seguramente um dos episódios mais importantes da história de Doctor Who. 

Me baseando apenas naquilo que eu li no "the vault" e naquelas conexões que a gente, do fandom, adora fazer e que gera hipóteses absurdas que não raramente se aproximam da verdade, quando não são melhores do que a versão oficial mostrada em tela (o grande pecado de Lost, por exemplo, é que a maioria das teorias sobre o final da série eram muito mais interessantes que o final em si) formulei o seguinte: e se o Doutor não tivesse fugido de Gallifrey apenas por tédio, mas por medo de uma guerra? E se a guerra em questão fosse a Timewar?



Nesse exato momento, meu leitor mais obcecado pela intrincada cronologia da série já deve estar pensando: "mas como assim? é canon que a timewar começa apenas depois dos eventos de Genesis of the Daleks." e eu seria obrigado a concordar. MAS.... o 4th Doctor é enviado de volta no tempo nesse arco, provavelmente séculos antes dos eventos de "Daleks", arco do 1st Doctor em que ele conhece seus principais antagonistas.



"Ok, mas quando ele encontra os Daleks pela primeira vez, eles não se lembram de já ter encontrado outra versão do timelord antes"

Sim, little John, minha tese não é perfeita. Eu consigo postular algumas hipóteses que explicariam como isso seria possível (eles podiam ainda não estar cientes de que o 1st Doctor era uma versão anterior do Doctor que eles haviam conhecido antes, o 4th. Até pq, no ponto em que o primeiro Doutor encontra os alienígenas, eles ainda nem sonham em ter domínio do conceito de viagem no tempo) mas elas só gerariam mais perguntas e mais perguntas, mas, sigamos: Então, de alguma forma, o 1st Doctor teve um vislumbre do futuro e do que esperava Gallifrey. Ele pega Susan e, com orientação de uma das versões da Clara, pega a Tardis  mark 40 com defeito que havia à mão e foge. Séculos depois, volta no tempo, respondendo a um pedido dos Timelords, até o ponto da criação dos Daleks e se depara com a possibilidade de eliminar a raça fascista de criaturas antes que elas possam reunir poder a ponto desenvolverem seu pleno potencial. Ele decide não faze-lo e parte rumo à infinitas aventuras. Algum tempo depois os Daleks descobrem a tentativa de genocídio retrospectivo que os senhores do tempo tentaram e decidem contra-atacar com vários planos e esquemas. Depois de todos falharem, os Daleks partem para uma guerra total. E começa a Timewar.



Chegamos a "the day of the Doctor" e a aliança entre todas as versões do Timelord permitem que o planeta de origem dele seja salvo num pocket universe, sendo posteriormente "quase" resgatado pela 11ª versão do nosso herói.

Conseguem enxergar um ciclo aí? 

DOCTOR: Clara sometimes asks me if I dream. Of course I dream, I tell her. Everybody dreams. But what do you dream about, she'll ask. The same thing everybody dreams about, I tell her. I dream about where I'm going. She always laughs at that. But you're not going anywhere, you're just wandering about. 
That's not true. Not any more. I have a new destination. My journey is the same as yours, the same as anyones. It's taken me so many years, so many lifetimes, but at last I know where I'm going. 
Where I've always been going. Home, the long way round.

O que eu vejo de poético (e trágico) na possibilidade de um retcon que coloque a Timewar como a provável causa da partida do Doctor de Gallifrey é que isso transforma a vida das 12 primeiras regenerações do personagem num gigantesco ciclo. O Timelord foge de seu lar tentando escapar de seu destino profetizado apenas para terminar não simplesmente indo em direção a ele, mas para a posição de seu agente provocador. Seu principal realizador. O que é uma perspectiva bem sinistra.



Por outro lado, existe uma segunda interpretação pra esse retcon (não uso o termo de forma aleatória aqui, o que qualquer um que tenha visto "face the raven" deve ter notado) bem mais positiva: ok, a profecia que levou o 1st a fugir teve desdobramentos sombrios e ele inevitavelmente foi em direção ao futuro que ele desesperadamente tentava evitar....MAS.... aí entra o livre arbítrio e os eventos do especial de 50 anos. Quebrando a regra mais sagrada do seu povo, que proíbe reescrever a própria timeline, nosso herói altera os eventos e salva seu mundo. O que parecia uma história de tragédia, de alguém preso dentro de um labirinto que o colocava, ao final de sua jornada, diante do horror do qual tentava escapar, na verdade era uma gigantesca missão de resgate. Ao salvar Gallifrey, o Doutor transformou todos os seus séculos de existência e a vida de cada uma de suas regenerações anteriores, conferindo um propósito, uma macro-missão. O que parecia uma sequencia de viagens para o passado e futuro, na verdade era uma gigantesca e sofrida viagem de volta ao lar. E o mais espetacular nisso tudo? Possibilitada por alguém que sequer deveria existir.



Pq não nos esqueçamos: Timelords tem um ciclo finito de vidas. Eles podem receber novos ciclos, mas.......deveriam? Os poucos exemplos dentro da série de timelords que tiveram um novo ciclo de regenerações não são exatamente representativos de que a prática deve ser executada largamente: Rassilon (que, já na série clássica, não era flor que se cheire) e o Mestre (pois é...). Talvez, Omega (vilão que apareceu no clássico arco "The 3 Doctors"). Preciso me estender? 
Talvez exista um motivo pra esse número finito. Talvez a mente de um timelord não consiga se manter imortal sem consequências. Ou talvez, a perspectiva de finitude seja aquilo que mantenha criaturas tão largamente poderosas presas à um centro "moral". O ponto é: pelo menos dentro da série de tv, clássica e nova, imortalidade sem fim geralmente não tem bons desdobramentos, pro alvo dela e pros próximos a estes (Ashildr que o diga).
E ainda assim, é o 12th Doctor que conseguiu finalmente por os pés de volta em Gallifrey. O Doctor que segundo versões dele mesmo em "The 4 doctors", mini-série recentemente lançada pela Titan Comics e escrita pelo sempre excelente Paul Cornell, "é uma anomalia". 
O que me soa fascinante nesse elemento ciclico é que esse padrão é quebrado pelo 11th Doctor. Gallifrey foi salva. O que quer que aconteça agora com o planeta, qualquer que seja a decisão final do Doutor interpretado por Peter Capaldi com relação ao seu mundo, traze-lo de volta ou deixa-lo no universo miniatura, a busca dele terminou.
Eu lembro de algumas vozes gritando contra a escolha do ator, na época em que Matt Smith estava deixando o papel, dizendo que podiam ter escolhido uma mulher ou um ator de outra etnia para interpreta-lo, ou mesmo que podiam ter continuado com os atores mais jovens, pra manter a atenção de um publico que começou a ver a série com a retomada em 2005 e poderia não estar acostumado com a idéia de um protagonista aos moldes dos doutores clássicos. 



Well..... aparentemente, Steven Moffat tinha um plano. Pq, considerando tudo o que eu disse acima, é lógico que TINHA que ser alguém aos moldes do ator escocês. Ele tem a mesma idade que William Hartnell, intérprete do primeiro doutor, tinha ao assumir o papel. Ele tem certa semelhança, reforçada por suas vestimentas, com o 3rd Doctor, uma das versões mais queridas do personagem. E ele é um ator talentoso (além de um fã) a ponto de poder emular certos trejeitos e tons dos Doctors anteriores, mesmo sem ter que forçar uma imitação destes. 
O 12th Doctor é o fim de um ciclo, que retoma ao inicio deste. Apenas para permitir quebra-lo. 
Lembremos que a timewar e a destruição de Gallifrey sempre foram tb metáforas para o cancelamento da série. Apesar das quedas da audiência - provavelmente mais relacionadas a menos gente assistindo tv de forma convencional e preferindo ver online ou por meios não mensuráveis como conhecemos - acho seguro afirmar que esse fantasma está momentaneamente distante. Provavelmente a série nunca esteve tão consagrada quanto hoje em dia, local e mundialmente falando (quando até o Brasil recebe produtos de merchandising da série em canais oficiais, isso é um sinal de algo).


É hora de deixar a sombra da timewar literal e figurativamente pra trás e evoluir. O que o showrunner brilhantemente faz, naquele que deve ser o ano anterior a seu desligamento da série (e no ano em que a atual versão do show completa uma década de existência) é colocar um ponto final nesse ciclo e permitir que a partir daqui, o personagem (e o show em maior escala) possa ser não apenas um ator diferente, mais velho ou mais novo, branco, negro ou oriental, homem ou mulher, mas sim, que ele possa, tal qual o show que protagoniza, ser tudo que ele quiser ser

amanhã: sobre morte, Shakespeare, solidão, inversão de expectativas e o review de "Heaven sent"

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