quinta-feira, 25 de abril de 2019

"A duração de um minuto": The Seventh Seal (1957)

"A duração de um minuto" é a nova série do blog, focada na filmografia de um dos maiores nomes da sétima arte: Ingmar Bergman. Resumindo? Um filme do diretor por dia, de segunda a quinta, com textinho sobre aqui. Sem leituras posteriores, sem uma extensa pesquisa de contexto nem nada. Apenas minhas impressões imediatamente após o término do longa - a imensa maioria, sendo vistos pela primeira vez por mim - da forma mais crua e direta possível


Primeiramente, preciso dizer que falar desse filme vai ser complicado pra mim. Não pq toda sorte de crítico fodão já falou dele de formas mais absurdamente intrincadas do que eu pretendo aqui.
Não pq eu nem crítico sou, meramente um apreciador com ego grande o suficiente pra achar que gente gosta de ler sobre minhas impressões a respeito da vida, do universo e tudo mais.
Nope.
Mas pq, no distante ano de 2009, precisavam de alguém pra uma participação num dos programas de lá da TV USP (o Walk Talk show, programas de entrevistas com o pessoal que compunha a fauna uspiana, de vendedores de sorvete, passando por gente que trabalhava lá e, obviamente, os alunos) para interpretar o foiceiro, o enxadrista sinistro, o grim reaper e.... bem.....


Em retrospecto, eu deveria ter raspado o cabelo no dia anterior.
Enfim, postei isso só pra deixar claro que eu sou mega suspeito pra falar do sétimo selo. Mas vou faze-lo, anyways....
So.... o que eu posso dizer sobre um dos maiores clássicos da sétima arte que ninguém tenha dito?
Provavelmente nada. Mas posso salientar um ponto que eu raramente vejo comentado: a primeira impressão que esse filme me passou foi tão macabra que, vendo agora, anos depois, eu tinha esquecido do quanto ele é engraçado. Na maioria das vezes é aquela risada vinda do mais puro desespero, mas ainda assim. E a cena da morte do ator na árvore continua a minha favorita do filme, só por ser incrivelmente bizarra. Morte trolladora e os cacetes. 
Mas a real é que é um filme sinistraço, né?
Pro improvável caso de alguns dos senhores não terem visto: Depois de 10 anos, enfiado até o pescoço nas Cruzadas, Antonius Block e seu escudeiro voltam para a Europa apenas para encontrar o local devastado pela peste negra. Mal botou os pés em solo europeu de novo, o cavaleiro é recebido por ninguém menos que a Morte em pessoa e, diante dela, ele faz o que qualquer pessoa normal faria: relaxa e chama o shinigami pra uma amigável partidinha de xadrez.
O filme tem uma série de temas complexos percorrendo seus pouco mais de 90 minutos de duração. Diante do fim, Block se pega questionando sobre a condição humana e sua finitude, sobre o conflito entre a crença num pós vida e o medo do vazio e os caminhos que temos pra conseguir continuar vivendo apesar dessa massacrante pergunta pairando sobre nós em cada momento consciente. O filme apresenta algumas possibilidades de escape, a maioria terrível: a religião, nesse contexto, de maneira nenhuma é acolhedora, funcionando a partir do medo e da opressão. Sério, a cena da procissão é uma coisa saída dos pesadelos de Clive Barker, sem brincadeira. Puro horror. E aliás, a crença no sobrenatural não oferece nenhum confronto aos personagens. O apocalipse, é descrito como uma cena dantesca na bíblia. Quando aqueles indivíduos discutem sobre o fim, não vem o alívio do fim do sofrimento carnal ou o regozijo de se reencontrar com Deus, mas o horror de testemunhar o fim. O Deus daqueles indivíduos é uma criatura digna de medo, não uma fonte de amor e conforto. 
Diante dele, Antonius parece optar pela crença no não-vida, na não existência pós morte, mesmo que essa idéia seja perturbadora e não pela sua natureza em si, mas por negar à nossa condição qualquer propósito. Vejam bem: Block viu os horrores da guerra por uma década. A existência de uma deidade, de uma força maior sobre nós é a única coisa que pode conferir algum sentido diante de toda a morte e sofrimento que ele testemunhou enquanto, aliás, valido lembrar, lutava e matava em nome da Igreja. O protagonista chega a interpelar uma mulher acusada de bruxaria, tentando interrogar o diabo. Pq afinal, se o diabo existir, Deus tb é real, correto? Well..... não exatamente. No começo do longa, Jons, o escudeiro, canta sobre como parece que o Diabo caminha entre nós enquanto Deus vira sua face. Não lembro onde ouvi essa frase pela primeira vez, mas "mesmo quando vc não crê mais em Deus, vc nunca deixa de temer o demônio". 
So, Deus é um pai ausente, a Igreja é uma aberração obtendo poder através do medo (certas coisas nunca mudam, não? O que era aquele frade opressor, apavorando as pessoas na cena da procissão senão um Malafaia da sua época?). O que nos sobra?
Bom, o filme apresenta duas formas de superarmos o primordial medo de nossa própria inexistência.
Uma delas é a imortalidade através da arte e sobre isso, preciso dizer: Bergman não tinha muito amor pelo público, né? Esse é o segundo filme, dos 4 que vi até agora pra essa série de textos, em que ele mostra uma trupe de artistas tentando performar e algum pau no c* na platéia atrapalhando o espetáculo, com geral rindo dos performers sendo humilhados. No universo do diretor sueco, o espectador padrão é meio que um imbecil né? Não que eu discorde, vejam bem. Vale mencionar também a discussão, no começo do filme, sobre o papel da arte, através do diálogo sobre o quadro da "Dança da morte". Mais do que foreshadowing pra cena que encerra "O sétimo selo", é uma conversa sobre como a arte não precisa - e aliás, não tem obrigação alguma - de te deixar feliz e, mesmo assim, as pessoas vão prestar atenção nela. Pq "a imagem de uma caveira chama mais a atenção do que a de uma mulher nua". 
Anyway, os atores sobrevivem ao final. Não todos, vide o infeliz que morreu no topo da árvore, assassinado pela impiedosa força da gravidade. Mas pelo menos o casal de atores e seu bebê terminaram "bem", graças aos esforços de Block em distrair seu nêmesis. Os contadores de histórias sobreviveram mais um dia para tirar arte daquele contexto de mer** e oferecer algum conforto - ou pelo menos escapismo -  a quem tanto precisa. 
A segunda forma de superar o horror existencial, segundo o filme, aliás, a principal delas, é através do contato humano, das relações que estabelecemos no decorrer da vida (in a personal note: oh, fuck!!!).
Não que isto também não tenha seus custos, vejam bem. Pessoas confortam, mas pessoas humilham.
Pessoas amam, mas pessoas odeiam. Pessoas te abraçam, mas pessoas te condenam. 
No contexto niilista e pré-apocalíptico daqueles personagens, o céu E o inferno são os outros, com Deus e o diabo estando há uma pessoa de distância de cada um de nós. 
Filme belíssimo, diálogos antológicos ("Fé é como amar alguém que está no escuro, onde vc a chama mas a pessoa não responde") e claro, direção primorosa. O mundo de Block não deve nada, absolutamente nada aos universos sem vida de Walking Dead ou de Mad Max: Fury Road. De fato, o mais próximo que a humanidade chegou do pré-apocalipse e do vislumbre da completa extinção. Mas  em termos de sentir a ação do diretor influenciando diretamente a fruição do longa, uma cena ficou na minha cabeça o filme inteiro. Me refiro, obviamente, a um dos raros momentos de respiro e conforto do longa, quando Block, Jons, Jof, Mia, Karin e o pequeno Mikael estão comendo e cantando juntos na cena dos morangos silvestres, um momento de real conexão e rara felicidade por parte daquele grupo de trágicas figuras...... mas nem tudo são flores. Sorrisos, música, pessoas relaxadas, mas em todo momento, absolutamente durante TODA essa cena, até o corte final no rosto do cavaleiro, quando ele segura a panela cheia de frutas, podemos ver ao fundo a máscara da caveira que Skat apareceu usando no começo do filme.


Um lembrete constante de que a foice paira erguida sob os pescoços deles - e dos nossos - e que na alegria ou na tristeza, na riqueza ou na pobreza, na guerra ou na paz, a morte espera vigilante, prestes a derrubar a ultima peça do oponente do tabuleiro e executar o xeque-mate final. 

A seguir: MAIS morangos silvestres. :-)

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